OPINIÃO: Teorias da conspiração atrapalham o combate à Covid-19

O que precisamos agora é combater a pandemia verificando a veracidade de dados e fatos

Helen Appelt
Redação Beta
5 min readMay 5, 2020

--

A busca de informação sobre o novo coronavírus precisa ser feita de maneira responsável. (Foto: Engin_Akyurt/Pixabay)

A curiosidade faz parte da vida humana em sua própria essência. Assim ela está representada no mito grego de Pandora, que abriu a caixa que guardava os males do mundo e a esperança. Biblicamente, também é ilustrada por Eva no livro do Gênesis, quando ela come do fruto da árvore do conhecimento. Nós, humanos, precisamos de bons argumentos para suprir a necessidade do entendimento. Isso começa na infância, por volta dos três ou quatro anos, quando questionamos inúmeras vezes o porquê das coisas. A partir disso aprimoramos os questionamentos e criamos teorias no decorrer da vida. Precisamos de justificativas para tudo o que acontece.

Quando um vírus toma conta da população mundial e milhares de pessoas morrem, surgem questionamentos diversos e, com isso, muitas teorias de como e por que algo assim aconteceu. No início de março, Mahmoud Ahmadinejad, ex-presidente do Irã, usou o Twitter para dizer que a Covid-19 era uma arma biológica criada em laboratório. Ainda no mês de março a revista Nature Medicine publicou artigo científico afirmando que o vírus evoluiu naturalmente, o que desmente a afirmação de Ahmadinejad. Disseminar teorias durante uma pandemia requer muita responsabilidade, afinal, é necessária uma checagem dos argumentos que sustentam a teoria. O achismo e as aparentes relações entre fatos não são suficientes, além de mexer com o emocional humano, aproveitando-se de uma situação.

Ex-presidente do Irã tem teoria desmentida sobre o surgimento do novo coronavírus. (Reprodução/Twitter)

Segundo o pesquisador Steve Clarke, da Charles Sturt University, da Austrália, em seu artigo Conspiracy Theories and Conspiracy Theorizing, o que nos move a criar e acreditar nas teorias é o emocional. Um exemplo de para ilustrar o oportunismo emocional é que uma das medidas para minimizar os contágios pela Covid-19 é o distanciamento social, que acaba aumentando o nível de ansiedade e por vezes de solidão. Para o eterno Quico da turma do Chaves, Carlos Villagran, o novo coronavírus não existe, é apenas uma desculpa para obrigar as pessoas a ficarem em casa enquanto antenas do novo sinal de rede 5G são instaladas. O momento de tensão, medo e cuidados é propício para que as teorias pareçam verdadeiras.

A questão aqui não é desmentir, desprezar ou justificar alguma teoria que possa ter surgido, mas sim questionar os argumentos que desqualificam o trabalho de profissionais que atuam para a informação verdadeira chegar de forma efetiva na população. As teorias da conspiração trazem realidades alternativas que são entregues à sociedade de forma talvez até irresponsável. Steve Clarke aponta em sua pesquisa que pessoas acreditam em teorias mesmo que haja poucas evidências que comprovem sua veracidade — basta um possível fundo de verdade para que comprem a ideia.

Ligar alguns fatos e procurar coincidências entre eles não valida uma conspiração, mas por vezes é o suficiente para colocar em dúvida o conjunto de fatos. Exemplo disso é o livro O Protocolo dos Sábios de Sião. A obra afirma existir uma conspiração judaica e maçônica na tentativa de dominar o mundo, mas com o tempo foi provado que tudo não passa de uma farsa, criada pela polícia secreta russa, publicada em 1897, puramente de cunho político. Além de mentirosa, a obra ainda foi acusada de plágio do livro O Diálogo no Inferno de Maquiavel e Montesquieu, do escritor francês Maurice Joly, uma publicação clandestina da sátira ao imperador Napoleão III.

Entramos, então, em uma seara muito debatida nos últimos anos, que é a propagação de fake news. Criar teorias de conspiração em momentos delicados, que afetam a população, é grave e irresponsável, e ainda dificulta o trabalho para profissionais de diversas áreas. Em 17 de abril, durante a pandemia, surgiu uma teoria apontando o co-fundador da Microsoft, Bill Gates, como responsável pela Covid-19. Segundo a teoria, a intenção de Gates é lucrar com a venda de uma vacina. A especulação surgiu a partir de uma conferência TED de 2015, na qual o filantropo afirma que não estamos preparados para uma próxima epidemia. A procura pelo vídeo de Gates ultrapassou 28 milhões de visualizações no Youtube em pouco mais de um mês.

Frase de discurso de Bill Gates é alvo de teoria da conspiração sobre Covid-19. (Fonte: Reprodução/YouTube)

A teoria da conspiração contra Bill Gates foi analisada pelos jornalistas Daisuke Wakabayashi , Davey Alba e Marc Tracy do The New York Times. Eles apuraram e desmentiram que Gates seria o culpado, e alertaram para os impactos negativos que as fake news podem causar, inclusive, no desenvolvimento da vacina contra o novo coronavírus. Na reportagem, os jornalistas mostram a proporção que a teoria tomou nas redes sociais. Em seu artigo, o pesquisador Steve Clarke afirma que um ponto-chave para quem cria uma teoria é defender uma narrativa de ideias bastante populares, que chegue facilmente à grande massa.

A popularização de ideias que expliquem as situações como a que estamos vivendo, abre precedentes para especulações e exposições desnecessárias de pessoas ou problemas políticos, por exemplo. É natural que busquemos opiniões, ideias e explicações sobre como um vírus se dissemina, qual sua origem e se há alguém responsável por isso. Faz parte da nossa essência humana querer argumentos que nos convençam facilmente, mas de forma responsável. Tanto que uma criança não se cansa de perguntar “por quê?” quantas vezes for preciso. Ela precisa de um argumento que a convença para não fazer ou falar algo. Teorias da conspiração fazem parte da história cultural, política e econômica.

Não penso ser o momento, contudo, de procurarmos uma explicação alternativa para o que está acontecendo. O que precisamos agora é combater a Covid-19 com propriedade: dados e fatos. Teorias de conspiração não cabem em um momento de saúde pública tão delicado. Não deve haver espaço para teorias sem provas suficientes ou fakes, sem fundamentos. Figuras públicas devem lembrar que são responsáveis por influenciar milhares de pessoas e, por isso, têm o dever de cuidar antes de fazer circular depoimentos e discursos que surgem de repente, sem base de comprovação.

No momento, quando for necessário sair de casa, precisamos encontrar pessoas preocupadas com a nossa atual realidade, que auxiliem alguém que precisa de informações para se proteger e até mesmo desabafar sobre a quarentena. Quereremos que as pessoas abracem a causa de combate ao vírus e às fake news do momento. Queremos que a curiosidade das pessoas seja bem explorada e apurada.

--

--