Onde está a Palestina no acordo entre Israel e Emirados Árabes Unidos?

Sob os auspícios de Donald Trump, Israel e Emirados Árabes assinam os Acordos de Abraão, com o intuito de normalizar as relações entre os países

Hugo Bordas
Redação Beta
5 min readSep 12, 2020

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Celebrações dos acordos ocorreram em todo o território israelense. (Foto: Yonatan Sindel/Flash90)

Em meio a uma pandemia, uma crise política e a anexação da Cisjordânia parecendo cada vez mais próxima, os acordos selados em agosto deste ano, deixam dúvidas sobre o futuro da região. Essa série de acordos, em parte, surpreendeu o mundo, uma vez que os EAU seriam o terceiro país árabe a reconhecer Israel. Porém, por trás do jogo diplomático, ambos os países vinham desenvolvendo relações informais. Dessa forma, pode-se dizer que os acordos oficializaram para o mundo o que já vinha acontecendo há anos: a aproximação mútua entre Israel e nações do Golfo.

Por sua vital importância, a análise dos acordos de forma regional e internacional mostra seu papel estratégico na geopolítica. A normalização das relações entre os dois países foi de grande utilidade para Donald Trump em sua tentativa de reeleição, além de servir como combustível para países ocidentais acreditarem que a normalização de relações traria paz no Oriente Médio e suspenderia o plano de anexação de Benjamin Netanyahu, quando na verdade retoma a anexação velada e invisibiliza ainda mais a luta Palestina.

Para o professor de Relações Internacionais Bruno Lima Rocha Beaklini, os Emirados Árabes possuem sua própria agenda e um interesse tecnológico, essencialmente na tecnologia da informação e projetos aeroespaciais dentro do contexto dos acordos. Portanto, é possível afirmar que o governo de Sheikh Mohammed Bin Zayed embasou suas motivações no acordo por interesses próprios, amenizados com um discurso que buscava diminuir possíveis problemas com demais países árabes por conta da causa Palestina.

Quais as consequências disto para a Palestina?

As alegações dos Emirados Árabes de que o acordo pode abrir novos diálogos entre Israel e Palestina por conta do aparente fim do plano de anexação de Netanyahu, está longe de ser uma realidade para a região, principalmente com a aliança entre o primeiro ministro de Israel e Trump envolvida nos acordos. A avaliação da Palestina aos acordos foi de traição, visto que a Autoridade não foi consultada previamente e acabou sendo pega de surpresa pelas declarações, que não foram bem vindas. Para a Palestina, os acordos são um problema para a busca pela paz, uma vez que prejudicam um dos principais incentivos da sua causa: a não normalização de relações entre estados árabes com Israel.

Para Ayat Yaser, graduada em Relações Internacionais e membro da Juventude Sanaúd (movimento juvenil Palestino), os acordos não contribuem para o processo de paz e acabam criando ainda mais obstáculos ao legitimar os atos de Israel na ocupação Palestina. Em relação ao suposto fim do plano de anexação de Netanyahu, Yaser ressalta que não é citada a desistência do plano de anexação, de forma com que esta série de acordos servem como um adiantamento deste plano, que ainda busca ser executado.

A resposta popular na Palestina foi em grande parte de rechaço dos acordos, gerando protestos em diversas cidades. (Foto: Jaafar Ashtiyeh/AFP)

“… os EAU ao fazerem um acordo com Israel hostilizam o fato de que há uma ocupação no território palestino. Como, também, ignoram a luta pela existência de um Estado Palestino soberano; desprezam todas as resoluções da ONU e do Direito Internacional violados por Israel; e ignoram a Iniciativa de Paz Árabe de 2002, dos quais são integrantes”, destaca Yaser.

Os interesses israelenses na Cisjordânia

Desde a Guerra dos Seis Dias (1967), Israel controla a área da Cisjordânia, onde residem entre 2 a 3 milhões de palestinos. A região é palco de diversos conflitos geopolíticos, devido, principalmente, à busca da direita israelense pela anexação desse território, desejo histórico de cunho religioso propulsionado por Netanyahu, que viu no cenário internacional o momento perfeito de concretizar este plano em 2020.

Em janeiro deste ano o presidente estadunidense, Donald Trump, divulgou seu Plano para a Paz do Oriente Médio, um tendencioso projeto de redesenhar as fronteiras entre Israel e Palestina, tornando Jerusalém a capital indivisível de Israel, retirando ainda mais terras da Autoridade Palestina. Neste cenário, Netanyahu decidiu oficializar seus desejos de anexar por completo a Cisjordânia, causando furor da comunidade internacional, porém ainda assim com o suporte de Trump.

Mapas representando o plano de Donald Trump para a região: na esquerda o plano para a Palestina e na direita o plano para Israel. (Fonte: Casa Branca)

E o que seria a anexação de Netanyahu? Resumidamente ela iria incorporar os mais de 100 assentamentos israelenses na Cisjordânia, o que dificultaria ainda mais a autodeterminação do povo Palestino, criando ainda mais checkpoints e restrições rodoviárias para a população fora dos condomínios fechados israelenses.

O frágil poder de Benjamin Netanyahu

O poder de Netanyahu foi amplificado pela eleição de Trump em 2016, porém concomitantemente o Primeiro Ministro de Israel passou a sofrer diversas pressões internas, tanto por protestos populares como por sua oposição parlamentar. O ápice da crise política israelense se deu pelas eleições de 2019, o que iniciou uma intensa represália nacional e internacional, conflitando com o apoio da extrema direita de Israel e de governos de ideologia similar.

Estes acordos estão intrinsecamente relacionados com a crise política do governo Netanyahu, e como cita Giovanna Goldrajch, membro da Hashomer Hatzair (movimento juvenil socialista-sionista), os Acordos de Abraão podem ter sido instrumentos do governo Netanyahu, e também atuam para distanciar o diálogo, ignorando as lideranças palestinas.

“A crise antecede, e em muito tempo, o acordo de normalização. Os acordos desviam o foco dos casos de corrupção e podem servir como cortina de fumaça para acalmar a população que vem se manifestando por melhorias na gestão.”, destaca Goldrajch.

Um dos diversos protestos em Israel contra o governo Netanyahu e sua gestão. (Foto: EPA-EFE)

O sistema eleitoral israelense prevê a formação de uma coalizão em até 42 dias pelo partido mais votado, porém com Netanyahu no poder desde 2009 e seu envolvimento em esquemas de corrupção, o país se dividiu. A extrema-direita do Likud (partido de Netanyahu), teve dificuldade em concorrer com o partido de centro-direita Kachol Lavan, de Benny Gantz, o que impossibilitou a formação de coalizão pelos dois partidos e consequentemente levou a três repetições de eleições em um período de um ano. Porém, em abril de 2020, em meio à pandemia do COVID-19, ambos concordaram em governar o país por meio de um governo de unidade nacional de emergência, com Netanyahu nos 18 primeiros meses e Gantz nos 18 seguintes.

Netanyahu conseguiu o que mais queria, governar o país para a direita local, buscando cumprir suas promessas até sua saída do Knesset, o Parlamento Israelense. Dentre as medidas do presidente está a anexação da Cisjordânia, e com seus dias contados para sair do governo, Netanyahu preparou sua última jogada.

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Hugo Bordas
Redação Beta

Graduando em Relações Internacionais na UNISINOS