OPINIÃO: Eles não são descartáveis

Após oito anos da regulamentação da lei, carroceiros e carrinheiros continuam na clandestinidade

Renata Simmi
Redação Beta
3 min readMay 16, 2018

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(Foto: Coombesy/Pixabay)

A lei nº 10.531, que determina a retirada gradativa de veículos de tração animal (VTAs) — carroceiros — e veículos de tração humana (VTHs) — carrinheiros — em Porto Alegre, regulamentada pelo decreto nº 16.638/2010, não solucionou o problema da coleta informal na cidade.

Essa lei prevê que os profissionais que trabalham catando o lixo reciclável disposto nas ruas, sejam encaminhados para empregos formais. Muitos catadores alugam as carroças de terceiros e acabam gerando uma dívida vitalícia, que os valores arrecadados na venda dos recicláveis não são capazes de pagar. Fora isso, há questões de saúde desencadeadas pela separação dos materiais sem proteção e em ambiente insalubre. Trazer qualidade de vida para essas pessoas é um passo fundamental para melhorias na sociedade em geral.

Uma das alternativas estabelecidas pelo programa Todos Somos Porto Alegre, responsável pela emancipação dos carrinheiros e carroceiros, é a vinculação dos profissionais às Unidades de Triagem (UTs) cadastradas na prefeitura. Podemos ver que essa não é uma preocupação recente do poder municipal, já que a lei é de 2008.

Apesar de a lei possibilitar um encaminhamento construtivo ao carroceiro, chama atenção como pouco sabemos dessas iniciativas. Não só que elas existem, mas em que pé andam. O que conseguimos perceber, pelas ruas da capital, é que há sim uma diminuição dos veículos de tração animal, mas, paralelamente, há um aumento considerável de pessoas, geralmente em situação de rua, com carrinhos de supermercado, grandes sacolas ou aqueles carrinhos de feira, repletos de plásticos, papelões e outros materiais que possuem valor no comércio do lixo. Não houve políticas públicas para inserir essas pessoas que não param de se proliferar?

Mas além da responsabilidade das autoridades municipais que deveriam fiscalizar o descarte incorreto, multando os encarregados por essa prática, precisamos de uma mudança real nos nossos hábitos. Muitas pessoas não se conscientizaram da importância da separação correta de seus resíduos e, mais ainda, o cuidado ao apresentá-lo para a coleta nos dias previstos no cronograma. Colocando o lixo seco no container (destinado exclusivamente ao resíduo orgânico) ou não seguir o cronograma da sua rua, fomenta-se a coleta informal e ainda reduz a quantia de resíduos encaminhadas para as 17 Unidades de Triagem conveniadas à prefeitura que empregam formalmente cerca de 700 pessoas. Não tendo lixo suficiente, essas cooperativas precisam reduzir a carga horária de seus funcionários e acabam não conseguindo gerar a renda suficiente para que o negócio ande e se sustente. Como atender a legislação, incorporando esses carroceiros nas UTs, com a falta da matéria prima necessária?

Esse é um problema comportamental crônico que passa por questões ecológicas, sociais e de educação, e o manejo dos resíduos representa vários desafios para cidades e sociedades. Eliminar os carroceiros das ruas e fechar os olhos para as práticas inseridas nesse contexto não resolve a situação. Os profissionais precisam de dignidade para lidar com algo que enxergamos como nosso problema somente até o momento em que colocamos nosso lixo para fora de casa.

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