Pandemia e Bolsonaro põem à prova as relações internacionais do Brasil

Postura do presidente diante da crise e declarações polêmicas de integrantes do governo afetam relacionamento com principais parceiros econômicos

Juliane Kerschner
Redação Beta
14 min readMay 27, 2020

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Declarações do presidente Jair Bolsonaro minimizando a pandemia foram manchete internacionalmente (Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil)

Por Estephani Richter, Gabriela Stähler, Juliane Kerschner e Luana Rosales.

Desde que assumiu o cargo, Bolsonaro tem dividido opiniões sobre a forma com que gerencia as relações exteriores. Em 2020, os problemas com outros países, causados por seus discursos e práticas, alcançaram um novo patamar. Devido à atuação do governo durante a pandemia e às declarações polêmicas envolvendo a Covid-19, o presidente tem ganhado a antipatia de muitos governantes, o que para alguns críticos pode alterar os contornos das relações internacionais construídas ao longo dos anos. A Beta Redação ouviu especialistas para analisar o passado, o presente e o futuro do relacionamento do Brasil com a China, os Estados Unidos e os vizinhos do Mercosul.

Crise diplomática com a China

A linha do tempo das ações e polêmicas envolvendo o Governo Federal e a pandemia (Arte: Luana Rosales/Beta Redação)

A China, um dos nossos principais parceiros econômicos, começou 2020 com destaque no noticiário mundial, e no Brasil não foi diferente. Porém, em 18 de março, foi dado início a uma série de polêmicas entre os dois países, a partir da declaração do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente Jair Bolsonaro (ex-PSL), culpando a China pelo coronavírus. Ele fez uma postagem no Twitter afirmando que haveria uma ditadura no país asiático e que esta teria escondido a crise sanitária.

Tweet no qual Eduardo Bolsonaro acusa a China de ser culpada pelo vírus

Em resposta à declaração, a conta oficial da Embaixada da China no Brasil na rede social publicou que as palavras de Eduardo Bolsonaro eram extremamente irresponsáveis e soavam familiares. “Não deixam de ser uma imitação dos seus queridos amigos. Ao voltar de Miami, contraiu, infelizmente, vírus mental, que está infectando a amizades entre os nossos povos”, respondeu a embaixada. O filho de Bolsonaro havia recém retornado de uma viagem aos Estados Unidos, onde se reuniu com o presidente norte-americano Donald Trump.

Na ocasião, o embaixador da China no Brasil, Yang Wanming, repudiou “veementemente” as palavras de Eduardo Bolsonaro. Ele exigiu “que as retire imediatamente e peça uma desculpa ao povo chinês. Vou protestar e manifestar a nossa indignação junto ao Itamaraty e a @camaradeputados”, publicou o representante chinês.

Na sequência, o deputado publicou uma nota dizendo que jamais ofendeu o povo chinês, que não identificou qualquer desconstrução dos seus argumentos por parte do embaixador e que nunca teve a pretensão de falar pelo governo brasileiro. Em resposta, a embaixada chinesa novamente não escondeu seu descontentamento.

Parte da segunda resposta da embaixada a Eduardo Bolsonaro

No dia 24 de março, Jair Bolsonaro disse ter ligado para Xi Jinping, presidente da China, para reafirmar os “laços de amizade, troca de informações e ações sobre o covid-19 e ampliação de nossos laços comerciais”.

Dias depois, em 6 de abril, o ministro da Educação entrou no cenário das falas contra a China. Abraham Weintraub fez uma publicação, também no Twitter, ironizando o sotaque chinês com o personagem Cebolinha, que troca a letra R pelo L na Turma da Mônica, ao insinuar que o país asiático teria um plano para dominar o mundo.

“Geopoliticamente, quem podeLá saiL foLtalecido, em teLmos Lelativos, dessa cLise mundial? PodeLia seL o Cebolinha? Quem são os aliados no BLasil do plano infalível do Cebolinha paLa dominaL o mundo? SeLia o Cascão ou há mais amiguinhos?”, disse o ministro no post, que foi ilustrado com a capa de um gibi da Turma da Mônica em que os personagens estão na China.

Após nova manifestação de repúdio da embaixada chinesa, Weintraub apagou a publicação.

Welber Barral aponta que a China é um parceiro importante e que o governo deve trabalhar no fortalecimento dessa união (Arte: Luana Rosales/Beta Redação)

Para Welber Barral, secretário de Comércio Exterior do Brasil entre os anos de 2007 e 2011, nos governos Lula e Dilma, é preciso olhar para a história da China para entender sua reação a esse tipo de comentário.

O pós-doutor em Direito do Comércio Internacional lembra que o país asiático foi central no desenvolvimento da humanidade durante muitos anos e, nos últimos três séculos, foi muito humilhado por grandes potências, como é o caso na derrota da Guerra do Ópio e da perda de diversos territórios no Século XIX.

“Agora a China está se reconstruindo e se tornando de novo um país central nas relações internacionais. Ela vai querer acelerar a sua posição e vai reclamar, como fez duas vezes este ano, contra o que julga ser preconceito contra ela. Vamos ver cada vez mais a China reagindo a comentários que de alguma forma a incriminam ou descriminam”, pontua Barral.

O ex-secretário ressalta que isso não acontece apenas em relação ao Brasil, mas também aos Estados Unidos. “A China é um parceiro importante demais para o Brasil perder tempo com esse tipo de entendimento”, aconselha.

Em 10 de abril, a embaixada chinesa promoveu uma coletiva de imprensa em que o ministro-conselheiro Qu Yuhui disse que as duas economias são complementares, com relações maduras, mas isso requer um cuidado. “Temos que colocar tijolos nessa parceria, em vez de tirar os alicerces desse edifício”, afirmou. Yuhui destacou que existe um sentimento anti-China, racista e xenófobo, e declarações como essas colocam gasolina nessa fogueira.

No dia seguinte, 11 de abril, a China apareceu como um dos alvos da carreata realizada pelos apoiadores presidente brasileiro em São Paulo.

Já no início de maio, o embaixador da China disse em uma entrevista à Folha de S. Paulo que, apesar dos ruídos, seu país está pronto para expandir a cooperação com o Brasil. O país asiático é o maior parceiro comercial do Brasil no mundo desde 2009, quando ultrapassou os Estados Unidos na posição.

Ainda em maio, o Ministério da Economia divulgou a expansão dessa relação, mês a mês, entre janeiro e abril deste ano. Em 2019, 28,1% das exportações brasileiras foram destinadas para a China e, no quarto mês de 2020, o número chegou a 37,8%, somando US$ 20,86 bilhões no acumulado do ano. Entre os principais produtos exportados estão soja, óleos brutos de petróleo e minérios de ferro.

Na última sexta-feira, 22, veio à tona mais uma polêmica envolvendo o governo federal brasileiro em citações que atacam a China. O Superior Tribunal Federal (STF) permitiu a divulgação do vídeo de uma reunião entre Jair Bolsonaro e seus ministros, suprimindo trechos que citam outras nações, inclusive a chinesa. Quando o presidente começa a falar sobre o país asiático, por exemplo, o vídeo é cortado por diversas vezes.

“Em alguns ministérios tem gente deles plantado aqui dentro, ‘né’? Então não queremos brigar com [trecho suprimido], zero briga com a [trecho suprimido]. Precisamos deles pra vender? Sim. Eles precisam também de nós. Porque se não precisassem não estariam comprando a soja da gente, não. Precisam. E é um negócio, pô. E devemos aliar com quem tem umas… alguma afinidade conosco”, disse Bolsonaro em uma parte da reunião.

Outros trechos divulgados citam a China diretamente. Em um deles, o ministro da Economia, Paulo Guedes, diz que “a China é aquele cara que ‘cê’ sabe que ‘cê’ tem que aguentar, porque para vocês terem uma ideia, para cada um dólar que o Brasil exporta pros Estados Unidos, exporta três para a China”.

Desta vez, a embaixada chinesa não respondeu diretamente aos comentários e resolveu divulgar uma nota no Twitter, no mesmo dia em que o vídeo foi publicado, reforçando as relações diplomáticas entre China e Brasil, estabelecidas 46 anos atrás.

Embaixada da China no Brasil publicou nota após publicação da reunião ministerial

“A cooperação China-Brasil e China-América Latina atende às necessidades dos dois lados, não visa os terceiros e tampouco é influenciada por terceiros e, por isso, é amplamente apoiada pelos países latino-americanos. (…) Temos convicção de que, juntos, vamos vencer a pandemia e levar a parceria sino-brasileira em todas as áreas a um novo patamar”, diz a nota.

Para Marcos Reis, professor de Relações Internacionais da Unisinos, existe um verdadeiro casamento estratégico entre o Brasil e a China, pautado nos interesses comerciais, que dificilmente será abalado por quaisquer declarações, por mais polêmicas que sejam.

Marcos Reis acredita que a relação entre os dois países permanece estável (Arte: Luana Rosales/Beta Redação)

“Não creio que possa haver grandes impactos. É mais retórico que prático. Basta refletirmos que em relações internacionais não é a oratória que impõe posturas aos Estados, mas sim os interesses nacionais em jogo entre eles na política internacional”, opina o doutor em Estudos Estratégicos Internacionais.

Reis, que também é doutor em Ciências Militares, explica que o Brasil é uma potência agrícola capaz de prover a China em grande escala com suas commodities alimentares, de forma contínua, o que é um caso singular no mundo. Por outro lado, o país da Ásia carece desses produtos para alimentar a sua população de cerca de 1,4 bilhão de pessoas.

Segundo o professor, há uma singular complementaridade estratégica entre as duas economias. O Brasil tem grande desejo de que a China compre suas commodities em larga escala, o que beneficia sua balança comercial, e o país asiático tem uma grande vulnerabilidade na questão de segurança alimentar, considerando que a sua população representa cerca de 20% da mundial.

“A China tem interesse de que o Brasil continue por muito tempo nesse papel de fornecedor estratégico, contínuo e confiável dessas commodities para ter uma estabilidade, segurança e previsibilidade na alimentação da sua vultosa população”, afirma Reis.

Para o professor, somente uma quebra de contratos poderia abalar a relação sino-brasileira, o que teria um impacto “nefasto” na confiança entre ambos. Apesar do período conturbado, ele acredita que a relação entre os dois países permanece estável e muito promissora para ambos os lados. “Podemos esperar um futuro de muita prosperidade nas relações sino-brasileiras, com benefícios para os dois países”, projeta.

Para Welber Barral, o grande interesse do Brasil deve ser em atrair investimentos do país asiático, além da preocupação em manter a abertura para venda ao mercado chinês, que é um dos grandes consumidores do mundo e está em expansão.

Alinhamento ideológico com os Estados Unidos

Enquanto a relação do Brasil com alguns países fica estremecida em razão da pandemia, com os Estados Unidos há um alinhamento maior, apesar da decisão de proibir a entrada de turistas vindos do Brasil após o dia 29 de maio para evitar o risco de transmissão da Covid-19. Afinal, o presidente norte-americano Donald Trump e o presidente brasileiro Jair Bolsonaro compartilham de muitas características e ideias, entre elas, os discursos polêmicos, a defesa do uso da cloroquina para enfrentar a Covid-19 e a tentativa de culpar a China pela propagação da doença.

Segundo Dehon, Bolsonaro aposta em discursos ideológicos e políticos (Arte: Gabriela Stähler/Beta Redação)

Ideologicamente, há tentativas por parte de Bolsonaro de se mostrar um aliado de Trump. Oswaldo Dehon, cientista político e consultor, comenta que o discurso do presidente brasileiro nos Estados Unidos, em março do ano passado, foi definidor para esse alinhamento. “Ladeado por Olavo de Carvalho e Steve Bannon, Bolsonaro fez um discurso anticomunista, de forte conteúdo ideológico. Se colocou como chefe de uma revolução em marcha, ao agradecê-los pela inspiração em deter as ameaças da esquerda. Seu governo estaria alinhado aos Estados Unidos, por um elo religioso, moral e político”, diz.

De acordo com o doutor em Estudos Estratégicos Internacionais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Roberto Uebel, há uma diferença entre os discursos dos dois presidentes, de modo geral. Trump tem como base a sua carreira como empresário e visa conquistar os republicanos e o próprio establishment, enquanto Bolsonaro replica essas falas para seus eleitores fiéis. Os discursos pautados pelo saudosismo da ditadura também podem atrapalhar Bolsonaro. “Implica em um esvaziamento da construção da política externa brasileira e da própria presença do Brasil no sistema internacional, em que hoje é visto como um país de pouca expressão e tutelado pelos Estados Unidos”, comenta Uebel.

Já Dehon destaca que a diferença entre as falas é que Trump destaca o relacionamento pessoal, enquanto Bolsonaro destaca aspectos políticos e ideológicos. O cientista político também comenta que “os discursos de Trump sobre o Brasil e Bolsonaro são sempre mais comedidos”, mencionando o trabalho de Bolsonaro e a amizade com o presidente brasileiro.

Na reunião ministerial do dia 22 de abril, em trecho suprimido pelo ministro Celso de Mello, teria sido mencionado que Trump enviou a Bolsonaro dados ligados à China. Para Uebel, isso ocorreu porque “Trump sabe que o Brasil é um país que replica o seu discurso sem quaisquer ressalvas e também sabe que temos a China como importante parceiro comercial”. O próprio Bolsonaro e seus filhos chamam o coronavírus de “vírus chinês”, o que reforça esse alinhamento com os Estados Unidos sobre uma suposta culpa da China.

Roberto Uebel observa que essa tentativa de aproximação ocorre desde o governo de Michel Temer (MDB). “Não é possível afirmar que o Brasil tenha se beneficiado efetivamente com este novo alinhamento total. Pelo contrário, acabou recebendo maior antipatia por parte de seus outros parceiros tradicionais”, pondera. O professor ressalta que esse alinhamento se intensificou em 2020, principalmente com o coronavírus.

Uebel aponta que alinhamento total com os Estados Unidos pode atrapalhar as relações com outras nações (Arte: Gabriela Stähler/Beta Redação)

Caso Trump não consiga a reeleição, Tatiana Vargas Maia, professora de Relações Internacionais da Unilasalle, acredita que isso poderá ser negativo para Bolsonaro. “Uma mudança no Executivo americano levaria a uma necessária reconfiguração da política externa brasileira, e não está claro como o governo Bolsonaro conseguiria articular isso”, observa Tatiana.

Em relação ao coronavírus, os dois presidentes têm posicionamentos e discursos semelhantes. “A busca por culpar a China pela crise pandêmica, o esforço por nomear o novo coronavírus como vírus chinês, a animosidade com a OMS (dado o argumento que ela estaria aliada à China) têm sido comuns nos círculos mais próximos a Bolsonaro”, cita Dehon.

Uebel adverte que é melhor que o Brasil não continue embarcando na tentativa norte-americana de culpar a China pela pandemia. “Uma das bases de apoio de Bolsonaro é o agronegócio, que seria exterminado caso a China deixasse de comprar do Brasil, portanto, certamente há pressões domésticas para que o Brasil não ingresse nesta seara”, comenta.

Em conclusão, Tatiana afirma que a política externa de Bolsonaro é incoerente e fundamentalmente performática. “O governo brasileiro não tem condições de realizar as ambições da política externa bolsonarista no âmbito externo, nem estrutura para segurar as consequências de um isolamento político-ideológico no nível interno. Trata-se de um fracasso de dois níveis”, lamenta. A professora ressalta que, no caso de Trump, por mais que ele tenha discursos políticos bombásticos, a política externa norte-americana permanece coerente.

Tatiana afirma que diferente de Bolsonaro, Trump possui uma política externa coerente (Arte: Gabriela Stähler/Beta Redação)

Para entender mais sobre as consequências futuras e o cenário que tem se desenhado a partir da relação entre Brasil e Estados Unidos, a Beta Redação também entrevistou o diplomata brasileiro Celso Amorim, que foi embaixador brasileiro no Reino Unido e ministro das Relações Exteriores entre 1993 e 1995, no governo Itamar Franco, e posteriormente entre 2003 e 2010, no governo Lula. Clique e confira a entrevista na íntegra.

Instabilidade no Mercosul

O Mercosul, tratado intergovernamental integrado pelo Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, é certamente uma das principais fontes da economia dos países integrantes. Entre estes, destaca-se o Brasil, que é o principal parceiro econômico da Argentina e do Paraguai. Desde que foi criado, em 1991, o acordo tem funcionado em parte devido às semelhanças partidárias ideológicas que os governos seguiam. Porém, as últimas eleições e configurações políticas vem desestabilizando o bloco.

Um dos principais motivos para essa desestabilização são os tratados de livre comércio com países como Canadá, Índia, Singapura e Coreia do Sul, que geraram a saída da Argentina dos acordos, por divergências. Mas não demorou muito para que o país vizinho voltasse ao grupo, apesar de permanecer relutante.

Segundo o argentino Gonzalo Fiore, advogado e analista político, as principais tensões dentro do Mercosul se devem também às diferenças ideológicas entre Bolsonaro e o presidente argentino, Alberto Fernández. “Os principais países no Mercosul são Argentina e Brasil, e uma relação tão ruim como está agora afeta também os outros países, causando disfunção no bloco”, observa.

Levando-se em conta as questões dessa crise instaurada pelo novo coronavírus, é preciso observar os números além dos dados econômicos. Fora o Brasil, todos os outros países do Mercosul aderiram ao lockdown e hoje mostram resultados muito efetivos. Enquanto o Brasil passava de 22 mil mortos no dia 25 de maio, a Argentina tinha pouco mais de 440, o Uruguai mais de 20 e o Paraguai apenas 11. Estes números, unidos às falas do presidente Bolsonaro sobre a doença, também são um ponto importante ao se tratar das instabilidades relacionadas ao bloco.

Para o cientista político e professor de Relações Internacionais da Unisinos Bruno Lima Rocha, o Mercosul nunca foi levado a sério. Ele afirma que um dos motivos para as crescentes tensões dentro do bloco é a falta de coordenação que o Brasil oferece ao continente. Já em relação à atual situação colocada pelo novo coronavírus, o professor acredita que a postura de Jair Bolsonaro frente à crise pode trazer o fim deste mercado comercial. “Hoje infelizmente seria mais fácil para alguns países da América Latina fechar um novo acordo, como aquele do Grupo de Puebla, do que o fortalecimento do Mercosul”, lamenta.

Bruno Lima Rocha não acredita em fortalecimento do Mercosul no momento (Arte: Estephani Richter/Beta Redação)

Olhando mais para as relações individuais entre os países, o ex-senador paraguaio, atual vice-presidente do partido Patria Querida e assessor da delegação paraguaia do Mercosul, Mario Paz Castaing, lembra que historicamente Brasil e Paraguai mantinham relações complicadas, principalmente devido à Guerra do Paraguai. Mas após o tratado de Itaipu e o acordo do Mercosul, a situação entre ambos melhorou e hoje, em determinados setores econômicos, o país vizinho é dependente do Brasil.

Segundo Mario, a crise atual causará impactos principalmente na economia, pelo fechamento das fronteiras, mas o ex-senador não acredita em uma crise política devido ao bom relacionamento que levam Bolsonaro e o presidente paraguaio “Marito” Abdo. “Em seu território, cada um faz o que acha conveniente aos seus interesses. Bolsonaro não vai se meter no que está fazendo o Paraguai e o Paraguai não vai se meter no que está fazendo Bolsonaro. Eu acredito que vai continuar o mesmo nível de relações”, destaca.

Já olhando para a Argentina, o principal problema é a diferença que há entre os atuais governos. O analista Gonzalo Fiore destaca que isso se observa com as quebras de tradições diplomáticas históricas desde a eleição de Fernández. Segundo Fiore, antes de a pandemia começar, parecia haver iniciado um movimento de aproximação com a visita do chanceler argentino a Bolsonaro, mas com a chegada do vírus no continente voltou tudo para trás, e hoje estaríamos no pior momento das relações entre os países.

“Bolsonaro está fazendo um jogo perigoso ao misturar o ideológico e o político com as relações diplomáticas comerciais, que não tinham mudado desde 83. Politicamente a relação está completamente quebrada entre ambos”, analisa Gonzalo.

Para Gonzalo, diferenças ideológicas são a causa das principais tensões no Mercosul (Arte: Estephani Richter/Beta Redação)

Professor do mestrado em Relações Internacionais da Universidad Nacional de la Plata, na Argentina, Alejandro Simonoff comenta que a falta de sincronia entre os governos brasileiro e argentino, importantes parceiros comerciais, é algo inédito. Simonoff percebe que o governo de Bolsonaro se volta a um sistema mais conservador e a Argentina busca voltar a ser mais autônoma em sua política externa. Para ele, o ideal seria avançar em uma espécie de desenho mais pragmático de relacionamento econômico e político. “Percebo isso no governo argentino, mas não no Brasil, onde vejo plantado um neoliberalismo extremo de Bolsonaro e Guedes”, analisa o especialista em relações internacionais.

Em relação ao pós-pandemia, todos concordam em algo: é difícil prever o que nos espera. O professor Alejandro Simonoff diz que com a “nova normalidade” certamente será necessário rever diversas questões do bloco. Já o analista Gonzalo Fiore acredita que as relações políticas entre os países vão seguir bastante mal, com uma situação econômica muito complexa, e presume que cada país vá atuar de forma individual, e não como bloco.

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