“Operário da Comédia”, Rodrigo Fernandes se arrisca como diretor de cinema

O criador do blog Jacaré Banguela relata o que tem vivido ao trabalhar nos Estados Unidos após lançar longa-metragem

Leonardo Oberherr
Redação Beta
7 min readDec 3, 2021

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Rodrigo Fernandes vive em Chicago desde 2019. (Foto: Daniele Deghi/Instagram)

Ator, comediante, diretor, apresentador, escritor, roteirista, embaixador extraoficial de vendas de Air Fryer ou, simplesmente, Jacaré Banguela. Rodrigo Fernandes, para os familiares e os poucos que o chamam pelo nome de batismo, nasceu em Cuiabá, Mato Grosso, no dia 7 de fevereiro de 1986. Com 36 anos de vida, 21 de carreira e 17 de Jacará Banguela, ele diz que falta apenas uma coisa para coroar sua vida: “Um bebê. Tenho tentado ao máximo, mas não tem sido tão fácil quanto fazer um vídeo para o YouTube. É mais divertido, sem dúvida”.

Tudo começou em 2004, quando lançou seu blog de humor e cultura pop intitulado Jacaré Banguela. Formado em Publicidade e Propaganda após um semestre mal aproveitado no curso de Administração, Rodrigo seguiu para o caminho do humor, mesmo não sendo engraçado, segundo ele. “Eu nunca fui engraçado! Nem na minha família nem nos meus grupos de amigos. Sempre tive pessoas muito divertidas e engraçadas em volta de mim, mas eu, definitivamente, não era uma delas. Eu fui mexer com essa droga viciante chamada comédia muito tempo depois, quando eu era DJ lá em Sinop, no interior do Mato Grosso, e comecei a montar remixes e fazer vinhetas de áudio. Eu percebia que as pessoas gostavam daquilo e fui buscando outras maneiras de criar comédia. Como era uma cidade pequena, eu não podia me repetir nas criações, o que me ajudou muito a manter a mente ativa para buscar coisas novas”, explica.

De seu blog, surgiu o canal do YouTube de mesmo nome, em 2006. Foi nele que Rodrigo investiu e cresceu ao ponto de aumentar a base de fãs, como é o caso de Eduardo Oliveira. O porto-alegrense de 29 anos se recorda de se divertir com o conteúdo produzido por Rodrigo. “Lembro de algumas esquetes, vídeos curtos que ele reproduzia no canal. Mas, sem dúvidas, o mais marcante é o vídeo que ele fez com o Rafinha, tirando sarro de como as reportagens eram feitas”, considera.

No canal com mais de 500 mil inscritos, Rodrigo produziu a websérie Anônimo e diversos quadros de sucesso, como Não Fale com o Motorista; Emagrece, Gordo; Jacaré Bancooking; JB Fora do Ar e Predisposição ao Desconhecido. Versátil, o conteúdo que varia entre humor, cozinha, viagem e cotidiano atingiu mais de 62,5 milhões de visualizações.

Com formato de Talk Show, “JB Fora do Ar” com Dilma (personagem de Gustavo Mendes) passou de 2 milhões de visualizações. (Foto: Reprodução/YouTube).

Mesmo com o reconhecimento por conta do Jacaré Banguela, ele não se sente desconfortável com a dualidade entre os dois. Segundo o próprio, Rodrigo Fernandes e Jacaré Banguela são a mesma pessoa e, por isso, não há problema em ser reconhecido por sua obra.

Em 2013, foi convidado para substituir Maurício Cid, do blog humorístico Não Salvo, no quadro Fenômenos do YouTube (posteriormente renomeado para Famosos da Internet), do programa de televisão Eliana. Ingressou no elenco fixo de personalidades, onde permaneceu até 2018. Além dessa participação, Rodrigo escreveu o livro Tinha Tudo Para Dar Certo Se Não Fosse Eu (2018), adaptou a obra O Namorado da Minha Namorada, de Mike Birbiglia, para ser usado como monólogo nos palcos, interpretado por ele, e participou da comédia Hermanoteu na Terra de Godah, da Companhia de Comédia Os Melhores do Mundo. Resumidamente, esse é o currículo daquele que ficou conhecido — pelo menos entre seus fãs — como “o operário da comédia”.

A carreira de diretor de cinema

Rodrigo (centro) produziu seu primeiro filme com ajuda dos fãs. (Foto: Divulgação/Rodrigo Fernandes)

Em 2019, Rodrigo Fernandes foi admitido na Second City de Chicago para o Curso Harold Ramis Film School, que é totalmente focado em produção e roteiro de comédia para o cinema. Fernandes foi o primeiro brasileiro a concluir o curso e o primeiro aluno a entregar um longa-metragem como trabalho de conclusão, quando o pedido é apenas um curta. Seu primeiro filme, Second Date, foi lançado em 31 de dezembro de 2020.

A obra foi produzida através de um crowdfunding com os fãs. Entre eles, Eduardo. “O Banguela pode não ter uma base de muitos seguidores, muitos fãs como outras estrelas, mas o público dele é fiel. Vimos isso quando ele realizou a vaquinha para o filme”, conta.

“Eu adoro quem dá palco para maluco, porque geralmente o maluco sou eu. Acho que manter um alto-astral ajuda muito e saber a minha posição no mundo também”, comenta Rodrigo.

Além de roteirizar e dirigir, Rodrigo vive o personagem Rob, um jornalista que recém saiu de um relacionamento de 20 anos e está reaprendendo a viver um “encontro romântico”.

Leia a seguir os principais trechos da entrevista de Rodrigo Fernandes à Beta Redação.

Beta Redação — Através do seu trabalho, percebemos que você “não tem medo do novo” e costuma se aventurar em diversos projetos e formatos. De onde vem tanta disposição e criatividade para experimentar coisas novas?

Rodrigo Fernandes — Eu tenho uma leve impressão que isso tem muito a ver com a minha infância. Minha família se mudou algumas vezes quando eu era pequeno e acho que essas situações me fizeram crescer como alguém sem um lugar fixo para estar. Nunca foi ruim mudar de um lugar para outro e, por isso, a novidade nunca foi algo que me assustou. Arriscar algo diferente sempre me pareceu um caminho legal para descobrir coisas novas. A gente só tem essa vida aqui pra viver coisas loucas!

Beta Redação — Qual foi o formato/mídia mais difícil de produzir? Qual o motivo?

Rodrigo Fernandes — Cinema, com certeza, tem sido a mídia mais difícil. Principalmente porque você precisa de muita gente confiando na sua ideia. Você desloca muita gente, alimenta todo mundo, programa as filmagens, as locações, os atores, tudo… E em vários momentos tudo dá errado, mas você tem que continuar fazendo tudo dar certo e convencer as pessoas de que tudo VAI dar certo. No stand-up, você escreve seu texto sozinho no seu quarto, sobe no palco, dá o seu melhor e torce para funcionar. Se não funcionar, você senta, reescreve e testa de novo em outro show. No cinema, não tem como você fazer um filme para ver se vai ficar bom, reescrever e filmar tudo de novo. Você só tem uma chance.

Rodrigo entregou “Second Date” como seu trabalho final para o curso Harold Ramis Film School, da Second City University of Chicago. (Foto: Divulgação/Rodrigo Fernandes)

Beta Redação — Passado um ano do lançamento de Second Date, como você avalia essa produção? O que sente ter feito certo e o que acredita que poderia ser melhor?

Rodrigo Fernandes — Sem dúvida, eu gosto DEMAIS do filme. Todas as vezes que eu o revi, me surpreendi com uma coisa ou outra que eu já tinha esquecido. Outro dia assisti ao novo filme do Woody Allen (Rifkin’s Festival) e vi uma piada de situação parecida com uma do Second Date. Me animei muito. No último filme do Edgar Wright também tem uma cena parecida com uma que eu fiz no filme — claro que a dele bem maior que a minha — e me deixou bem feliz. Eu não julgo a obra pronta. O que está feito, foi feito com muito empenho e dedicação. Cada filme é uma coisa isolada.

Beta Redação — Em 2014, Leandro Hassum disse que existe certo preconceito com o cinema nacional de comédia. Por estar no meio há tanto tempo e ter vivenciado tantas coisas, você concorda com ele? Quais as diferenças que você vê no cinema de comédia estadunidense e no brasileiro?

Rodrigo Fernandes — Há um preconceito com a comédia no geral. É inacreditável que o Jim Carrey não tenha ganho um Oscar até hoje. Robin Williams tinha um como Ator Coadjuvante. O Robin Williams! Então não é uma questão do público com a comédia. É das pessoas da arte também. Fazem piada com os filmes do Adam Sandler, mas todo ano ele lança um novo. Quem está rindo de quem? O humor é igual nos países. As pessoas fazem as mesmas coisas de usarem seu dinheiro para pagar “situações de comédia”, que pode ser o filme, o show de stand-up, de improviso, o musical… e a única coisa que muda é a língua.

Beta Redação — Como a produção de humor para a internet serve/serviu para a criação de material humorístico para outras plataformas?

Rodrigo Fernandes — Volume de criação. Na internet, para ser visto, você tem que produzir um volume muito grande de conteúdo. Isso te dá uma agilidade e entendimento de como as coisas funcionam e são produzidas. Essa destreza e visão ajudam muito quando você começa a surfar em mídias mais tradicionais.

Beta Redação — Já tem projeção de quando teremos novos filmes lançados?

Rodrigo Fernandes — Ainda não.

Beta Redação — Como você entende que depois de tantos anos de carreira sua fanbase ainda é tão ativa ao ponto de lhe ajudarem a fazer Second Date? Como é sua relação com os fãs?

Rodrigo Fernandes — Eu converso com desconhecidos desde sempre e de uma maneira muito estranha eu continuo fazendo isso e gostando. Compartilhar uma ideia e ter uma resposta positiva disso é muito legal. Por isso, não topo ir para terapia nem nada parecido. Quero, sim, continuar não sabendo de onde vem tanta bobeira. Nem penso em mudar isso, não. Qualquer insegurança que eu acabo tendo vira piada e vocês continuam me dando palco. Acho uma ótima troca!

Desde sua chegada em Chicago, em 2019, Rodrigo Fernandes utiliza as plataformas de redes sociais para divulgar seu trabalho e mostrar o cotidiano. Por lá, já revelou ter escrito outros roteiros que estão sendo oferecidos para serviços de streaming estadunidenses, como a Netflix, ainda sem perspectiva de produção. No Instagram, o humorista mostra os bastidores das gravações em que participa.

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Leonardo Oberherr
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Estudante de jornalismo, amante de esportes e música. Inspirado por Leonardo Meneghetti, Galvão Bueno e PVC. #IDIDDAT