Paim: “Eu acredito muito na educação pública não estatal”

Na série de entrevistas com concorrentes à prefeitura de Porto Alegre, a Beta Redação conversa com Gustavo Paim, do PP

Lucas Lanzoni
Redação Beta
9 min readNov 4, 2020

--

Atual vice-prefeito, Gustavo Paim concorre agora ao cargo de prefeito. (Foto: Arquivo pessoal)

Nascido em Porto Alegre no dia 16 de julho de 1977, Gustavo Paim é filiado ao mesmo partido — o Partido Progressista (PP) — desde 1996, quando resolveu entrar para a política. Advogado por formação, pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), e professor universitário por profissão, é também o atual vice-prefeito de Porto Alegre. Busca, agora, suceder seu ex-companheiro de chapa, Nelson Marchezan (PSDB), no cargo de prefeito.

Paim começou a lecionar em 2004, na Universidade Luterana do Brasil (Ulbra), e em 2008 passou a dar aulas na Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), onde atua nas áreas de direito processual, direito eleitoral e, eventualmente, direito civil.

A entrevista com Paim para a cobertura especial das Eleições 2020 foi produzida pela Beta Redação com suporte institucional da Unisinos. A pauta teve a colaboração da comunidade universitária, que, em consulta por meio virtual, apresentou 22 sugestões de perguntas, das quais cinco foram selecionadas e editadas para apresentação a todos os candidatos.

Confira a seguir a entrevista, concedida por videoconferência no dia 16/10.

Na campanha, o senhor aponta a falta de saneamento como um dos problemas de Porto Alegre. O que pretende fazer para reduzir essa deficiência e com que recursos?

Hoje, Porto Alegre tem 43% do seu esgoto não tratado. Aliás, agora, com o marco legal de saneamento, tem uma imposição de que até 2033 todos os municípios tenham pelo menos 90% do esgoto coletado e tratado. Porto Alegre hoje coleta 90%, tem 10% por cento não coletado, mas ainda tem outros 33% que não são tratados, que é o esgotamento misto, que mistura rede pluvial com a rede cloacal. Esses 10% não coletados precisam de enfrentamento urgente, porque isso é saúde pública, e, com o marco legal, isso se tornou a bola da vez. A Grande Maceió fez uma concessão envolvendo água e esgoto da rede deles, que teve de outorga mais de R$ 4 bilhões da empresa que se colocou para ser a concessionária. Então, isso tem interesse, tem recurso e se faz em concessão, em parceria público-privada, com recursos da iniciativa privada, para que a gente possa, com a taxa de esgoto que existe, tratar o nosso esgoto, pois isso dá mais dignidade e saúde pública.

Como o senhor pretende transformar Porto Alegre na “capital do empreendedorismo”, conforme promete seu plano de governo?

A Lei da Liberdade Econômica em Porto Alegre, sua origem é do Legislativo, o Executivo sequer regulamentou a fundo, o que é uma pena. Só para se ter uma ideia, as atividades de baixo risco — a gente está falando de quase 30% das atividades e um potencial de empregabilidade ainda maior — não precisam de alvará. Em Porto Alegre, a gente ainda discute qual é o prazo do alvará, se é 24 horas, se é sete dias, se ele é físico, se ele é digital. Não precisa alvará, deu de alvará.

“A gente precisa tirar esse clima de hostilidade [aos empreendedores] e de extrema burocracia”

Então, como é que transforma isso? Primeiro tornando o ambiente mais propício. A gente precisa tirar esse clima de hostilidade e de extrema burocracia, tem que ter prazos máximos para todos os órgãos públicos. Não cumpridos os prazos máximos pelos órgãos públicos, tu tens que ter uma consequência. Claro que o poder público vai fiscalizar a atividade e, ao fiscalizar, a ideia é que a primeira ação seja pedagógica, seja orientativa.

O senhor cita no plano de governo que pretende incluir atividades no turno inverso da escola das crianças ou pré-adolescentes. Como colocar isso em prática em um cenário de dificuldade econômica?

A gente precisa melhorar e muito a qualidade da educação, e isso envolve a presença do aluno na escola. A presença do aluno em atividades não apenas de ensino formal, mas que lhes deem visão de mundo, oportunidades, opções para mostrar a sua competência, a sua vocação e a sua habilidade. As atividades no turno inverso são fundamentais, que se fazem de maneira contratualizada com a iniciativa privada. Existem muitos recursos para isso, pois a educação tem destinação de recursos constitucionais. Tu tens o Fundeb, uma série de previsões, de recursos que, com foco e gestão, não é problema de recurso [para ter] turno inverso. E aí, com turno inverso no contraturno, tu pode ter atividades esportivas, culturais e de empreendedorismo, atividades que realmente despertem nas nossas crianças um caminho. Então, é fundamental investir na educação, e isso é um processo que envolve o poder público, os servidores, os professores e a família dos alunos também.

Na questão da segurança, o senhor promete combater o vandalismo na Capital. Qual a solução para esse problema?

Hoje tu tens uma lei antivandalismo que tem penas e punições para a pichação, para o vandalismo, para a depredação, então tu tens que torná-la efetiva e realmente combater. É a teoria das janelas quebradas. Se você deixar Porto Alegre pichada, depredada e não cuidar, o cidadão vai se sentir não no direito de depredar ou de pichar, mas de não cuidar da sua cidade. E a gente precisa envolver a sociedade toda no cuidado com Porto Alegre. Uma Porto Alegre mais bonita, que seja melhor cuidada pelo poder público e, com isso, gerando esse engajamento no cuidado também do cidadão. Isso se faz com uma série de fatores, e o principal deles, talvez, hoje, seja a tecnologia, o cercamento eletrônico com câmera de vídeo ou monitoramento. Com isso tu consegue identificar as atividades ilícitas de vandalismo, de pichação, de depredação, e aplicar a lei.

O que o senhor não conseguiu fazer enquanto vice do atual prefeito de Porto Alegre que o levou a concorrer contra o líder da gestão que integrou por quatro anos?

Ao longo da campanha em 2016, nós andamos nas ruas, olhamos no olho de cada cidadão. Pedimos a confiança na política, porque a gente realmente queria retomar a confiança e honrar tudo aquilo que nós havíamos prometido. Ao longo do mandato, infelizmente, o prefeito se mostrou muito centralizador, muito autocrático, com pouco espaço para a democracia, para a participação, não ouvindo a cidade, a sociedade, a Câmara de Vereadores, as entidades, o Orçamento Participativo, tendo muito pouco diálogo, fazendo um governo realmente de gabinete muito fechado. E, com isso, cometeu muitos erros.

QUESTÕES DA COMUNIDADE UNIVERSITÁRIA

Como vice-prefeito, o que considera que a administração municipal fez acertadamente e o que teria feito diferente, se pudesse voltar atrás, em relação à pandemia do novo coronavírus?

No meio de uma pandemia, as dúvidas, o caos, o medo é muito grande, e isso é natural, porque as informações acabam preocupando. Então, o gestor precisa ter equilíbrio, precisa ter um norte, um planejamento, uma estabilidade, para dar uma segurança para a sociedade.

Quando a gente vê em Porto Alegre que primeiro não se pode fechar a orla, depois se fecha sob pena de multa, em um primeiro momento a máscara não era obrigatória, e depois veio a obrigatoriedade sob pena de multa… No dia 12 de junho, foi permitido que o comércio abrisse, se tivesse faturamento até R$ 360 mil; dois dias depois, 14 de junho, se tivesse faturamento de até R$ 4,8 milhões. Quer dizer, por que R$ 360 mil, por que R$ 4,8 milhões em dois dias de diferença? Isso gera dúvida no cidadão. A atividade de construção civil de obras públicas podia, de obras privadas não podia.

“Esse abre e fecha agravou as consequências da pandemia e contribuiu com o caos social”

Numa semana se falou em lockdown, na outra se descarta. Num momento, quando estava em bandeira vermelha, se apresentou restrições de bandeira preta. Dois dias depois, flexibilização, quase de bandeira laranja. Então, essa instabilidade, essa insegurança, esse abre e fecha, esse “vai não vai” agravou, e muito, as consequências da pandemia e contribuiu com o caos social, com a crise social e econômica que a gente viu.

Qual sua proposta para enfrentar a crise que estamos vivendo no transporte público?

Em relação ao transporte coletivo, inegavelmente, Porto Alegre é sempre uma das mais caras do Brasil. Isso varia muito com a evolução da tarifa. Mas, igual, a gente tem uma das tarifas mais caras, a gente tem um usuário que entende que o transporte não tem a melhor qualidade em termos de limpeza, horário, tecnologia, qualidade, segurança. Então, se para o poder público está ruim, para o usuário está ruim, para as concessionárias está ruim, se está ruim pra todo mundo, alguma coisa precisa ser feita.

“A gente precisa ter uma racionalização das linhas, pois temos sobreposição”

Primeiro, integração com a região metropolitana. Hoje, veículos da região metropolitana atravessam Porto Alegre sem poder pegar ou desembarcar passageiro. Isso gera sobreposição dos veículos da região metropolitana com veículos de Porto Alegre. A gente precisa ter uma racionalização das linhas, pois temos sobreposição, linhas em que passam dois, três ônibus em sequência e outras linhas em que há muito afastamento entre um ônibus e outro.

Nós temos que ter uma racionalização de horários. Temos alguns horários em que as linhas não são sustentáveis. Precisamos pensar em modelos alternativos para o transporte. É importante resgatar projetos bons que se tinha, como o BRT, como portais da cidade, para discutir. O principal é: a gente vive uma crise da mobilidade e é preciso que o próximo prefeito, no primeiro dia de governo, sente com as concessionárias, com os usuários, com todos os técnicos para construir alternativas para superar a crise do transporte coletivo.

Porto Alegre tem um grande número de pessoas em situação de rua. Como pretende tratar dessa questão?

Uma pesquisa da UFRGS de 2016 dava conta de mais de 4 mil pessoas em situação de rua e cerca de 50% na rua, há cinco anos ou mais. E quando a gente fala em alguém que está na rua há cinco anos, está falando em alguém que não tem mais vínculos familiares, vínculos sociais, que realmente está num estado de vulnerabilidade plena, mais difícil reinserção. E mais de 60% das pessoas em situação de rua, segundo essa pesquisa da UFRGS, estavam na rua ou por dependência química, ou por doença mental, e isso também gera uma dificuldade maior de inserção.

Esse é um problema que tem muitas origens e que, portanto, precisa de um enfrentamento interdisciplinar, pois possui 60% ou mais de dependência química ou doença mental, então é um caso de saúde muito claro. Precisa ter o envolvimento da saúde, tanto na questão dos CAPs, dos Centros de Atenção Psicossocial, de Atendimento de Álcool e Droga, de Doença Mental, de Dependência Química, as comunidades terapêuticas, para ter um maior enfrentamento.

“Mais de 60% das pessoas em situação de rua estavam na rua ou por dependência química ou doença mental”

A gente tem a questão do desemprego e a pandemia aumenta muito isso. Então, cursos de capacitação, geração de emprego e renda para inserir essas pessoas no mercado de trabalho. Para enfrentar esse problema, que é muito sério, só de maneira interdisciplinar, envolvendo todos os órgãos com a política séria, de início, meio e fim, de planejamento, de continuidade.

Quais as suas prioridades para a rede municipal de ensino e como planeja, no cenário da pandemia, o retorno às aulas em 2021?

As universidades privadas, como a Unisinos, estão preparadas para isso. A gente vê muitos colégios privados que também estavam preparados para o ambiente virtual. E a gente viu que o poder público não está, que as escolas municipais não estavam. Então, o primeiro ponto, que eu entendo absolutamente necessário, é que a gente pudesse ter aulas com o conteúdo programático mínimo, em formato digital roteirizado, padronizado para que todos os alunos pudessem ter um ambiente virtual, acesso ao conteúdo para enfrentar um ano letivo e aí, com isso, a gente pudesse enfrentar melhor a pandemia.

Como pretende lidar com o problema da falta de vagas nas creches municipais?

Hoje nós temos escolas infantis estatais e nós temos 207 entidades que são as nossas creches conveniadas ou creches comunitárias, mas em todas as regiões de Porto Alegre que eu vou e converso, todas elas têm fila de espera. A verdade é que as metas e as vagas que nós temos não dão conta, não suprem a necessidade. Quando a gente fala em creches, de zero a três anos não há uma obrigatoriedade de 100% da demanda. Eu acredito muito na educação pública não estatal, em melhorar e qualificar essa rede de creches conveniadas, creches comunitárias, aumentando o número de vagas e capacitando a gestão.

--

--