Os muros do preconceito nas eleições

Levantamento divulga resultados parciais de pré-candidaturas LGBTQIA+ no Brasil. No total, 74 pessoas dessa comunidade e aliadas foram cadastradas

Lisandra Steffen
Redação Beta
6 min readMay 26, 2022

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Toni Reis é diretor-presidente da Aliança Nacional LGBTI+ e ativista do movimento LGBTQIA+ e da AIDS desde 1980 (Foto: Toni Reis/Arquivo pessoal)

Em 28 de junho de 1969, diversos protestos iniciaram nos Estados Unidos a partir do que ficou conhecido como a revolta de Stonewall — momento em que o ativismo pelos direitos LGBTQIA+ ganhou espaço no debate público. Desde então, junho tornou-se conhecido como o Mês do Orgulho LGBTQIA+, e o movimento de busca de direitos para a comunidade passou a ser celebrado por todo o mundo.

A 26ª Parada do Orgulho LGBT de São Paulo está programada para acontecer no dia 19 de junho e o tema para as celebrações deste ano é “Vote com Orgulho — por uma política que representa”. Esta é uma forma de o evento dar ênfase na importância de votar em pessoas LGBTQIA+ nas eleições de outubro.

Em paralelo à programação da Parada, o movimento pluripartidário Aliança Nacional LGBTI+ organiza o programa Voto com Orgulho. Fundada em 2003, foi apenas em 2016 que começou a trabalhar em tempo integral, com a organização de programas e projetos.

O Voto com Orgulho monitora e acompanha a participação de candidaturas LGBTQIA+ e aliados nas eleições brasileiras. No início do mês, o programa divulgou os resultados parciais das pré-candidaturas LGBTQIA+. Os resultados foram obtidos através do preenchimento de um formulário por pessoas que querem concorrer nas eleições. A partir desse levantamento, foi possível constatar o movimento de 64 pessoas LGBTQIA+ e 10 pessoas aliadas para as eleições de outubro deste ano.

No Rio Grande do Sul, são três os candidatos cadastrados: Andrea da Matta (Solidariedade), Guilherme Diversidade (PDT) e Luis Mahin Reis Domingues (PSOL) — todos concorrendo ao cargo de deputado estadual. Os dados das candidaturas LGBTQIA+ são mantidos pela Aliança Nacional desde 1996, quando oito candidatos gays concorreram nas eleições municipais. Nenhum deles foi eleito.

(Imagem: Lisandra Steffen/Beta Redação)

A Aliança LGBTI+ mantém dados das eleições presidenciais desde 2002. Ainda que os dados sejam parciais, uma vez que o movimento ainda não trabalhava em tempo integral para o programa Voto com Orgulho, é possível perceber um aumento significativo de identidades LGBTQIA+ se candidatando.

Em 2002, apenas 11 candidatos LGBTQIA+ concorreram nas eleições. Porém, em 2018, o número aumentou para 135 pessoas. Além disso, o levantamento da Aliança LGBTI+ mostra que homens gays representam a maioria das candidaturas desde o início da coleta de dados.

Toni Reis, diretor-presidente da Aliança Nacional LGBTI+ e ativista da causa desde 1980, explica que o programa não apenas mapeia as candidaturas, como também incentiva pessoas LGBTQIA+ a ocuparem espaços políticos. O movimento estimula pessoas LGBTQIA+ a se filiarem e concorrerem às eleições em partidos cuja ideologia se aproxima à do candidato.

Capacitações eleitorais também são organizadas pelo grupo. O objetivo é ensinar métodos de defesa para candidaturas LGBTQIA+ que sofrem discriminação ou preconceito no meio político.

Formado em Letras e cursando o segundo pós-doutorado em Educação pela UFPR, Toni explica que a Aliança costuma enfrentar problemas ao incentivar as candidaturas de pessoas LGBTQIA+ ou aliadas.

“Reclamam muito da política, mas quando é pra sair candidato, são poucas as pessoas da nossa comunidade que têm essa coragem, essa destreza e essa vontade de lutar”, destaca Toni Reis.

Quem tem uma opinião similar é Daniel Passaglia, coordenador da Aliança Nacional LGBTI+ de São Leopoldo.

A coragem da candidatura

“Lançar qualquer candidatura LGBT no país que mais mata nossa população é um exercício de coragem”, explica Passaglia. O bacharel em Moda e ouvidor geral do Município de São Leopoldo destaca que o Brasil é o país que mais mata pessoas transexuais no mundo.

Apenas em 2021, 300 pessoas LGBTQIA+ foram assassinadas ou cometeram suicídio no país, segundo o Relatório Anual de Mortes Violentas do Grupo Gay da Bahia.

Bacharel em Moda, Daniel é ouvidor geral do Município de São Leopoldo (Foto: Daniel Passaglia/Arquivo pessoal)

Daniel foi candidato a vereador nas eleições de 2020, atingindo a marca de 698 votos. Ainda que não tenha sido eleito, ele fez parte dos 344 candidatos LGBTQIA+ ou aliados que concorreram nas eleições de 2020. “Durante o processo, tivemos gratas surpresas, como a adesão das pessoas LGBTs e de suas famílias. Isso fez com que tudo valesse a pena e nos mostrou que estávamos no caminho certo”, explica.

Para o coordenador, é importante trazer pautas voltadas à população LGBTQIA+ já nas eleições municipais, uma vez que deveria ser foco de qualquer candidato pensar em uma cidade que respeite e compreenda a diversidade. Segundo Daniel, a população LGBTQIA+ deve ocupar todos os espaços, do Executivo ao Legislativo, para inverter uma lógica violenta e que discrimina grupos minorizados.

No início deste ano, houve uma grande movimentação para que jovens entre 16 e 17 anos fizessem o título de eleitor. Daniel acredita que isso pode afetar positivamente nas eleições de candidatos LGBTQIA+. “A juventude quer falar sobre sua diversidade, quer políticas públicas que a represente e não a recrimine”, explica. Para o ex-candidato, a mudança política virá da juventude que começa a votar nas eleições deste ano.

Assim também pensa Toni Reis. Para ele, a juventude traz um “ar novo, refresca as ideias” e, consequentemente, faz oposição a um grupo conservador que já está votando há mais tempo. “São pessoas que estão lá na Idade Média. Na Idade Moderna, quando [a sexualidade diversa] era crime, antes de 17 de maio de 1990, quando nos tratávamos como doença. Então a juventude pode, sim, ajudar a atualizar o Congresso Nacional”, compreende o diretor-presidente.

Representatividade importa

Vale lembrar que no dia 17 de maio comemora-se o Dia Internacional contra a Homofobia, a Transfobia e a Bifobia. A data faz referência ao momento que a Organização Mundial da Saúde (OMS) retirou a homossexualidade da lista internacional de doenças e problemas relacionados à saúde, há mais de 30 anos.

Daniel costuma dizer que o preconceito e a discriminação são como muros. São colocados à frente de pessoas LGBTQIA+ e crescem a cada avanço que a comunidade adquire. A partir disso, cabe aos movimentos sociais e à sociedade monitorar os projetos sociais e os avanços da comunidade LGBTQIA+, para que não haja retrocessos. E uma maneira de fazer isso é eleger pessoas que defendam as pautas da comunidade LGBTQIA+.

Atualmente, há quatro parlamentares LGBTQIA+ eleitos no Congresso Nacional: David Miranda (PDT), Fabiano Contarato (PT), Professora Vivi Reis (PSOL) e o Professor Israel (PSB). Para Toni Reis, a intenção é aumentar este número em, pelo menos, 100% — elegendo oito parlamentares nas eleições de outubro. No futuro, a ideia é aumentar ainda mais essa representatividade.

Toni explica que seu desejo é de que 10% das candidaturas eleitas sejam da comunidade LGBTQIA+, aumentando a representatividade na política. Para o pós-doutorando, essas expectativas já não são impossíveis, uma vez que a realidade política para pessoas LGBTQIA+ mudou desde a primeira vez que o levantamento do programa Voto com Orgulho foi realizado. Pessoas LGBTQIA+ sempre participaram das eleições, mas não eram eleitas.

“Representatividade importa. A pessoa LGBTI tem que defender as políticas gerais, sempre incluindo as questões da nossa especificidade. E, também, se não houver uma pessoa LGBTI, votar em pessoas aliadas. Nós temos muitas que defendem muito bem a nossa pauta”, finaliza Toni. É a partir do voto consciente e de pautas representativas que os muros do preconceito serão diminuídos para grupos minorizados.

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Lisandra Steffen
Redação Beta

Às vezes, tiro fotos de passarinhos e escrevo (sobre outras coisas). Gosto muito de usar vírgulas (e parênteses).