Salvador do Sul projeta implementação de APAE para 2023

Através de pedágios beneficentes e doações solidárias, a entidade arrecada fundos para consolidar o projeto na cidade

Henrique Anselmo Kirch
Redação Beta
8 min readSep 14, 2022

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Douglas Schuh, de camiseta branca, seria um dos alunos beneficiados pela APAE de Salvador do Sul, o que evitaria longos trajetos até cidades vizinhas. (Foto: Divulgação/Facebook APAE Salvador do Sul)

"A vida é bonita para quem saber viver". Desse jeito, utilizando a Língua Brasileira de Sinais, Douglas Schuh, 35 anos, vive sua rotina. Quando nasceu, ele foi diagnosticado com deficiência física (surdez e mudez) e intelectual (leve). Sendo assim, necessita de auxílio e orientação de terceiros para executar determinadas atividades, bem como para acompanhá-lo na tomada de decisões.

Desde 1997, Douglas frequenta instituições inclusivas. Quando tinha apenas 10 anos, viajava de segunda a sexta até a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE) de Montenegro, a 35 km de Salvador do Sul. “Na época a preocupação era imensa, pois todas as pessoas com deficiência (PcD) viajavam acompanhadas somente pelo motorista. Além de correrem perigo no trânsito, ficavam soltas pelo transporte”, relata a irmã Solange Jahn.

Já em 2011, o salvadorense ingressou na APAE de Barão, localizada a 12 km do município onde reside, o que encurtou o caminho e tornou a logística da família mais prática. “Quando fomos informados da vaga, ficamos muito felizes em saber que o deslocamento não seria mais a maior dificuldade. No entanto, o Douglas vai somente três vezes por semana à APAE. O ideal seria ir todos os dias para praticar diversas atividades, mas a gente entende que cada instituição possui a sua sistemática”, complementa Solange.

Considerando as dificuldades logísticas, o sonho da família é contar com uma APAE em Salvador do Sul. “Tudo que a gente já passou nesses 25 anos, certamente, daria um livro extenso com inúmeros capítulos. Uma entidade de inclusão no município não somente ajudaria o nosso menino de ouro, mas todos seus colegas com deficiência, que poderiam desfrutar de trabalhos para o desenvolvimento crítico, criativo e construtivo dos conhecimentos intelectuais, emocionais e sociais. Vivências de lazer e práticas físico esportivas também são importantíssimas para os PcD”, enfatiza Solange.

Douglas tem uma paixão imensa por animais. Casais de calopsitas, caturritas, marrecos, três cachorros, uma gata e um cavalo fazem parte do seu “carinhoso zoológico”.

Quando vai passear, Douglas sempre leva seus animais de estimação para fazerem companhia. (Vídeo: Divulgação/YouTube)

Obstáculos da educação inclusiva

A persistência é o caminho do êxito. É com esse espírito que a diretoria da APAE trabalha para implantar uma instituição inclusiva em Salvador do Sul, no Vale do Caí. Atualmente, o município conta com 52 pessoas com deficiência cadastradas no Centro de Referência da Assistência Social (CRAS). Entretanto, menos da metade é atendida nos programas oferecidos na região.

A cidade de Barão possui uma APAE constituída que disponibiliza 20 vagas para alunos de Salvador Sul, número que supre 38,5% da demanda do município. Esse número, contudo, não agrada o poder público e as entidades sociais da cidade, uma vez que muitas pessoas com deficiência permanecem sem vagas e a logística para se deslocar até outro município preocupa os familiares.

Recursos financeiros são imprescindíveis para a manutenção de projetos de educação inclusiva, assim como uma estrutura adequada para receber e transportar os alunos com conforto e segurança. A carência de mecanismos didáticos metodológicos específicos para que o processo de ensino-aprendizagem aconteça também demanda dedicação da sociedade no apoio a projetos que envolvam essa temática, explica a presidente da Diretoria da APAE de Salvador do Sul, Márcia Rejane Eckert.

A diretoria da APAE Salvador do Sul conta com 15 membros titulares que realizam encontros semestrais para definir estratégias de captação de fundos. (Foto: Divulgação/Facebook APAE Salvador do Sul)

Segundo a presidente, é difícil encontrar profissionais especializados para atuar com educação inclusiva no Brasil. Logo, aqueles que são capacitados nessa área demandam maior desembolso de recursos para serem mantidos. Essa é uma das dificuldades enfrentadas para instalar a APAE e garantir a atenção integral à pessoa com deficiência intelectual e múltipla em Salvador do Sul.

O início da caminhada tem o Poder Legislativo como precursor

Os primeiros passos do projeto de implantação da APAE em Salvador do Sul ocorreram no dia 16 de agosto de 2005. À época, Clarina Elisabeta Klein, então vereadora no município, entendeu que aquele era o momento para a criação da APAE ou um instituto similar que acolhesse e prestasse o devido atendimento às pessoas com deficiência na cidade de 7.8 mil habitantes.

Na data, foi apresentada uma proposição, com base no Regimento Interno da Câmara de Vereadores, para a criação de uma Associação Beneficente para as crianças com deficiência no município. “Isso deve-se, inicialmente, ao fato de que desde o ano de 1994, as PcD eram transportadas pela Prefeitura Municipal à APAE de Montenegro. A logística aplicava-se através de um convênio, em parceria com a Secretaria Municipal de Saúde, entre os municípios envolvidos”, explica Elisabeta.

"Meu projeto, além de necessário, teve um motivo muito especial. Tenho, em minha família, uma pessoa com deficiência chamada Luiz Reinaldo Klein, meu irmão. Com quatro meses de vida, ele foi acometido por meningite e encefalite, que o deixaram, por consequência, com surdez permanente. No ano de 1953, morávamos no interior de Montenegro e não tínhamos acesso para colocá-lo numa APAE. O tempo foi passando e ele teve sérias dificuldades para se comunicar, adotando seus próprios sinais para interagir com os familiares e amigos", relata a ex-vereadora.

Inspirada pelo irmão, Elisabeta é a responsável pela proposição de criação da APAE em Salvador do Sul. (Foto: Arquivo Pessoal/Clarina Elisabeta Klein)

Após a proposição, foram realizadas reuniões entre a Administração Municipal e a Federação das APAEs, assim como, visitas às instituições inclusivas de municípios da região como Garibaldi e Feliz com o objetivo de conhecer o funcionamento e a realidade de cada uma. Entretanto, o desenvolvimento do projeto sempre esbarrou em trâmites burocráticos.

Após 16 anos, no dia 27 de julho de 2021, a Comissão de Fundação da APAE do município de Salvador do Sul recebeu a visita do Presidente da Federação das APAEs do Estado do Rio Grande do Sul (FEAPAES — RS), Afonso Tochetto, e do Presidente do Sétimo Conselho das APAES, Eduardo Motta Caldieraro. O prefeito municipal Marco Aurélio Eckert, acompanhado dos secretários municipais e do vereador Romeu Recktenwalt, também acompanharam as conversas que debateram a criação da instituição. “O pronunciamento do presidente da Federação nos deixou entusiasmados, já que o objetivo da comitiva foi trazer a boa notícia de que poderíamos organizar a Assembleia Geral para a escolha da primeira diretoria da APAE de Salvador do Sul”, relata Elisabeta. Desse modo, no dia 23 de setembro de 2021, foi eleita a diretoria oficial constituída com 15 membros titulares e o mesmo número de suplentes.

Comunidade aprovou, por unanimidade, a chapa apresentada para compor a diretoria da APAE Salvador do Sul, em 2021. (Foto: Divulgação/Facebook Câmara de Vereadores Salvador do Sul)

Posteriormente, vem sendo trabalhado, em conjunto com a Administração Municipal, a consolidação da APAE no município. “O nosso grande desafio e propósito é sempre oferecer uma educação para todos os sujeitos, que reconhece e valoriza a diversidade humana, conforme os marcos legais que embasam a Constituição”, afirma o prefeito Marco.

Diretoria e comunidade salvadorense engajada na causa

Após constituída a documentação formal da diretoria da APAE, comércios e instituições bancárias se colocaram à disposição para contribuições financeiras solidárias. Conforme Márcia Rejane Eckert, quanto mais pessoas estiverem engajadas na batalha, melhor será o resultado. “Somos gratos por todo o apoio que estamos recebendo na construção da entidade salvadorense. A participação de todos é primordial”, destaca.

Além das doações, a diretoria também promove pedágios beneficentes. Com o objetivo de angariar fundos para a instituição inclusiva, os membros param os veículos e solicitam aos motoristas qualquer ajuda financeira para a APAE.

O último pedágio solidário, realizado no dia 9 de abril, arrecadou quase 4 mil reais. (Foto: Cathierine Hoffmann/Assessoria de Imprensa)

Após a contribuição, os integrantes amarram nos veículos uma fita para simbolizar o gesto solidário. “É uma forma de agradecimento e também de inspiração para que outras pessoas ajudem esse importante projeto”, explica Márcia. A iniciativa conta com o apoio da Brigada Militar para sinalizar a via. “Somos muito gratos pelas contribuições. Toda comunidade possui sua parcela de solidariedade. Cada gesto de doação importa. Juntos somos mais fortes”, complementa.

Conforme a presidente, a APAE conta, atualmente, com 28 mil reais em caixa. “A comunidade está muito participativa. A gente tem visitado empresários, apresentando ações sociais, rifas e campanhas solidárias. Tudo isso para arrecadar fundos para a APAE. Felizmente, a adesão está sendo extremamente positiva”, comemora.

"Sempre quando vamos a um evento solidário da APAE, a felicidade toma conta. A participação relevante da comunidade nos traz a certeza de estarmos fazendo um trabalho sério e honesto. É gratificante liderar esse grupo. Empenho e esforço não faltarão por parte de nossa equipe”, relata a presidente.

A arrecadação de fundos está sendo bem avaliada pela diretoria. Entretanto, há muitos gastos com a produção de materiais artísticos, assim como com despesas legais e burocráticas.

APAE Salvador do Sul desfilou no 7 de Setembro em comemoração ao Bicentenário da Independência. (Foto: Arquivo Pessoal/Henrique Kirch)

Composta por membros voluntários, a diretoria realiza encontros de forma presencial para tomada de decisões. Um grupo no aplicativo WhatsApp também é utilizado para encaminhar questões pontuais. No momento, a Câmara de Vereadores de Salvador do Sul tem sido um espaço utilizado para as reuniões.

APAE deve iniciar os trabalhos em 2023

A Administração Municipal de Salvador em Sul, em conjunto com a diretoria da APAE, projeta iniciar o ano de 2023 com a estrutura física em funcionamento. O comodato já está em tramitação. A FEAPAES-RS também já liberou 70 mil reais para o projeto. Móveis já foram doados pela Prefeitura Municipal, Câmara de Vereadores, empresários e comunidade salvadorense. “Estamos reformando o prédio que receberá as pessoas com deficiência. Será um grande passo para o nosso município, tanto no quesito da inclusão social, quanto na educação de excelência”, avalia o prefeito Marco.

Rampas de acesso e demais quesitos de acessibilidades serão implantados no prédio que abrigará a APAE Salvador do Sul. (Foto: Cléo Meurer/Assessoria de Imprensa)

No local reservado para a instituição funcionava uma antiga escola, fechada desde o início da pandemia. Portanto, reparos na parte elétrica, pintura do prédio e, principalmente, limpeza da parte interna e externa são de suma importância para inaugurar o projeto.

A portadora de Síndrome de Down Nadine Vitória Kuhn, 10 anos, aguarda ansiosamente pela APAE Salvador do Sul. Assim como Douglas, ela também frequenta a instituição do município vizinho.

Enquanto o projeto ainda não está consolidado, os salvadorenses executam atividades de integração no CRAS. Semanalmente, monitores contratados pelos programas sociais organizam tarefas musicais, artísticas, físicas e de lazer. “Levar a Nadine para esses momentos é gratificante. Ela volta para casa sempre muito feliz. Imagina com a APAE implantada em nosso município. Tudo ficará mais prático e acolhedor”, afirma a irmã Thais Kuhn.

Nadine gosta de ajudar seus pais nas atividades do campo. (Foto: Divulgação/Facebook Thais Kuhn)

A presidente Márcia analisa que a expectativa é enorme. “Mais da metade dos membros da comissão possuem filhos ou demais familiares com deficiência. Então, poder compartilhar da empatia e inclusão, através dos direitos humanos, é um orgulho para nós. Vai ser um marco forte de integração na história de Salvador do Sul”, finaliza.

E você, quer contribuir com a APAE de Salvador do Sul?

É possível realizar depósitos na conta na Cooperativa Sicredi através da agência 0119, conta 96118–7 ou pelo pix, cuja chave é o CNPJ da APAE: 45336170/000180.

Para quem deseja contribuir através da Declaração de Imposto de Renda, entre as instituições que podem receber recursos estão as APAEs e demais instituições especializadas em educação inclusiva. A opção está disponível no próprio programa da declaração anual.

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Henrique Anselmo Kirch
Redação Beta

Verador de Salvador do Sul, quase jornalista e metido a treinador de futebol.