Paixão além das arquibancadas

Torcedores conquistam a audiência de milhares ao produzirem conteúdo na web

Khael Santos
Redação Beta
7 min readNov 27, 2017

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Por Khael Santos e Vitor Brandão

O apoio vindo das cadeiras dos estádios segue o mesmo. Jogo após jogo, eles estão lá. Vibrando. Sofrendo. Xingando. Suas missões como torcedores permanecem intactas. Não há um manual que ensine isso. Se houvesse, com certeza todas as regras seriam cumpridas com rigor. Da primeira até a última página. A diferença é que agora o envolvimento não acaba mais no apito final, aos 47 minutos do segundo tempo. Fora das arquibancadas, eles se tornaram produtores de conteúdo sobre os times que torcem e têm como maior desafio unir paixão pelo clube com a racionalidade das análises realizadas.

No Rio Grande do Sul, onde a rivalidade se faz presente sempre que o assunto é futebol, canais de comunicação independentes e parciais fazem sucesso nas torcidas de Grêmio e Internacional. Do lado colorado, a página Se o Céu é Azul, o Inferno é Meu Destino tem, atualmente, mais de 300 mil curtidas e é dona da segunda maior audiência do Estado nos programas transmitidos por Facebook, ficando atrás apenas da RBS. O blog, comandado por Wagner Jung, Thiago Suman e Lucas Collar, todos torcedores do Internacional, aposta em conteúdo engajado e na agilidade de informações sobre o time para estar na frente dos outros veículos.

Integrantes da página Se o céu é azul, o inferno é meu destino. (Foto: Reprodução/Facebook)

A simples ideia de criar uma voz de comunicação “imprensa-torcedor” através do Facebook se tornou hoje um dos grandes exemplos de que é possível fazer jornalismo sem esconder seu clube do coração. “Nós viemos do concreto do Beira-Rio e é isso que nos move”, afirma Wagner Jung, idealizador do projeto. Jung admite que o maior desafio enfrentado pela Inferno é Meu Destino foi o preconceito dos veículos tradicionais com o trabalho da página, justamente por esses prezarem por uma produção de conteúdo imparcial. “Coração e opinião não podem andar juntos, pois temos que ser isentos para entender e opinar sobre as dificuldades que o clube vive”, conta Wagner.

Eles querem acabar com o planeta

A página Grêmio Pachola já estava consolidada quando, de um bate-papo em uma mesa de churrasco, no final de 2015, surgiu a ideia de criar uma rádio web tricolor. Mario Godoy, fundador da fanpage, lembra que a inspiração surgiu nos bares de Dublin, na Irlanda. “Na rua onde eu morava tinha um estádio de um time de bairro. E dentro desse estádio tinha um pub onde os torcedores se reuniam para assistir aos jogos da equipe local. Ali mesmo tinha uma web rádio desse time. Aquilo já tinha me chamado a atenção”, explica. Nascia, em 2 de janeiro de 2016, uma plataforma para acompanhar de maneira exclusiva os jogos do Grêmio: a Rádio Pachola.

Integrantes da Rádio Pachola. (Foto: Reprodução/Facebook)

O pioneirismo é motivo de satisfação. Godoy conta que a Pachola foi a primeira rádio a fazer uma transmissão ao vivo no Facebook como fanpage. “A gente levou esse tipo de trabalho para dentro da cabine no ano passado. E de lá pra cá todas as rádios fazem a mesma coisa. Achei muito legal. Isso começou com a gente”, explica. Com alcance diário batendo a casa de 50 mil pessoas, o crescimento em quase dois anos de projeto é significativo. “Nossa primeira transmissão foi feita para 12 pessoas. Na última partida do Grêmio na Arena, produzimos conteúdo para quase 77 mil pessoas”, comemora Godoy. Presente no Facebook, Youtube, Twitter e através de um aplicativo para celular, faz as transmissões de maneira simultânea nessas plataformas, sendo isso motivo de orgulho para o fundador.

Separar o lado torcedor do lado profissional foi complicado apenas no início. Godoy confessa que encara essa tarefa com bastante facilidade. “Dá pra deixar a passionalidade e analisar friamente uma partida mal jogada pelo time ou por determinado jogador e prestar uma opinião bem fria mesmo.” Ele garante que, se tiver que criticar, vai criticar sem medo algum. E faz questão de salientar que a web rádio é independente, sem qualquer ligação financeira com o clube.

Assim como a página Inferno é Meu Destino, os gremistas também sofreram resistência dos veículos de imprensa tradicionais no começo. “Nós não éramos vistos com bons olhos por 95% do meio”, diz. Mas Godoy faz um mea-culpa. Para ele, algumas pessoas usavam a web rádio para assistir aos jogos da dupla Gre-Nal de maneira mais barata, sem se preocupar com a qualidade do conteúdo produzido. A Rádio Pachola surgiu para tentar desfazer essa imagem. “A gente está cavando nosso espaço, e hoje 90% da imprensa respeita e acha legal nosso trabalho”, finaliza.

Nas palavras do próprio fundador, a rádio já alcançou patamares inimagináveis para a equipe, que conta com Juliano Brito, Daison Sant’anna e Gabriel Lauxen. Mas, além de acabar com o planeta, eles têm outro sonho: transmitir um jogo do Grêmio em FM. Esse é o objetivo maior. “O perfeito demais, talvez uma utopia, seria levar os programas para dentro do FM. Seria uma revolução na mídia do Rio Grande do Sul”, afirma.

Rivalidade apenas dentro de campo

Buscando crescer ainda mais, as páginas Se o Céu é Azul, o Inferno é Meu Destino e Rádio Pachola anunciaram recentemente uma parceria que promete revolucionar o jornalismo gaúcho. Esse novo projeto, nomeado Hincha Grenal, buscará unir a rádio FM, as redes sociais e a paixão pelo clube do coração para criar um canal de comunicação. “Ainda não existe nada igual, não da forma que iremos apresentar”, afirma Wagner Jung.

Integrantes do programa Hincha Grenal. (Foto: Reprodução/Facebook)

Um trabalho feito de colorados para colorados

Das arquibancadas do Beira-Rio surgiu mais um projeto. Nando Rocha e Adriano Schneider, o Driccos, reuniram-se no final do ano passado para juntar, em uma página no Facebook, o conteúdo que produziam de modo aleatório e independente nos seus perfis pessoais. Criado em 26 de janeiro de 2017, o blog Gigante Sobre Linhas também conta algumas participações de outros torcedores em textos temáticos. De acordo com Nando, é interessante provocar o debate e reunir mais colorados em torno do projeto. Em menos de um ano, ele já conta com mais de 60 mil seguidores entre Facebook e Twitter.

Nando Rocha e Driccos, criadores do Gigante Sobre Linhas. (Foto: Reprodução/Facebook)

Além de todos os comentários e textos sobre o clube, a página se destaca por outro propósito. Mostrar para o torcedor um conteúdo sobre o qual poucos têm conhecimento: estatísticas. De todos tipos. “Poucas pessoas haviam lido sobre mapas de calor, estatísticas de cruzamentos, finalizações etc. Teríamos ferramentas muito mais sofisticadas para apresentar, mas entendemos ser um período de adaptação sobre esse tipo de conteúdo, então buscamos disponibilizá-lo da forma mais didática possível”, explica Nando. Analistas de desempenho colaboram com números e dados. Para ele, convencer algumas pessoas da importância de se analisar o jogo e o desempenho pode ter sido a maior dificuldade encontrada pelo blog.

O lado corneteiro, porém, nunca é deixado de lado. Mas, quando o assunto é estatística, surpresas acontecem. Criticar um ídolo ou elogiar um perna-de-pau é necessário, às vezes. Para Driccos, as duas coisas são difíceis. Ele explica que cada vez mais os dados, as estatísticas e os números de performances chegam ao torcedor. “A nossa crítica sempre tem embasamento”, finaliza.

Gigante sobre linhas, mas fora da política

Desde o ponto de partida, os idealizadores definiram que o projeto seria totalmente apolítico, ou seja, sem engajamento com correntes que ocupam e disputam o poder no clube. Esse é um dos principais pilares da dupla, se não o principal. O motivo para isso é bem claro: dar legitimidade e independência ao conteúdo produzido. A partidarização da página poderia deixar o blog contaminado, o que causaria perda de credibilidade, segundo Nando. “Entendemos que podemos contribuir mais como comunicadores do que como conselheiros ou diretores, por exemplo”, enfatiza.

Nando Rocha reafirma compromisso apolítico do blog. (Crédito: Gigante Sobre Linhas)

O feedback, para Driccos, não poderia ser melhor. De tudo que o projeto trouxe, ele destaca a conversa com os demais torcedores. “Não tem preço. É a parte mais legal”, afirma. Para ele, é um prazer dialogar com cada pessoa que se aproxima pra trocar uma ideia. “A gente se sente absurdamente bem com isso”, completa.

O sucesso do blog ainda surpreende ambos. As manifestações de carinho e os pedidos de fotos parecem surreais para aqueles que dizem ser apenas dois caras simples e torcedores como quaisquer outros. “O feedback tem sido muito positivo, e quando não é, sabemos separar muito bem a crítica construtiva, que nos faz crescer, daquela maldosa ou tendenciosa.” Para 2018, Nando e Driccos querem ampliar o alcance e as ferramentas da página. Apesar dos compromissos pessoais de cada um, o projeto ganha mais atenção a cada dia que passa.

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