Pandemia pode aumentar casos de abandono e evasão escolar

Números que já eram elevados entre as turmas de ensino médio podem piorar no período de isolamento sem aulas presenciais

Caren Rodrigues
Redação Beta
5 min readSep 15, 2020

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Alunos com falta de interesse preocupam especialistas. (Foto: FreePick)

Desde o início da quarentena preventiva à Covid-19, as atividades escolares foram suspensas e têm sido feitas de maneira remota. O aumento da evasão ou do abandono escolar pode crescer durante esse período, especialmente no ensino médio, apontam especialistas.

Segundo o Anuário Brasileiro da Educação Básica 2020, lançado pelo projeto federal Todos pela Educação, o número de jovens brasileiros fora da escola em 2019 com idade para frequentar o ensino médio era de 674.814, enquanto no ensino fundamental o número chegava a 88.631. Já segundo a pesquisa Juventude e a Pandemia do Coronavírus, três a cada 10 jovens pensam em não retornar às aulas após o fim da quarentena.

Números tirados do Anuário Brasileiro de Educação Básica 2020 mostram diferenças entre a quantidade de alunos que se forma nos ensinos fundamental e médio. (Arte: Caren Rodrigues/Beta Redação)

Exemplo de jovem que está encarando os desafios do ensino remoto é Vittorio Henrique Tibola, que tem 17 anos e está inscrito no segundo ano do ensino médio na Escola Estadual Adelaide Pinto De Lima Linck, em Gravataí (RS). Ele admite que não tem feito as atividades impressas que busca na escola, que fica perto de sua casa, por preguiça e falta de interesse.

“Em casa eu não tenho foco nem vontade de estudar”, afirma. O jovem sequer está em contato com os colegas do ensino médio, pois saiu do grupo que mantinham numa rede social, porém, afirma que pretende voltar, mesmo achando que fazer as atividades durante a quarentena não seria muito útil.

Segundo Magda Ely, diretora pedagógica da Secretaria Municipal de Educação de Gravataí (SMED), o município tem buscado práticas alternativas para os alunos terem acesso à educação e se manterem ativos nos estudos. “Gravataí optou em oferecer acesso a atividades não presenciais na escola de forma remota ou presencial (buscando atividades impressas), com intuito de tentar atingir todos alunos. Mesmo com esses movimentos, percebe-se que o fator econômico e psicológico interfere para que essas metas sejam alcançadas”, conta. A cidade possui 28 escolas com ensino médio, em que estão sendo oferecidas aulas remotamente.

Fabiana Dimer Raupp é diretora da Escola Estadual Padre Nunes, de Gravataí, há cinco anos, e sempre enfrentou problemas de evasão, principalmente nos turnos da noite, no qual o trabalho e as dificuldades sempre levavam às desistências. Durante o período de pandemia, ela afirma que isso tem aumentado. “Desde que iniciamos com as aulas remotas percebemos um grande aumento na evasão escolar dos alunos do noturno. A falta de recursos, a falta de disciplina, de contato presencial com os professores foram bastante determinantes para isso”, relata.

A escola tem buscado manter o contato diariamente com as famílias, tendo alguns resultados positivos, mas Fabiana afirma aguardar ansiosamente pela vacina. “Esperamos que chegue logo para que possamos retornar às atividades normais, mas temos plena convicção de que sem vacina não há segurança para retorno”, destaca.

Evasão e abandono escolar

Evasão e abandono escolar são conceitos diferentes. O primeiro se caracteriza quando o aluno não faz uma nova matrícula para prosseguir com seus estudos, enquanto o abandono se dá quando o aluno se afasta no ano em que está matriculado. A pesquisadora Rosângela Fritsch, que faz parte do grupo de pesquisa em Políticas Públicas e Gestão Educacional e Escolar, afirma que em seus estudos sobre evasão escolar pôde verificar que o fenômeno é complexo e multifatorial.

“A evasão pode ser definida como um fenômeno de expulsão dos jovens da escola associado a fatores intervenientes decorrentes das mazelas da questão social, das desigualdades sociais e educacionais, e assim é uma face da exclusão social”, explica.

Entre os fatores que ocorrem em casos de evasão, Rosângela destaca o fracasso escolar e, consequentemente, a defasagem entre idade e ano escolar, emprego precário, violência, frustração em relação às expectativas, entre outros motivos.

Desse modo, ela acredita que o ensino remoto prolongado devido à pandemia pode aumentar os casos de evasão. “Com certeza a pandemia está visibilizando e aprofundando as desigualdades sociais e educacionais, e está trazendo consequências nos contextos escolares”, confirma.

Estudante Karoline Michels tem buscado manter o foco durante a pandemia (Foto: Arquivo pessoal/Karoline Michels)

Apesar disso, alguns estudantes têm buscado permanecer atentos aos estudos mesmo diante de tantas dificuldades. Karoline Werpp Michels, de 18 anos, está matriculada no terceiro ano do ensino médio e afirmou já ter se sentido desanimada com a aprendizagem. “Para ser sincera, este é o ano mais fraco que já tivemos, mas pretendo retomar as coisas e aprender mais quando eu for fazer o Enem ou faculdade”, conta. Karoline está estudando por conta própria para se preparar para o Exame Nacional do Ensino Médio e diz estar mais focada nisso.

Soluções alternativas

Diante do contexto atual, a diretora pedagógica da SMED Gravataí, Magda, afirma que o município tem um papel importante na manutenção da vida escolar de seus estudantes. “Ele tem o dever de promover a participação da família e da comunidade em todas as etapas do processo educacional. É fundamental a família compreender que a educação é um direito do aluno e a importância da mesma”, frisa.

A cidade possui a Rede de Apoio Escolar (RAE), que busca alternativas para melhorar a frequência escolar, e também a Ficha de Comunicação de Aluno Infrequente (Ficai), que é uma ficha utilizada para comunicar a infrequência e pensar nas alternativas junto com a escola para recorrer ao Conselho Tutelar. “Por meio de assessorias pedagógicas com as escolas, verificamos quais ações que ela tomou para estimular o retorno do aluno em realizar as atividades não presenciais. Analisar as atividades oferecidas para que possam estimular o aluno a realizá-las também é uma medida necessária”, explica.

A diretora escolar Fabiana também explica que as escolas têm se esforçado para manter conexão com a família e os alunos e para buscar mantê-los motivados durante o período. “Temos entrado em contato diariamente com as famílias. A orientadora da escola tem trabalhado incansavelmente nessa situação. Os professores têm contribuído com mensagens motivadoras e de incentivo. Felizmente já percebemos alguns resultados positivos, ainda que pequenos, mas já começaram a aparecer”, finaliza.

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