OPINIÃO: Brasileiro precisa reconstruir conceito sobre cultura

Milene Magnus
Redação Beta
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4 min readSep 30, 2017
Baile funk na Rocinha, Rio de Janeiro. (Foto: Balazs Gardi/Flickr)

De acordo com o dicionário, cultura é o “estado de quem tem desenvolvimento intelectual. Estudo. Elegância, esmero”. Para o antropólogo britânico Edward Burnett Tylor, o conceito de cultura vai além, é “todo aquele complexo que inclui o conhecimento, as crenças, a arte, a moral, a lei, os costumes e todos os outros hábitos e capacidades adquiridos pelo homem como membro da sociedade”. Por mais que essa definição tenha se modificado e enfrentado controvérsias, a cultura contempla uma construção histórica de conhecimentos e todas as suas facetas. A cultura é transdisciplinar, múltipla e, ao mesmo tempo, singular.

O que se pode dizer com convicção é que sua construção depende do local em que está inserida. Um país, por exemplo, pode adquirir diversas culturas em seu território. Nos quatros cantos do Brasil existem costumes e conhecimentos referentes aos seus locais de convívio e, também, ao poder aquisitivo de sua população. No Norte do país, o folclore tem presença forte. Na região Sul, os festivais de cinema e dança encontram espaço. Já no centro do país, a cultura é uma miscelânea.

Outra das certezas da cultura é que não se julga por bom ou ruim, certo ou errado. Na teoria. A prática tem sido testada vigorosamente. Como ampla que é, a cultura considera muitas expressões um ato cultural. Gostem ou não. Contudo, a população brasileira tem intensificado seu ódio e sua luta pela censura da própria cultura e de suas vertentes. Ações contra exposições de artes plásticas, discursos de ódio contra músicas e um vira-latismo contra o cinema nacional são algumas das características do “fiscal de cultura” brasileiro.

Consumindo música estadunidense em seus smartphones, aglomerando a moda europeia em seus guarda-roupas, separando os trocados do salário para assistir qualquer filme hollywoodiano no mais caro shopping de Porto Alegre, o perfil do brasileiro médio é de um vira-lata. Odeia sua latinidade e as consequências que ela traz. Idealiza a “potência mundial” que é os Estados Unidos e justifica a ideia utilizando a “má cultura brasileira”: desde a música até os costumes. Não acredita na capacidade dos artistas nacionais e ainda os esnoba.

Cinema

Muito criticado, o cinema nacional tem sido, constantemente, julgado e desaprovado pela sua população. Apesar de se ver em cada quadro, o brasileiro não o aceita. As justificativas rasas são de que utilizam vulgaridades e vocabulário baixo em todos os longas. É bem verdade que algumas obras acentuam essa característica do cidadão nascido nestas terras. Um retrato do cotidiano das comunidades cariocas, o filme Cidade de Deus, indicado ao Oscar (2004) e vencedor do Grande Prêmio de Cinema Brasileiro (2003), explicita a violência, a vulgaridade e a “boca-suja” das favelas brasileiras. Porém, nem só de palavrão vive a sétima arte no Brasil. O aclamado e reconhecido Central do Brasil conta a história da amizade entre uma escritora de cartas e um menino que acabara de perder a mãe. Emocionante, o filme ganhou prêmios internacionais como Urso de Ouro do Festival de Berlim (1998) e o Globo de Ouro (1999).

Música

Não longe do ódio destilado estão as músicas brasileiras. Admiradora de artistas internacionais, a sociedade brasileira, em sua maioria, não consegue enxergar qualidade nas suas produções. Acredita que a MPB limpa os ouvidos, mas que o funk é a tradução da criminalidade. Discrimina o sertanejo e Deus-o-livre de ouvir Pabllo Vittar. Adora música pop, mas tem preconceito com Anitta, que já foi indicada para diversos prêmios mundiais e vencedora de outros brasileiros.

Artes visuais

Crente de que os bons costumes e a família tradicional serão prejudicados, a arte também é alvo de suas manifestações contrárias. O Queermuseu: cartografias da diferença na arte brasileira, exposição de artes plásticas que ocorria no Santander Cultural, em Porto Alegre, sofreu censura por parte dos porto-alegrenses e de grupos políticos, e teve repercussão pelo restante do país. Nova York, na contramão dos manifestantes indignados da capital gaúcha, expôs projeções das obras em um museu da cidade. Outras mostras artísticas também vêm sofrendo repressão em todo país.

A cultura tem um conceito e uma prática que se enfrentam. Mesmo que possa ser adquirida, ela nunca será uma fração exata. Não se pode esperar uma verdade única e particular de uma expressão artística. O que se pode é construir um pensamento crítico a respeito de toda e qualquer ação cultural sem julgamento prévio e preconceituoso. Não se pode consumir cultura internacional sem ler tradução e achincalhar a própria cultura por sua leitura literal, por exemplo. É preciso enfrentar, com coragem, as influências mundiais e tragar, cada vez mais, o que nossos artistas têm a nos oferecer. Para isso, é necessário ampliar o conceito de cultura e descerrar os olhos sobre a cultura brasileira, expandindo, gradativamente, a admiração por ela.

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Milene Magnus
Redação Beta

Jornalista formada pela Unisinos. Apaixonada por contar histórias, por esportes, por moda.