Para que um percurso seja considerado maratona deve ter a distância de 42, 195 km. (Foto: Reprodução/Unsplash)

Pé por pé, a corrida de rua sobrevive

Em conversa com a Beta Redação, corredoras contam suas experiências com o esporte em tempos de pandemia

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Normalmente, eles soam como um exército. Pisam forte, pelotão atrás de pelotão, tomando as ruas de cidades em busca da linha de chegada. Uma onda gigante que, em poucos meses, se viu obrigada a minguar. Com maratonas canceladas e o isolamento social mantendo atletas em casa, a corrida de rua sofreu um baque — e a Beta Redação conversou com duas praticantes para saber, afinal, como correr da pandemia.

Peito estufado e pulmão calibrado. A sensação é familiar para quem pratica a corrida de rua. Aline Negruni (41) e Ana Gorini (44) são corredoras experientes. Juntas, somam mais de quatro décadas na prática quase diária do esporte. A corrida entrou na vida de cada uma de maneiras distintas. Aline é formada em educação física e encontrou na corrida a sua paixão, fazendo dela também sua forma de sustento. Ana é doutora em biologia molecular e conheceu a corrida ainda na adolescência, durante período de intercâmbio nos Estados Unidos.

Ambas percebem a valorização da corrida de rua no estado, mas pontuam problemas recorrentes. Aline vê o esporte em ascensão no Rio Grande do Sul, destacando a maratona de Porto Alegre como constatação desse crescimento. “A maratona é uma das maiores do país, em função de ser internacional e oferecer índice para a maratona de Boston — que é a mais tradicional do mundo”, destaca.

Em 2002, Ana Gorini foi a primeira colocada, entre as sul-americanas participantes, na maratona de Paris, uma das maiores do mundo. (Foto: Reprodução/Facebook)

Já Ana analisa o Rio Grande do Sul como um centro de corredores amadores, mas indica que a falta de atletas profissionais é um complicador para o esporte. “Nós já tivemos atletas de ponta, mas agora está em falta.” Ela também acredita que o valor das inscrições para as provas, que pode alcançar a cifra de 250 reais, desestimula a participação dos atletas.

Aline e Ana mencionam um aumento significativo do esporte há cerca de cinco anos, o que corrobora com os dados apresentados em pesquisa do IBGE divulgado em 2015. Aqui, o termo “caminhada” é sinônimo de corrida de rua.

A corrida de rua, há cinco anos, se tornava o segundo esporte mais praticado pelo brasileiro / Foto: Reprodução, IBGE

Uma das explicações para o crescimento da modalidade, segundo Aline, é a maior procura por esportes outdoor (praticados fora de casa, em livre tradução). Ambas as corredoras concordam que, para começar a praticar a atividade, basta um tênis e disposição, o que barateia os custos, além de que, sendo cidade grande ou interior, manhã, tarde ou noite, qualquer horário e lugar podem ser aproveitados para a corrida. “A corrida de rua é muito democrática”, analisa Aline.

A corrida de rua se mostra o terceiro esporte com maior adesão de mulheres, superado apenas pela ginástica rítmica e a dança. (Foto: Reprodução/IBGE)

Ser mulher e correr também implica em questões de machismo. Tanto Aline quanto Ana relatam experiências extremamente desconfortáveis em episódios recorrentes.

“Eu parei o treino porque não estava mais me sentindo segura, mesmo correndo ao redor da minha casa. O homem não passa por isso.” — Aline Negruni

“Já me aconteceu de começarem a me seguir, a acompanhar, querer conversar e eu ter que ir pro meio da rua, onde os carros passavam, pra tentar me esquivar.” — Ana Gorini

Ambas corredoras percebem também a falta de apoio do poder público quando se trata do incentivo ao esporte e da manutenção das vias públicas, que são justamente os locais de prática da atividade.

“A gente tem um calçadão beira-mar muito bom, mas ele não tá ali em função da corrida.” — Aline Negruni

“Correr à noite é pedir para se quebrar toda porque é cheio de buraco.” — Ana Gorini

Um histórico de competição

Aline é uma triatleta, o que significa que ela participa de competições que reúnem três modalidades esportivas: natação, corrida e ciclismo — uma seguida da outra. O foco de Aline, para 2021, é competir no Ironman Brasil na modalidade Longa Distância.

O Ironman Brasil é considerado o maior evento de Triathlon da América Latina. A competição possui duas modalidades: Longa distância e Meia distância. A primeira participação de Aline em uma longa distância se deu em 2019. Até esta mesma data, a corredora participou de cinco meias distâncias.

As modalidades se definem a partir das seguintes métricas:

Longa distância: 140.6 milhas (equivalente a 226 km), sendo 3,8 km de natação, 180 km de bicicleta e 42 km de corrida. Há um total de 17h para a conclusão da prova.

Meia distância: 113 milhas (equivalente a 113 km), sendo 1,9 km de natação, 90 km de bicicleta e 21 km de corrida. Há um total de 8h30min para a conclusão da prova.

Aline não está nadando. Devido à pandemia, a piscina local está fechada. Por enquanto, seu treinamento foca em corrida e ciclismo, de três a quatro vezes por semana, e reforço muscular duas vezes por semana. Os treinos diários duram, em média, 1h30min.

Ana já foi campeã, em 2014, da Meia Maratona de Guayaquil no Equador. Aqui, ela conta essa história:

A primeira prova disputada por Ana, em 1995, envolvia um percurso total de sete quilômetros e foi organizada pelo curso de Farmácia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Em 2002, ela estava na Europa quando conquistou um título sem saber: tornou-se a primeira sul-americana a terminar a maratona de Paris, uma das maiores do mundo. Depois, em 2015, tornou-se a primeira brasileira a terminar a prova de Nova York.

Conhecendo o esporte

A corrida de rua é repleta de termos técnicos e surgiu na Grécia antiga. Nas definições de tipos de corredor de rua, existem quatro modalidades:

Corredor de rústica (percorre três, cinco e dez quilômetros);
Meio maratonista (percorre o equivalente a 21km);
Maratonista (percorre 42 km);
Ultramaratonista (percorre um percurso que vai além dos 42 km).

Segundo Aline, as maratonas de Boston, Nova York, Chicago, Tóquio, Londres e Berlim são as seis maiores do mundo. No Brasil, a corredora elenca as maratonas de São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre e Florianópolis como aquelas com maior capacidade de atrair público. Por aqui, quem supervisiona e organiza as provas é a Confederação Brasileira de Atletismo (CBAt). Em Porto Alegre, a atleta comenta que a maratona é normalmente organizada pela Unimed-RS ou pelo Clube dos Corredores de Porto Alegre (Corpa).

Aline reforça, contudo, que “a mais tradicional prova do Brasil é a Corrida Internacional de São Silvestre, mesmo ela não sendo uma maratona, pois tem a distância de 16km (são necessários 42km para ser considerada maratona)”.

A corrida e a Covid-19

Ana tem formação na área da biologia, com especialização no estudo de doenças virais respiratórias. É professora da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre e coordena o Núcleo de Inovação Tecnológica e Empreendedorismo em Saúde (Nite Saúde). Aqui, ela explica a relação da Covid-19 com a prática da corrida de rua.

Empreender no esporte

Aline faz parte de um grupo seleto que descobriu um mercado de atuação dentro da corrida de rua. Ela é uma das instrutoras na Meta Assessoria, empresa cujo objetivo é auxiliar pessoas que estejam começando no esporte ou, já veteranos, que preferem um regime de treinamento mais regrado.

Para atuar nesse ramo, a formação em Educação Física é obrigatória porque, de acordo com Aline, se está “trabalhando com exercício físico orientado”. Ela também tem especialização em Treinamento Físico Especializado.

Aline Negruni pratica a corrida de rua há 15 anos. (Foto: Reprodução/Facebook)

Antes da pandemia, atuar no ramo da assessoria esportiva, especialmente com corrida de rua, já era complicado. Por se tratar de um esporte ao ar livre, pessoas se questionam sobre “por que pagar para correr?”, lembra Aline. Mas ela reforça que com o aumento da demanda, sua atuação se torna ainda mais importante para a permanência do público no esporte, pois uma lesão pode afastar, iniciante ou veterano, definidamente.

A Meta existe há mais de três anos no município de Capão da Canoa (RS), mas sua abrangência se dá sobre o estado, o país e chega a atravessar o Atlântico, chegando em Londres. A Assessoria atende 105 pessoas, sendo elas um conjunto de corredores, atletas e ciclistas. Via aplicativo e reuniões virtuais, Aline é uma das funcionárias que, baseado no histórico de cada participante, monta um roteiro de exercícios e oferece feedbacks personalizados dos resultados. Não há uma idade mínima ou máxima para praticar do esporte, mas ela recomenda os dez anos como um bom momento para iniciar os primeiros metros. “A gente brinca que corre, corre e corre, nunca chega em primeiro lugar e está sempre feliz”, finaliza a atleta.

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Natan Cauduro
Redação Beta

Jornalista e estudante de Relações Internacionais.