Fácil na teoria, difícil na prática

Mesmo sabendo dos males que o cigarro causa, fumantes ainda têm dificuldade em largar o vício da nicotina

Gabriel Nunes
Redação Beta
7 min readSep 4, 2018

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A OMS estima que uma em cada cinco pessoas fumam no mundo (Foto: Gabriel Nunes/Beta Redação)

Neste ano, a Organização Mundial de Saúde escolheu o tema “Tabaco e Doença Cardíaca” para ser discutido no Dia Mundial sem Tabaco (31 de maio) e no Dia Nacional de Combate ao Fumo (29 de agosto). A proposta objetiva conscientizar as pessoas sobre a ligação do tabaco com as doenças cardiovasculares. O tabagismo tem forte impacto sobre a saúde cardiovascular, além de causar dependência física, psicológica e comportamental semelhante ao uso de outras drogas.

Segundo o Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (INCA) e a OMS, o tabagismo é a maior causa de mortes evitáveis no mundo. Estima-se que, em 2016, a população mundial fumante totalizava cerca de 1.1 bilhão de indivíduos. Dessa quantia, mais de 24 milhões de crianças entre 13 e 15 eram fumantes compulsivos. Em relação a questões socioeconômicas, o tabagismo tem maior prevalência em países subdesenvolvidos.

No Brasil, a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS/2013), elaborada pelo IBGE, indicou que 14,7% da população maior de 18 anos é fumante.

Fonte: PNS/2013 — IBGE

Apesar do percentual elevado, o número de fumantes no Brasil vem decaindo lentamente, principalmente devido a políticas de controle do tabagismo. O gráfico a seguir relaciona a prevalência do cigarro às ações de combate ao tabagismo no período de 1989 a 2010.

Fonte: PLOS Medicine — 2012

A dependência

Enfermeiro integrante do Programa de Controle de Tabagismo de Novo Hamburgo, Edson Luís da Silva, explica que “todos que usam cigarro têm dependência psicológica, mas nem todos têm dependência física”. No segundo caso, ele se refere aos fumantes compulsivos, que precisam fumar em curtos intervalos de tempo. Estudos recentes apontam que a nicotina causa mais dependência do que drogas mais destrutivas, como heroína e cocaína, por exemplo. Por isso, muitas vezes parar de fumar é um verdadeiro desafio.

A nicotina presente no cigarro é a substância lícita que mais causa dependência química no mundo (Foto: Gabriel Nunes/Beta Redação)

De acordo com a cartilha “Deixando de fumar sem mistérios”, elaborada em quatro volumes pelo INCA, o ato de fumar envolve associações de comportamento ligadas aos hábitos individuais e sociais do indivíduo. Como por exemplo, tomar café e acender um cigarro. Inicialmente, esse hábito é realizado de maneira corriqueira, mas com o tempo, sempre que o fumante tomar café vai sentir o desejo de fumar.

Por isso que mesmo depois de abandonar a nicotina por muitos anos, o ex-fumante ainda pode sentir o desejo de fumar. “Há pessoas que, mesmo depois de cinco ou dez anos sem fumar, às vezes sonham com o cigarro ou sentem vontade de fumar ao realizar alguma atividade que associavam ao tabaco”, exemplifica Edson. É a chamada fissura, que dura em média cinco minutos e depois passa.

Tratamentos para parar de fumar

Há diversas formas de parar de fumar, seja por meio da utilização de medicamentos que inibem o vício, ou de acompanhamento psicológico ostensivo. Nenhuma forma é efetiva se o usuário de nicotina não decidir abandonar de vez o tabaco. Apesar disso, há tratamentos que servem como forma de apoio aos que desejam parar.

O evento “Cinco Dias Para Ser Livre”, realizado pela Igreja Adventista do Sétimo Dia, localizada em Novo Hamburgo, promete uma forma de auxílio àqueles que desejam abandonar o hábito. Apesar do nome pretensioso, o curso com duração de cinco dias já apresentou resultados positivos. A sua oitava edição ocorreu entre os dias 28 de agosto e 1° de setembro, durante a semana do dia Nacional do Combate ao Fumo. As palestras foram lideradas por Roman Oresko Filho, terapeuta familiar que trabalha há 37 anos com usuários de nicotina. “O perfil do fumante mudou ao longo dos anos. Hoje o sujeito sabe que (o cigarro) faz mal, mas ele é mais viciado na droga e tem mais dificuldades em largar”, explica.

Além de realizar o esforço de conscientização sobre os malefícios do tabagismo, as palestras buscam tratar também o lado psicológico do fumante. “Muitos chegam aqui desanimados, não acreditando que podem parar, e a gente busca animar e motivar eles”, explica Oresko. De acordo com o terapeuta, o principal objetivo da palestra é transformar um fumante em um “não fumante”. Ou seja, não apenas livrá-lo do vício da nicotina, mas também fazer com que ele se sinta realizado por ter alcançado esse objetivo. Após o curso, os participantes ainda recebem acompanhamento por telefone durante dois meses, sendo motivados a continuarem se abstendo da nicotina.

Clóvis Gomes, vendedor de 60 anos, afirma que conseguiu largar a nicotina com o auxílio das palestras. Fumante desde os 16 anos, parou de fumar em 2011 e, hoje, motiva os participantes do curso que estão batalhando contra o vício. Ele aponta que o “coletivismo entre os participantes é um dos principais fatores de auxílio, pois com a terapia em grupo fica mais fácil esquecer as dificuldades e focar nos muitos pontos positivos que surgem ao largar o cigarro”.

Assim como 75% da população fumante, Cláudio Souza também começou a fumar antes dos 18 anos (Foto: Gabriel Nunes/Beta Redação)

Quem também parou de fumar com o auxílio do curso foi o empreendedor Cláudio Souza, de 57 anos. Assim como Clóvis, Cláudio começou a fumar durante a adolescência, aos 15 anos . “Naquele tempo, fumar era uma forma de se encaixar no círculo de amizades, de se autoafirmar e ter a sensação de liberdade”, recorda. De fato, pesquisas do IBGE e da OMS indicam que cerca de 75% dos fumantes iniciaram o hábito antes dos 18 anos, fase em que o jovem está mais suscetível a vícios e busca autoafirmação.

Outro tipo de tratamento é proporcionado pela Secretaria Municipal de Saúde de Novo Hamburgo, que há 12 anos oferece o Programa de Controle do Tabagismo, com um grupo de combate ao fumo. Edson Luís da Silva é o enfermeiro que integra esse grupo, juntamente com uma médica clínica geral e uma psicóloga. Ao contrário das palestras “Cinco dias para ser livre”, que trabalham apenas o lado psicológico do fumante, esse tratamento pode prescrever medicamentos inibidores do vício. “Todos os participantes passam por uma entrevista psicológica para verificar o grau de dependência, além de uma avaliação clínica”, explica o enfermeiro. Os resultados desses exames vão determinar se vai ser necessário o uso de medicação ou de produtos que derivam da nicotina, como adesivos e gomas de mascar.

O encaminhamento para o tratamento se dá por meio de qualquer agente da saúde, e os encontros ocorrem todas as quintas-feiras, durante quatro semanas. “Enfermeira, assistente social, nutricionista, qualquer um deles pode encaminhar o paciente, porque não precisa ser um especialista para perceber que a pessoa está mal e quer parar de fumar”, explica Edson, que trabalha no grupo há seis anos. As reuniões ocorrem na Casa da Vacina hamburguense.

O Programa de Controle ao Tabagismo utiliza a cartilha do INCA como material de apoio para os fumantes que estão largando o vício (Foto: Gabriel Nunes/Beta Redação)

Para quem deseja parar de fumar, o período mais difícil ocorre durante os cinco primeiros dias. Nessa fase o organismo ainda não está acostumado a ficar sem a nicotina e as crises de abstinência e as fissuras são recorrentes. O enfermeiro explica que “nesses primeiro dias, os períodos de fissura podem ocorrer de 3 em 3 horas, mas a partir do quarto ou do quinto dia o organismo já começa a ficar limpo e os períodos ocorrem em maiores intervalos de tempo”. Edson ressalta que durante os estágios de fissura, que duram cerca de cinco minutos, é importante se manter ocupado e não apenas ficar parado esperando passar.

Edson explica que o tratamento tem um período ainda mais extenso de acompanhamento dos pacientes. “A gente chama de encontro de manutenção mensal, e o ideal é participar dessas reuniões pelo menos até um ano depois do fim do tratamento”, pontua. Essas reuniões de manutenção buscam oferecer estímulo ao ex-fumante, mostrando os lados positivos de ter parado, bem como os benefícios à saúde que ocorrem ao largar o cigarro.

Vale lembrar que nenhum desses tratamentos é efetivo se o viciado não quiser realmente parar de fumar. Edson exemplifica a questão. “Nesses doze anos de curso percebemos que o que faz tu parar de fumar é a tua cabeça, é o psicológico”. Psicólogos, remédios e apoio familiar não surtem efeito se o indivíduo não abandonar o tabagismo, mesmo sabendo das consequências negativas que ele vai causar, tanto a curto como a longo prazo.

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