OPINIÃO: Nascer gera sofrimento

Karina Verona
Redação Beta
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5 min readMay 10, 2018

Antinatalismo: posição filosófica defende que procriar é negativo para o planeta

Ter filhos biológicos é um desejo indispensável de muitos casais. (Foto: Brie Tasario)

Existe um sonho compartilhado pela maioria dos casais: a vontade de gerar um filho. Não é preciso procurar muito para encontrar pessoas, de idades variadas, que têm como plano, mesmo que num futuro distante, serem mães e pais. Mas nem todo mundo quer isso ou até mesmo concorda com essa ideia.

Há uma posição filosófica chamada antinatalismo que não enxerga o nascimento como algo positivo. Os antinatalistas — indivíduos adeptos ao antinatalismo e que consequentemente acreditam que procriar não é uma opção viável — baseiam muito de suas crenças em David Benatar, um filósofo cuja principal obra, Better Never to Have Been (Melhor nunca ter existido, em tradução livre), trata sobre o assunto.

No livro, a primeira frase do prefácio já explica bastante o que Benatar acredita: “Cada um de nós foi prejudicado por ter existido”. Para ele, existir é sempre — sem exceção — algo ruim. Não ter nascido teria sido melhor para todos, pois os prazeres que temos ao longo da vida não fariam falta, já que não os conheceríamos e nesse caso não estaríamos sendo privados de nada, e os sofrimentos, experimentados por todos os indivíduos, porém em graus diferentes, teriam sido evitados. Ele defende que procriar gera sofrimento para todos os seres, não só os humanos, apesar de esse ser o foco do seu trabalho.

O sul-africano de 51 anos tem plena noção de que suas ideias são radicais e que não serão aceitas e compreendidas pela maioria — e nem é isso que ele espera. No seu livro, Benatar deixa claro que simplesmente considera necessário falar para o mundo no que ele acredita.

Para David Benatar, todo sofrimento de um ser pode evitado se ele simplesmente não nascer. (Foto: e OrimO)

Em abril deste ano, a BBC Brasil publicou uma matéria sobre o assunto. Nela, é possível entender um pouco mais sobre um lado menos extremo do antinatalismo, defendido pela espanhola Audrey García, de 39 anos. Ela acredita que existe uma falta de ética ao se gerar filhos biológicos, mas não por todos os mesmos motivos que David Benatar. O que resume as ideias de Audrey é sustentabilidade.

Ela explicou suas razões, em uma entrevista para a BBC Mundo, dizendo que “simplesmente não é ético (ter filhos biológicos) em um mundo superpovoado, onde faltam água e comida para muitas pessoas, onde estamos destruindo o meio ambiente, onde não paramos de consumir mais e mais recursos. Não quando se pode adotar ou acolher (outras crianças)”.

A opinião de Benatar e García vão diretamente contra uma opinião muito comum de que não querer ter filhos é uma escolha egoísta. Afinal, trazer novos seres para um mundo que não garante recursos e qualidade de vida para as próximas gerações, que já é superpopuloso — e tende a se tornar cada vez mais, que explora animais, outros humanos e a natureza de todas as maneiras imagináveis talvez não seja o ato altruísta que muitos afirmam ser.

Ter filhos biológicos não é uma escolha altruísta, de acordo com o antinatalismo. (Foto: Terence Nance)

Ter filhos é um tema tão amplo que não parece ser possível cobrir todas suas nuances num só texto. Eu, Karina, filha adotiva de pais que antes de adotar tentaram ter um filho biológico — o que teria acontecido se não fosse por um aborto espontâneo sofrido pela minha mãe, penso e repenso, escrevo e apago, formulo e destruo minhas opiniões em questão de segundos.

A sociedade ainda tem dificuldade de aceitar a escolha de casais de não ter filhos, isso continua sendo um tabu. As pessoas seguem sendo incansavelmente questionadas sobre quando — e não se — terão filhos. Mas optar pelo “não” talvez que seja menos complexo, sendo as razões baseadas na ideologia antinatalista ou sejam elas egoístas — como muitas são consideradas pelo senso comum.

O decidir ter filhos e não fazer isso da forma convencional — que é biologicamente — parece ter mais barreiras ainda. A adoção dificilmente é considerada a primeira opção na hora de se decidir ter filhos, e muitos casais escolhem não ter filhos caso não consigam gerar um. Entretanto, assim como cada um pode decidir se quer ou não assumir o papel de mãe e pai, o direito de escolha sobre como se tornar responsável por uma criança também existe.

Segundo o Cadastro Nacional de Adoção (CNA), atualmente, no Brasil, existem 8.682 crianças cadastradas para adoção. (Foto: Mormon Images)

Me parece indiscutível que gerar filhos biológicos não é a melhor escolha para o mundo. Se existem adultos querendo ser pais e existem milhares de crianças que precisam de cuidados, não há motivo para trazer mais seres humanos para o mundo. Mas assumo a hipocrisia existente na minha opinião, pois tenho vontade de ter um filho biológico.

Concordo com muitos dos pontos do antinatalismo — não todos, pois ainda acredito que nascer pode sim ser algo positivo, mas não sei se seguiria essa ideologia. E se eu que estou de acordo com essas questões, sou adotada e sinto na pele o quão bem isso pode fazer para um ser humano penso em ter filhos biológicos, como posso tentar convencer qualquer um que esse não é o melhor caminho?

Talvez o que seja necessário ao se decidir ter um filho — e como isso vai ser feito — é a noção do que isso significa para o mundo. Não para o nosso mundinho particular, mas para o planeta. Quem sabe o mais importante inicialmente seja identificar o egoísmo que existe, na realidade, no ter filhos biológicos. No quanto estamos deixando de ajudar outros seres que já existem ao tomar essa decisão. Entender isso e aceitar viver tendo consciência do que isso diz sobre nós mesmos e as consequências que isso gera para o mundo pode ser muito mais difícil do que simplesmente ter filhos ou não.

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