Pais e filhos: as dificuldades do estudo em casa

Especialistas orientam como proceder no dia a dia para que a rotina seja agradável para as crianças

Gustavo Machado
Redação Beta
9 min readMay 19, 2020

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Ismael presta apoio às atividades escolares do filho Felipe, de 6 anos (Foto: Elisângela Azeredo)

Os lápis coloridos e os cadernos deixaram de frequentar as salas de aulas em tempos de pandemia. As casas dos alunos se transformaram em ambientes escolares e os pais ou responsáveis se tornaram os seus mentores a cada atividade enviada pelos professores. As dificuldades impostas diante disso tudo vão desde conciliar o trabalho com o tempo a ser reservado para dar atenção à criança até a própria falta de habilidade em colaborar no ensino, já que, salvo exceções, os pais não têm formação pedagógica para tal prática.

Elisângela Azeredo é decoradora de festas e Ismael Roberto, seu esposo, trabalha com vendas. Mesmo com os eventos paralisados, Elisângela segue produzindo kits de decorações para quem quer celebrar aniversários em casa. Por conta disso, eles precisam otimizar o tempo entre o serviço e as tarefas do filho, de 6 anos, que está no 1º ano do ensino fundamental do Colégio Sinodal, em Portão.

Segundo a mãe, o estudo está difícil devido ao número elevado de atividades e o pouco tempo do casal para prestar auxílio à criança. “Nós sentimos uma dificuldade na questão do ensino porque não temos a desenvoltura que um professor possui. Nós tentamos ajudar de uma maneira e eles (professores) nos orientam a ter mais calma”, relata Elisângela.

Conforme as tarefas enviadas, a atenção exigida é do casal: por exemplo, naquela em que é solicitada a produção de um vídeo exercendo a atividade, um deles precisa estar à disposição para a filmagem e o outro para orientar o filho. Quando surge alguma dificuldade, a mãe conta que a escola disponibiliza um suporte e os pais têm a liberdade de contatar os professores para sanar todas as dúvidas.

O diretor da unidade de Portão, professor Jadir Rasche, conta que as aulas foram retomadas no ambiente virtual quatro dias após a paralisação, em 23 de março, e que as atividades se mantiveram no mesmo horário que eram aplicadas anteriormente, no sistema presencial. Jadir disse que a instituição foi aprimorando as formas de como aplicar os conteúdos à distância e adaptando conforme a realidade de cada família em relação à tecnologia.

No seu comunicado, o diretor revela que, segundo os professores, alguns alunos tiveram melhores resultados nos estudos a distância, por serem mais tímidos em sala de aula e, agora, sozinhos em suas casas realizando as atividades, conseguiram melhor desempenho. O diretor reforça que o papel de ensinar continua sendo dos professores, mas agradece fortemente o apoio que os pais estão dando aos filhos nesse período tão complicado.

O que dizem os especialistas

A professora Patrícia Airoldi, formada em Pedagogia e especializada em Psicopedagogia, atenta para a importância de os pais terem calma na hora de estar junto com os filhos prestando apoio nas atividades. Segundo Patrícia, uma falta de paciência pode gerar estresse e fazer com que a criança não sinta mais interesse em praticar as tarefas. Em seu caso, quando há dúvidas, ela recomenda que os responsáveis a procurem para esclarecer a dificuldade. “Se mesmo assim ainda não conseguirem, a alternativa é deixar a atividade para mais tarde, quando estiverem mais tranquilos”, aconselha.

Patrícia momentos antes de iniciar a aula online (Foto: Patrícia Airoldi)

Quando há essa falta de conexão entre as crianças e os pais, a psicopedagoga conta que normalmente os filhos falam para eles que a professora ensina com mais propriedade. Conforme Patrícia, isso é normal, já que o pai ou a mãe não possuem formação para desempenhar tal função. Nessas situações, ela orienta para que não forcem a criança a fazer as atividades escolares. “É melhor que não façam do que venham a ficar com traumas que possam ser irreversíveis”, pontua.

Uma técnica válida para qualquer idade é gerenciar melhor o tempo dedicado a uma atividade, como salienta a especialista. Assim, a criança se torna mais produtiva, estuda por um período de tempo e descansa. Essa gestão do tempo é fundamental principalmente neste momento de pandemia, no qual elas estão convivendo somente com os familiares ou ficam sozinhas em casa, já que muitos pais continuam trabalhando e chegam cansados. “O importante é manter a tranquilidade e sempre procurar ajuda da professora em caso de dúvidas”, recomenda.

Contudo, a professora relata que a situação também proporciona dificuldades para esses profissionais. “O trabalho tem sido redobrado e sem horário definido para atender, pois temos que pensar nos pais que trabalham e só conseguem sanar as dúvidas dos filhos à noite”, explica. Ainda existem alunos que não têm acesso à internet, mas alguns professores adotam alternativas para que eles não fiquem sem atividades. “Sempre questiono os pais se estão com dúvidas. Se não entram no grupo, chamo no particular, imprimo atividades e levo aos alunos ou eles buscam na minha casa. A quarentena tem sido uma aprendizagem constante para todos os pais, alunos e professores. Mas vamos tentando fazer o melhor possível diante do que vivemos hoje”, salienta.

Criar o hábito saudável de estudar um pouco todos os dias traz muitos benefícios, pois a criança não perde o ritmo. Com o estudo diário, ela aprende a ter responsabilidade, a manter a memória ativa, a persistir e a buscar seus sonhos, além de ajudar no ritmo do retorno às aulas, diz a psicóloga Maribel Dresch. Além disso, ela atenta para a importância de observar os sentimentos da criança, pois ansiedade, frustração e medo em relação às tarefas escolares muitas vezes podem resultar em um baixo desempenho.

Nem sempre o esforço para criar uma nova brincadeira todo dia é necessário, uma vez que o interesse pode surgir nas tarefas rotineiras de casa. Os horários reservados para limpar e cozinhar, por exemplo, podem virar atividades de descontração e união, além de fazer com que o pequeno se sinta responsável por algo e até coma com mais vontade o que ajudou a fazer, ressalta a psicóloga.

Uma dica fundamental, segundo a profissional, é explicar para os filhos o que está acontecendo, pois é indispensável o cuidado dos familiares ao conversarem com as crianças sobre o coronavírus sem gerar ansiedade ou medo. A indicação é que o diálogo seja pautado no repertório da faixa etária para facilitar a compreensão, e que abra espaço para falar sobre dúvidas e emoções do pequeno. “É importante não diminuir o medo, acolher, dizer que o entende e que isso vai passar, mas nunca mentir sobre o que está acontecendo”, coloca.

Psicóloga orienta os pais a a deixarem o ambiente de estudo mais leve e sadio para os filhos (Foto: Maribel Dresch/Arquivo pessoal)

A psicóloga entra no mérito dos pais que prometem recompensas aos filhos por uma atividade feita. Segundo ela, isso não é a melhor estratégia para incentivar as crianças a realizar as tarefas. Como forma de estimular a mentalidade deles, Maribel sugere como opção a confecção de brinquedos de sucata. “Quando falamos sobre conhecer e proteger a natureza, uma das formas de incentivar o cuidado é ensinar sobre a importância da reciclagem e da reutilização. Aproveitando embalagens vazias, caixas e objetos quebrados, é possível estimular a criatividade das crianças na montagem desses brinquedos”, exemplifica Maribel.

Além disso, a psicóloga destaca que o uso de celulares e tablets — apesar de muitas vezes ser empecilho à concentração nos estudos — pode cooperar para manter as crianças e os adolescentes distraídos neste período de reclusão com conteúdos.

Estudando em casa

De acordo com Maribel, o compromisso com a rotina de estudos deve permanecer para que as crianças não confundam com as férias e compreendam que, após o recesso forçado, as aulas voltarão ao normal.

O ideal, conforme a especialista, é montar um cronograma com as crianças no qual haja períodos de descanso, brincadeiras e estudo. “Os responsáveis podem adaptar à realidade da casa o esquema de atividades escolares. O horário do parquinho pode virar o momento da massinha, por exemplo”, diz.

Além disso, ter um ambiente específico, iluminado e organizado para os períodos de concentração evita distrações para os grandes e para os pequenos. Pais que estão trabalhando de casa podem acompanhar a realização da tarefa escolar. Eles devem permanecer no mesmo cômodo e criar uma atmosfera de trabalho que envolva a criança. O maior desafio, normalmente, é controlar o uso exagerado dos eletrônicos, segundo a psicóloga.

“Não faça com que ele seja massacrado com tarefas e nem você se cobre como professor. Deixe tudo mais amistoso, fale de seu tempo de escola, conte suas histórias, eles vão adorar. Não trate o período como férias. Condições normais de um período de férias pressupõem confraternização com amigos, passeios e viagens, que não poderão ser ofertados como opção de ocupação e lazer das crianças neste momento. O período é atípico, de pausa e recálculo de rota e deve ser aproveitado em suas oportunidades educativas, mas sem estresse desnecessário”, explica Maribel, observando aquilo que os pais podem fazer para suprir a carência do ensino regular nas instituições de ensino de seus filhos.

Os pais precisam de acolhimento e de orientações neste momento. A psicóloga destaca que há situações nas quais escolas entendem que os pais querem conteúdo e professores ficam enlouquecidos em produzir atividades extras para atender esta demanda e, de outro, pais ansiosos que se veem na obrigação de virar professores sem ter a competência, tendo que se desdobrar na função com o home office e com as angústias do momento. Nada disso é necessário.

O pai não deve se tornar professor do filho, mas tem, neste momento, uma grande oportunidade de desenvolver com eles habilidades como paciência, concentração e aprender a lidar com frustrações, que são importantes para a vida e também no retorno às atividades normais da escola. “Os pais precisam relaxar, e não se preocupar tanto com o que as crianças estão perdendo de conteúdo formal nas escolas. O momento, que é histórico, é uma oportunidade para desenvolver competências emocionais e sociais das crianças, que elas poderão usar para a vida”, menciona.

Outra dica da psicóloga é aproveitar o período para desenvolver habilidades cognitivas importantes nas crianças, como ensiná-las a passar por dificuldades, a controlar as emoções ou a colaborar em casa e com o outro. “Seu filho precisa de uma mãe e de um pai, não de um professor. Não ache que você cumprirá este papel em casa, você pode nem ter esta habilidade”, ressalta.

Pais podem desenvolver, no dia a dia, competências que ajudarão a criança no retorno da rotina escolar, sem que ela perca o que já foi aprendido nem o preparo cognitivo. Ela pode fazer atividades que desenvolvem a coordenação motora fina, por exemplo, ou a concentração. Trocar bilhetes, estimular seu filho a escrever um diário, pedir que ele escreva a lista de compras e criar brincadeiras com números são as opções colocadas por Maribel.

Quanto às necessidades diárias, como horários de refeições e de banhos, ela orienta que não precisam estar definidas no cronograma. É importante, no entanto, estabelecer a hora de dormir, que ajudará na rotina proposta, permitirá que o cérebro da criança descanse e se prepare para o aprendizado e, ainda, dará aos pais uma pausa para uso próprio.

“Estabeleça um período para os estudos, que não poderá ser negociado. De preferência, que seja num horário correspondente ao turno praticado nas escolas. Para que a criança se sinta no ambiente escolar, ela pode vestir o uniforme da escola. Manter as crianças em movimento e fazer com que eles pratiquem atividades físicas, mesmo dentro de casa, é essencial. Você pode propor uma brincadeira de circuito, dança ou até esconde-esconde. Pelo menos duas vezes por semana e de acordo com a faixa etária de seu filho, proponha atividades de leitura de 20 a 30 minutos”, sugere.

De acordo com Maribel, crianças menores, que ainda não são alfabetizadas, podem escutar uma história contada por alguém da família ou assistir a lives nas redes sociais de bons contadores de história. A rotina de estudos deve ser praticada de segunda a sexta-feira, com uma flexibilização maior de horários (para dormir, por exemplo) nos fins de semana. “É importante manter a sensação do fim de semana e da pausa para relaxamento”, esclarece.

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