Pandemia deve levar a novo prazo de recadastramento biométrico

Por causa do coronavírus, o TRE-RS não irá cancelar os títulos de quem não compareceu até 11 de março e um novo período poderá ser disponibilizado

Gabriela Stähler
Redação Beta
6 min readApr 7, 2020

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Imagem: RawPixel / Freepik.com

O prazo para o recadastramento biométrico se encerrou no dia 11 de março em diversas cidades gaúchas. Esteio, na Região Metropolitana, foi a que apresentou os menores índices de comparecimento para a revisão. No município, o número percentual de eleitores que fizeram o recadastramento ficou em 78,68%.

O baixo índice de adesão ocorreu porque muitos eleitores deixaram para realizar o processo na última hora, mas também houve quem não tivesse interesse em manter o título ativo e até mesmo os que temiam o coronavírus. Afinal, o primeiro caso de Covid-19 no Estado foi registrado em 10 de março, um dia antes do prazo de recadastramento acabar. Com isso, algumas pessoas preferiram evitar as grandes filas que se formavam em frente aos cartórios.

No caso de Esteio, houve uma campanha para alertar a população sobre o prazo do recadastramento que não foi bem sucedida. “Durante o período da revisão de eleitorado, procuramos divulgar em meios de comunicação, pedindo para que a população não deixasse para os últimos dias, porém não fomos ouvidos”, lamenta Evânia Núbia G. de Oliveira Almeida, chefe de cartório de Esteio (97ª Zona Eleitoral).

A estrutura do cartório, nas últimas semanas, mudou para dar conta de quem deixou para a última hora. “O número de guichês de atendimento foi ampliado, tanto dentro do cartório eleitoral como com a implantação de um Posto de Atendimento descentralizado, localizado dentro da estrutura da Secretaria Municipal de Saúde”, conta Evânia. Nos últimos dias, a procura foi tanta que a equipe do cartório não conseguiu atender a todos, distribuindo senhas para garantir um atendimento futuro.

Para quem não cumpriu o prazo, porém, há alternativas para conseguir votar. Há a possibilidade de regularizar o título assim que os cartórios eleitorais voltarem às suas operações normais. Evânia explica que, em razão da pandemia, o TRE-RS não irá cancelar os títulos de quem não compareceu até 11 de março. “Porém, ainda não se sabe o novo prazo”, diz a Chefe do Cartório.

Se após esse novo período o eleitor não fizer o recadastramento, as consequências são diversas. A primeira delas é ter o título cancelado. Além disso, há outras penalidades:

Além de não poder votar, cidadão com título cancelado perde diversos direitos (Foto: Marri Nogueira/Agência Senado)

Para que serve o recadastramento?

De acordo com Evânia, o recadastramento se trata de uma revisão do eleitorado, que tem o objetivo de espelhar a realidade e evitar fraudes. “Muitos eleitores não residem no município em que votam há muitos anos, mas continuam com suas inscrições eleitorais no município anterior sem nenhum motivo. Nesses casos, e quando não há nenhum vínculo com a cidade em que o título está cadastrado, o correto é transferir o título para o município de residência”, observa a chefe do cartório.

Há ainda casos de cidades em que há tantos eleitores cadastrados em um município quanto o número de cidadãos. Isso é uma provável fraude e por isso se faz necessária a revisão. Evânia esclarece, porém, que esse não é o caso de Esteio.

Outros municípios que tiveram o prazo de recadastramento encerrado foram Camaquã, Canela, Canguçu, Capão da Canoa, Carazinho, Cruz Alta, Dom Pedrito, Erechim, Guaíba, Ijuí, Itaqui, Lajeado, Rosário do Sul, Santa Cruz do Sul, Santa Vitória do Palmar, Santiago, Santo Ângelo, São Borja, São Gabriel, Sapiranga e Torres.

Baixo engajamento da população de Esteio

A cidade que teve o menor índice de recadastramento biométrico vem sofrendo com um certo descrédito da política. Marcelo Gonçalves, presidente do diretório do PSOL de Esteio, conta que nas eleições municipais de 2016 houve mais de 13 mil abstenções na cidade, cenário que também foi visto nas eleições presidenciais em 2018.

Marcelo quer conscientizar a população de que a política vai além do voto (Foto: Arquivo pessoal)

Para ele, os eleitores de Esteio não se veem representados por quem disputa as eleições e essa insatisfação pode ter afetado o recadastramento biométrico. Além disso, Marcelo pondera que o horário de atendimento pode ter dificultado, pois muitas pessoas não conseguiram ir ao cartório, porque estavam em horário de trabalho. “Mesmo que tenham ocorrido plantões de recadastramento no final de semana, nem todos tiveram como comparecer”, observa.

Sandro Severo, vereador em Esteio pelo PSB, partido do qual foi presidente do diretório municipal por nove anos, acha que é uma questão cultural. “É a questão do brasileiro, de deixar para última hora. Tanto que as filas aumentaram muito nos últimos dias e não deu tempo. O não recadastramento favorece a estagnação da política, pois contribui para que os mesmos permaneçam”, diz o vereador.

Sandro também tem percebido que uma parcela da população esteiense está descrente da política. “Isso com certeza pesou, assim como o fato de poder regularizar o título depois, além do medo do coronavírus”, afirma.

Para o político, o ideal seria permitir que as pessoas votassem na cidade mesmo sem o recadastramento, devido ao baixo engajamento e às mudanças recentes no cenário político. “Imagino que a perda seja de 15% a 20% dos eleitores de Esteio, além dos 20% que se abstêm ou votam nulo ou branco. Faria essa ser uma eleição diferenciada e traria perdas a democracia, pois se houve impedimento ao voto, o cidadão deixa de exercer eu direito”, afirma Sandro.

Outro problema em Esteio, segundo o presidente do diretório municipal do PSOL, é que as associações de moradores foram desmanteladas, e isso impacta no baixo engajamento político dos moradores. “Houve uma demanda popular que era o cheiro forte e desagradável vindo da Refap da Petrobras, com encontros públicos para os moradores. Virtualmente muitas pessoas participaram do debate, mas nos encontros presenciais houve pouca participação”, relata Marcelo, ao afirmar que existe uma descrença na política institucional.

“Uma das facetas da cidadania é a participação política das pessoas, mas isso é pouco estimulado em Esteio”, diz Marcelo. O presidente do PSOL da cidade, porém, observa que virtualmente os cidadãos são participativos, principalmente em grupos de Facebook. “O principal deles, o Muda Esteio, tem alta participação de moradores discutindo e debatendo pautas importantes”, conta. Ele reconhece, entretanto, que nem todo mundo tem acesso à internet, e isso pode dificultar o debate.

Sandro concorda que a população esteiense utiliza bastante as redes sociais para se manter atenta ao cenário político. “A gente tem uma proximidade grande com a comunidade, pois as ferramentas virtuais aproximam ainda mais. A população, pelas redes sociais principalmente, é atuante”, completa.

Com títulos cancelados e menos votos, Sandro acredita que isso prejudica quem quer entrar na política (Foto: Arquivo pessoal)

Mudanças com o novo coronavírus

Além da possibilidade de um adiamento do prazo para a regularização do título, evitando que muitas pessoas percam seu direito a voto, há outras mudanças que podem ocorrer devidas à pandemia da Covid-19. Uma delas é o adiamento das próprias eleições municipais, previstas para 2020. Há propostas no Senado para que elas ocorram em 2022, junto com as eleições para presidente e governador.

Marcelo conta que o PSOL vinha debatendo candidaturas para as eleições em Esteio, mas interrompeu esse o debate em função da pandemia. “A militância do PSOL está focada no combate à Covid-19 e na reivindicação de políticas públicas urgentes”, relata.

Outra pauta do partido no momento, segundo o presidente, é o enfrentamento com Bolsonaro. Os parlamentares do PSOL já protocolaram o pedido de impeachment do presidente da República e têm agitado as manifestações populares, motivados também pelo tratamento dado por Bolsonaro aos casos da doença no Brasil.

Sobre o possível adiamento das eleições de 2020, Sandro acredita ser a melhor opção. “Não tem como fazer política sem gerar aglomeração. Como fazer campanha sem cumprimentar idoso, sem fazer reuniões e caminhadas? Também não acho correto utilizar o fundo partidário em campanhas enquanto a sociedade precisa dessa verba na área da saúde”, conclui o vereador.

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