Opinião: Jornalista, um trabalhador pós-moderno

Como inventar valor frente às tecnologias que transformam a profissão?

Victor Dias Thiesen
Redação Beta
4 min readNov 28, 2018

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Entre os alunos de comunicação social, existe uma noção pessimista de que a profissão é mal remunerada. O piso do jornalismo, porém, considerando as 5 horas da jornada de trabalho, não é tão baixo assim. Segundo a Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ), o salário mínimo da profissão é de R$ 2.274,23 em Porto Alegre, enquanto no interior do Estado o valor é de R$ 1.936,57. Mesmo assim, é inferior ao piso da categoria no Alagoas, R$ 3.565,27.

Existem muitos relatos de jornalistas que não conseguem se “desligar” do trabalho (Foto: Pixabay)

Por parte daqueles que estão iniciando a vida profissional, existem muitas reclamações. O descontentamento pode ser consequência das referências de profissionais que nos inspiraram a escolher a profissão. Certamente não sabíamos que o mercado era formado por alguns poucos que recebem um valor elevado (aqueles que líamos, víamos e escutávamos, inclusive) e por muitos que ganhavam um salário mais modesto e que não tinham tanta notoriedade. É claro que essa é uma situação muito semelhante a outras áreas. Até mesmo um engenheiro e um médico comum vão dizer que sua profissão é concorrida e mal remunerada.

O que se ouve de reclamação diz respeito, sobretudo, ao “não-desligar” do trabalhador jornalístico. Mesmo depois de sair da redação, ele continua pensando na pauta que passou ou na pauta que virá, o que está acontecendo no mundo, entre outros temas relacionados a profissão. É como se o jornalista fosse uma extensão pós-moderna do personagem de Charles Chaplin na famosa cena em que ele sai da fábrica, mas continua parafusando o nada.

Muito se tem discutido sobre o futuro do jornalismo, levando em consideração as inovações tecnológicas e as implicações que elas têm sobre a profissão, não somente em termos de suporte, mas também sobre seus valores deontológicos, ou seja, o conjunto de deveres profissionais referentes à profissão. Apesar da prensa ter dado a moção inicial à profissão, outras tecnologias a afetaram. O telégrafo, o rádio, a televisão e, mais recentemente, a Internet são as principais. Condensando digitalmente os outros suportes e possibilitando as ferramentas de produção, a Internet faz com que se acumulem funções que noutra época eram separadas numa espécie de linha de produção da notícia em um só sujeito. Adiós fordismo noticioso, hello multitarefa e multimídia.

Não bastasse entrar no terceiro milênio e ser atingido em cheio na sua estrutura pelas redes digitais, as mais recentes inovações tecnológicas vão atingir o jornalismo (entre outras tantas formas de emprego) a nível molecular. Em outras palavras, seu DNA será alterado. Os princípios daquilo que se chama de Quarta Revolução Industrial ou Indústria 4.0 dizem respeito sobretudo à velocidade acelerada de produção. No Brasil, em 2018, tivemos lampejos desse cenário representado pelo oximoro da notícia falsa.

Ora, ainda aprendemos na faculdade que a notícia supõe fidedignidade ao acontecimento. Sabemos, evidentemente, dos mal-entendidos acerca da objetividade, mas temos noção do que se denomina realidade. Bem, isso tudo sem a classe ainda ter vencido a delicada relação com grupos de interesse e, ao modo tradicional, não ter encontrado um modelo de negócio lucrativo cujos clientes fossem aqueles que consomem seus produtos, e não a publicidade.

Alguns autores como o também jornalista C.W. Anderson cunham o termo jornalismo pós-industrial, ou pós-jornalismo. O marco inicial seria uma notícia do LA Times de 2014 que relatava um terremoto na região de Westwood, California, escrita por um robô. Robô, na verdade, é uma metáfora para o algoritmo desenvolvido pelo responsável pela matéria, Ken Schwencke, que escreve textos jornalísticos baseados em relatórios sísmicos.

As tecnologias vêm influenciando o fazer jornalístico desde a prensa até os algoritmos (Foto: Pixabay)

Nesse cenário descrito (que foca, propositalmente, nos pontos negativos) como criar um valor sobre a nossa profissão? Como ofertar para a sociedade alguma coisa que satisfaça nossas pretensões financeiras bem como as de sucesso profissional?

Me disponho a pensar naquilo que faz o jornalismo ser atraente, suas capacidades não somente de reportar um fato, mas de articulá-lo com o restante dos acontecimentos comuns também ao seu leitor. Não somente colocar um produto jornalístico à toa nas redes, mas tentar, de algum modo, suscitar um interesse no público sobre àquilo que é de interesse público. Dessa forma, as tecnologias não se apresentam como um cenário desolador, apocalíptico, como diria Umberto Eco, mas como ferramentas, à mão de quem enxergar na realidade algum valor-notícia e decidir produzir algum material.

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