Os impactos da Covid-19 no mercado de trabalho gaúcho

No primeiro trimestre de 2021, a taxa de informalidade do Rio Grande do Sul foi de 31% , a quarta menor do país.

Thariany Mendelski
Redação Beta
7 min readJun 7, 2021

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Em março de 2020 a chegada do novo Coronavírus ao Brasil desestabilizou o país não só na área da saúde, como também balançou fortemente a economia. Muitos negócios fecharam, o desemprego subiu e a vida da grande maioria dos empresários ficou mais difícil, principalmente os menores. O número de pessoas desempregadas no Brasil chegou a 46,8%, maior número registrado desde 1992, segundo a consultoria IDado.

Prejudicado pela pandemia, o Rio Grande do Sul sofreu um saldo negativo no mercado de trabalho formal em 2020. No acumulado do ano passado, o Estado perdeu 20.220 empregos com carteira assinada. Trata-se do segundo pior desempenho do Brasil. Depois de três trimestres de números negativos, afetado pela pandemia da Covid-19, o mercado de trabalho gaúcho reagiu no quarto trimestre de 2020, com recuperação parcial em alguns dos principais indicadores na comparação com o trimestre anterior.

A taxa de desemprego no Estado caiu de 10,3% para 8,4% no quarto trimestre, o que corresponde a uma queda de 98 mil pessoas no número de desempregados. O movimento coincide com a recuperação no período na Taxa de Participação na Força de Trabalho (TPFT), que indica o percentual de pessoas em idade de trabalho (16 anos ou mais) atuantes ou não no mercado de trabalho. Esse percentual indica a consistência a nível de ocupação de pessoas em idade de trabalhar.

De acordo com os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua do IBGE, em 2020 ocorreu uma redução muito expressiva da força de trabalho e do nível de ocupação, que impulsionou o aumento da taxa de desocupação no mercado de trabalho do RS. Ou seja, houve uma intensa deterioração do mercado de trabalho estadual durante a pandemia de Covid-19 em 2020. Segundo a PNAD Contínua, na comparação do 4° trimestre de 2020 com o 4° trimestre de 2019, o contingente de trabalhadores formais no RS teve uma redução de 201 mil ocupados. O quadro piora no mercado informal, cuja queda foi de 305 mil. No 4° trimestre de 2020, havia 476 mil desocupados no RS, 35 mil a mais do que o verificado no 4° trimestre de 2019. A taxa de informalidade no RS foi de 31,4% no 4° trimestre de 2020, contra 34,0% no 4° trimestre de 2019.

De acordo com dados da PNAD Contínua os gráficos acima mostram a taxa de informalidade e o total de desempregados formais no Estado (Arte: Thariany Mendelski/Beta Redação)

Segundo o pesquisador do Departamento de Economia e Estatística do Governo, Raul Luís Assumpção Bastos, uma medida extremamente importante nesse momento de pandemia foi o Auxílio Emergencial, instituído pelo Governo Federal em abril de 2020, que se estendeu até dezembro e foi retomado em abril de 2021. “O acesso a esse programa de transferência de renda ajudou muito os trabalhadores informais, que foram os mais negativamente atingidos pela crise econômica provocada pela pandemia de Covid-19. Afora este fato, os gastos com consumo proporcionados pelo Auxílio Emergencial contribuíram para que a recessão econômica em 2020 não fosse ainda mais profunda”, relata.

Raul reforça que o mercado de trabalho do Rio Grande do Sul deteriorou muito ao longo de 2020. “Seria necessária uma recuperação substantiva da atividade econômica para que ocorresse uma melhora sensível do nível de ocupação e uma queda da desocupação. Há indícios de que a taxa de crescimento do PIB do país será positiva em 2021. Todavia, dadas as incertezas relacionadas com a evolução da pandemia de Covid-19, dificilmente será possível recuperar todas as perdas sofridas pelo mercado de trabalho em 2020 no ano de 2021”, disse.

O pesquisador também relata que a informalidade deverá aumentar em 2021, pelo simples fato de que ela se reduziu muito em 2020. “Parte dos trabalhadores informais foram retirados do mercado de trabalho em 2020 pela impossibilidade de exercer as suas atividades, uma vez que estas dependem do contato direto com a população, o que se inviabilizou pela adoção medidas de distanciamento social. Quanto à desocupação, por um lado, a recuperação da atividade econômica, mesmo que parcial, deverá contribuir para a sua redução; por outro, na medida em que as pessoas retornarem para o mercado de trabalho em 2021, isso o pressionará pelo lado da oferta de trabalho, provavelmente arrefecendo a retração da desocupação”, afirma.

De acordo com o coordenador da PNAD-C no RS, Walter Paulo de Sousa Rodrigues, “A pandemia trouxe uma grande incerteza para a vida das pessoas e consequentemente para a economia como um todo e o mercado de trabalho em particular. Nos momentos de grande incerteza a manutenção dos negócios existentes ou novos os investimentos têm um risco maior, prejudicando a manutenção ou a abertura de postos de trabalho”, conta.

Como o aumento da ocupação estava sendo puxado pelo trabalho informal nos últimos anos, a queda da população ocupada foi muito forte (Arte: IBGE/Divulgação)

Os mais prejudicados foram os trabalhadores informais, que eram cerca de 38 milhões no Brasil no terceiro trimestre de 2019, contingente que despencou para 30 milhões no segundo trimestre de 2020 e estava em quase 34 milhões no primeiro trimestre de 2021. Os postos de trabalho informais são os primeiros a serem recuperados, mas também são os primeiros a sentirem efeitos de uma crise. De acordo com o Boletim de Trabalho do Rio Grande do Sul, n. 4, 2020, a taxa de desocupação no RS durante a pandemia aumentou mais entre os homens, os jovens de 15 a 29 anos, as pessoas pretas e pardas e entre aquelas com apenas o ensino fundamental completo.

Segundo Walter, antes da pandemia, a recuperação de postos de trabalho estava fortemente influenciada pelos trabalhadores informais. “Com o advento da pandemia esses trabalhadores foram os primeiros e os que mais sofreram. Ao longo do último ano, refletindo o maior ou menor distanciamento social, tivemos algumas oscilações, mas quando fazemos a comparação anual (1º trimestre de 2021 contra o 1º trimestre de 2020 a situação é queda) relata o coordenador.

Embora tenha algumas características distintas, o mercado de trabalho gaúcho seguiu a mesma trajetória do mercado nacional, como podemos ver no gráfico acima (Arte:IBGE/Divulgação)

Crescimento Econômico no RS

O atual Secretário Estadual de Trabalho, Emprego e Renda, Ronaldo Nogueira, ressalta que os efeitos da pandemia de certa forma paralisaram o crescimento econômico acelerado que o Brasil estava realizando. Segundo ele, existem dois fatores que são importantíssimos na geração de empregos: desenvolvimento econômico e segurança jurídica.

“A segurança jurídica existe em razão da modernização da legislação trabalhista, que é fundamentada em três eixos: proteção de direitos, segurança jurídica e geração de empregos. Com a pandemia o desenvolvimento econômico freou, então aquela explosão de empregabilidade que estava acontecendo no país freou de certa forma. Ainda bem que graças a segurança jurídica não houve desemprego. A prova é que mês a mês os dados do CAGED apresentam saldo positivo. No último relatório disponibilizado, os dados do CAGED são de 573 mil novos postos de trabalho”, explica.

De acordo com o secretário Ronaldo, o governo do Estado tem sido modelo para o restante do Brasil. “Uma das medidas implementadas pelo governo é o programa RS Trabalho, Emprego e Renda. Ele é fundamentado em três eixos principais, a qualificação profissional, para adequar uma nova realidade de oportunidade, capacitação de gestão de pequeno e microempresário e trabalhador autônomo. Hoje no site da Secretária, temos 1.500 vagas de capacitação disponíveis, em especial para as mulheres. Além da capacitação, as mulheres vão receber assessoramento de 180 dias para elaboração de plano de negócios, boa gestão de negócios e acesso ao microcrédito”, conta Ronaldo.

Para Nogueira, a medida em que a pandemia for amenizada e a flexibilização ampliada, o crescimento econômico consequentemente será retomado e o RS voltara a ter em breve um crescimento na geração de empregos.

O economista Guilherme Stein corrobora que o cenário econômico antes da pandemia era de recuperação. “O Brasil e, consequentemente o Rio Grande do Sul, ainda estava se recuperando de uma das maiores crises econômicas da sua história. A crise que se iniciou em 2014 e que durou 11 trimestres gerou grandes sequelas para a economia brasileira. Em 2019, o Brasil ainda crescia muito pouco, mas, parte considerável dos analistas esperava que o ano de 2020 fosse o começo de uma retomada mais significativa da economia. Tudo isso foi por água abaixo quando a pandemia aconteceu. A taxa de desemprego, que até 2020 estava em uma lenta trajetória de queda, começou a subir para níveis historicamente altos”, relata.

Segundo Guilherme, a baixa qualidade dos postos de trabalho tem relação com a baixa produtividade da economia brasileira. “Essa baixa produtividade é resultado de duas realidades. Em primeiro lugar, nossa população ainda é muito pouco escolarizada se comparada a países semelhantes ao Brasil. Não só em termos de anos de estudo, mas também em relação a qualidade desses anos. Em segundo lugar, nossa economia é pouco produtiva em função da má alocação de recursos, ou seja, o uso pouco eficiente de nosso capital e trabalho. Os motivos para isso são inúmeros: sistema tributário ruim, instituições ruins, um setor público grande e ineficiente e, finalmente, mercados concentrados”, ressalta.

O economista afirma que enquanto as medidas restritivas da atividade econômica estiverem em vigor, o governo precisa de políticas de proteção social que sejam eficientes, e isso passa por uma correta focalização dos recursos. Já a médio e longo prazo, Guilherme reitera que o governo precisa continuar com a sua agenda de reformas para aumentar a produtividade da economia. “Isso passa pela aprovação de uma reforma tributária que corrija as distorções alocativas da economia e uma reforma administrativa que coloque o setor público dentro de uma trajetória compatível com a realidade brasileira. Muitos economistas dizem, e eu tendo a concordar, que o Brasil é um país muito preocupado em financiar gasto público, mesmo que isso gere baixo crescimento e aumento da desigualdade”, declara.

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