Organizando a indignação

Coletivo Juntos! reúne jovens em torno de lutas políticas e sociais

Vanessa Souza
Redação Beta
6 min readMay 11, 2018

--

(Foto: Clem Onojeghuo via Unsplash)

Assim como nos tempos de Maiakovski, o mar da história segue agitado por aqui. Dentro de escândalos de corrupção e crise política, a indignação organizada de diversos grupos e movimentos sociais independentes chega das ruas para contestar o mundo como ele está. O coletivo Juntos! faz parte desse cenário de inconformados e, hoje, se constitui em um movimento nacional de juventude que atua em 19 estados do Brasil.

Tudo começou em 2011, quando membros de movimentos estudantis da Universidade de São Paulo (USP), Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e Universidade Federal do Pará (UFPA) se juntaram para ampliar suas lutas para um âmbito maior, inspirados por movimentos como os “indignados” da Espanha, a juventude chilena e o Occupy Wall Street, nos Estados Unidos, que ganhavam força na época.

“O Juntos! nasceu no congresso da UNE (União Nacional dos Estudantes) daquele ano, onde nossos companheiros lançaram um manifesto para um novo movimento estudantil brasileiro. O coletivo começou como movimento estudantil, mas hoje em dia ele está para além das escolas e das universidades, atua também no movimento de bairros e territorial”, explica Gabriel Feltrin, militante do Juntos!, estudante de Ciências Sociais e membro do grupo de trabalho nacional do movimento.

Gabriel Feltrin é membro da organização nacional do Juntos! (Foto: Pedro Feltrin)

Dentre as bandeiras que o Juntos! defende, estão a busca por uma educação de qualidade, a defesa do meio ambiente e o combate ao preconceito e à desigualdade social. Feltrin explica que o coletivo se organiza por frentes: universitária, secundarista e territorial. Dentro destas existem os grupos setoriais, com o Juntas, que defende causas feministas, a setorial de negritude, defendendo causas dos negros e negras, a setorial LGBT, e assim por diante. Existe também as setoriais específicas de cada estado, como a de causas indígenas no Norte do país. E ainda, os grupos de trabalhos estaduais e nacionais, que coordenam as ações.

“Dentro dessa organização, nós debatemos as pautas mais relevantes do momento e propomos políticas e ações para ela. Por exemplo, dentro da universidade, nós temos um acúmulo sobre a reforma universitária, sobre as transformações que precisamos, como a assistência estudantil. Além de debates e propostas, participamos ativamente de mobilizações e manifestações, como o junho de 2013 e as ocupações das escolas junto com os secundaristas em 2016”, diz.

Além disso, o movimento possui duas casas/sedes. A primeira, a Casa da Juventude no Rio de Janeiro, e a Casa das Mulheres, em São Paulo, que é uma parceria do Juntas com a vereadora Sâmia Bomfim — que foi uma das fundadoras do Juntos. Lá, o grupo presta auxílio psicológico e jurídico para mulheres em situação de vulnerabilidade. “Nós queremos ampliar essa ideia das casas no Brasil, pois achamos que ter contatos territoriais é algo muito importante para que a gente avance em nosso trabalho”, completa Feltrin.

Carla Zanella de Souza é militante na setorial de negritude e no Juntas. Ela faz parte do núcleo da UFRGS do movimento e, entre a pauta feminista e de direito dos negros, viu no Juntos! uma possibilidade de militância ampla e real. “Nós nos organizamos para lutar e reivindicar nossos direitos em diversas pautas, como cotas raciais, o direito ao aborto, a violência contra as mulheres. E, além de promover debates e participar das lutas das mulheres de maneira mais geral, sempre que somos chamadas às ruas, nós também tentamos organizar ações de conscientização e até de assistência, como a arrecadação de produtos de higiene para pessoas em vulnerabilidade”, conta.

Carla Zanella de Souza em manifestação organizada pelo Juntos! (Foto: Carla Zanella/Arquivo Pessoal)

O Juntos! atua de forma totalmente independente e não recebe financiamentos externos. Se mantém com doações de amigos, sindicatos e parlamentares parceiros. E também se auto financiam, fazendo ações e campanhas para arrecadar dinheiro. Embora o coletivo não tenha ligação direta com nenhum partido, alguns militantes migraram do Juntos! para o parlamento através do PSOL, como é o caso de Fernanda Melchionna, vereadora de Porto Alegre, e Sâmia Bomfim, vereadora em São Paulo. O cientista político Maurício Moya diz que essa transição é natural.

“Na essência da política, os movimentos sociais são anteriores aos partidos. Grupos sociais se organizarem é historicamente anterior à formação de partidos. É assim que a sociedade faz política normalmente. Mas, como hoje temos essa visão institucionalizada da política, cheia de descrença, partir para grupos independentes é uma alternativa de exercer a cidadania. Mas tudo é um ciclo. Quem está em movimentos independentes, está com o intuito de fazer política e, para que as políticas se efetivem, é preciso estar em um partido. O dinamismo da política está aí”, esclarece Moya.

E isso é confirmado pelo próprio Juntos!. “Embora a gente não deposite esperanças de que o parlamento vá mudar a realidade das coisas, pois achamos que o atual sistema político não é o ideal, nós acreditamos que o parlamento é um posto avançado para as lutas sociais que a gente trava no dia a dia”, comenta Feltrin. Carla ainda complementa dizendo que, para ela, a política tradicional é muito importante, mas deve ser um espaço no qual as lutas sociais são amplificadas. Na falta desse espaço, o Juntos! se propõe a fazer isso: amplificar as lutas sociais. “Não que a gente ache que ocupar o poder não seja importante. Mas a gente encara essa disputa pelo poder, como está sendo feita hoje, algo injusto e não efetivo”.

Moya analisa que as lutas independentes, intensificadas pelos jovens nos últimos anos, se devem, principalmente, a uma crise de representação. “Os partidos, que seriam os canais oficiais para representar o cidadão, acabam perdendo valor e deteriorando a sua imagem devido à ineficiência e a escândalos. Os movimentos que representam bandeiras mais específicas acabam ganhando esse papel”, diz.

O cientista político ainda explica que a movimentação de grupos sociais independentes dos últimos anos no Brasil, iniciado pelas lutas operárias, com os sindicatos, vem passando por mudanças desde a metade do séc. XX. “Agora, esses grupos estão se organizando por bandeiras transversais. Eu posso estar em dois movimentos/coletivos ao mesmo tempo. Esses movimentos acabam agregando mais vozes. Já o movimento partidário acaba separando e encaixotando as pessoas. A questão é que, como os partidos estão desgastados neste momento de crise de representação, as pessoas optam muitas vezes por ficar apenas nos movimentos”, pontua.

Além das ações próprias, o Juntos! tem um leque de aliados muito grande — e com os quais tem tanto convergências quanto divergências, como aponta Gabriel Feltrin. Um deles é o Emancipa, um cursinho pré-vestibular que também conta com projetos de esportes em periferias, alfabetização de jovens e adultos e imigrantes. “O Juntos! é parceiro do Emancipa pois acreditamos que essa é uma forma real de incidir na vida da população mais precarizada”, diz Feltrin. E tem também o Mover, que é uma plataforma sindical de trabalhadores, principalmente os jovens que atuam em fábricas e lugares onde os sindicatos não conseguem atender às suas demandas.

Quanto às perspectivas das bandeiras que defendem, Carla Souza e Gabriel Feltrin são enfáticos e fazem coro: não sabem ao certo como as coisas serão e do que querem para o futuro, mas têm certeza do que não querem: que as coisas não mudem.

Nós acreditamos que não existe vácuo na política. A gente quer participar, quer construir e quer juntar pessoas para esse projeto de contestação das coisas como estão. Nós não temos uma fórmula para todos os processos, mas cada processo e cada luta que se inicia vai nos ensinando o caminho”, finaliza Feltrin.

--

--