Patinação masculina é destaque na Copa Mercosul

Quebrando preconceitos mais de 40 homens participaram da competição deste ano

Andressa Brunner Michels
Redação Beta
6 min readNov 22, 2017

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Com colaboração de Ellen Renner

Em um cenário praticamente dominado por meninas e mulheres, os homens que participaram da Copa Mercosul de Patinação Artística deste ano deram um show à parte. Mesmo que em menor número — dos 800 atletas participantes, mais de 40 eram homens, com idades entre 6 e 57 anos — eles mostraram grande potencial durante o evento, que ocorreu até o dia 18 de novembro no Centro de Eventos, em São Leopoldo.

Participaram do último dia atletas das categorias intermediário, avançado e internacional (Foto: Andressa Michels/Beta Redação)

A patinação como cura

Competindo na modalidade Free Dance Masculino, Antonio Domingos Araujo Cunha, 57 anos, começou a patinar aos 18 anos, mas a paixão já havia começado ainda quando criança, ao assistir um show de patinação artística.

Quando iniciou sua vida sobre os patins, estudava em uma escola onde o preconceito era muito forte. Segundo ele, diziam que meninos não deveriam nunca patinar. Logo após, abandonou o colégio e fez cursinho para faculdade e passou em três delas: Direito, Administração e Ciências Naturais. Além disso, fez duas especializações e dois mestrados no Brasil e nos Estados Unidos. No seu caminho de estudos, Antonio ainda fez doutorado na Argentina e pós-doutorado na Holanda. Nesse sentido, ele considera a sua história triste, pois era impossível conciliar os estudos com os treinos da patinação e também dos outros esportes que praticava.

O patinador passou por momentos difíceis durante a vida, quando foi diagnosticado com labirintite e passava por severas crises convulsivas, além de ter perdido 50% da audição. Para ele, o esporte foi o grande responsável para a superação dessas doenças.

Aos 57 anos, Antonio segue participando de competições de patinação artística (Foto: Andressa Michels/Beta Redação)

“Retornei para a patinação como uma questão de cura, o esporte me tirou de grandes dificuldades”, afirmou.

Há alguns meses, Antonio perdeu a mãe e ainda enlutado, usa roupas pretas, com apenas algum detalhe em cor nas suas apresentações.

“A patinação sempre fez parte da minha vida, é um esporte de muita luta e sacrifício. É um esporte que exige entrega, autocontrole, sendo ele emocional e físico”, destacou.

Durante sua carreira, teve acidentes sérios praticando a patinação. Rompeu todos os ligamentos do pé e teve uma queda que resultou em fratura múltipla da perna direita, ficando com paralisia na perna direita por seis meses. Porém, no ano seguinte retornou e conquistou uma medalha de ouro no Campeonato Brasileiro de Patinação Artística.“Foi muita superação, muito esforço para conseguir vencer”, lembra.

É a primeira vez de Antonio na Copa Mercosul de Patinação Artística. Participando na categoria +30 anos, ele conquistou duas medalhas durante a competição, uma de ouro e outra de prata. “Eu não tinha como premissa estar aqui na competição, mas eu me desafiei e estou aqui”, revela.

O patinador nunca teve patrocínio, veio para a competição como atleta independente, sem técnico. Ele explica que é um patinador da década de 1980 e as técnicas atualmente mudaram um pouco, por isso não se sente tão familiarizado com as mudanças.

Recentemente ganhou duas medalhas, um ouro e um bronze, na Copa Médio Vale, de Santa Catarina. Sobre sua participação em futuras competições, o atleta acredita que no Brasil não há uma projeção para pessoas que já estão em uma faixa etária aproximada da fase sexagenária, diferente de outros países, como os Estados Unidos, por exemplo. Antonio acredita que as categorias são desiguais, onde competem atletas de 40 e de 60 anos, que não possuem o mesmo preparo físico que o esporte exige.

Para continuar competindo, o patinador depende de condições físicas e financeiras. Contudo, ele sempre vai lembrar de um momento que o marcou: nos Jogos Olímpicos de 2016, no Rio de Janeiro, Antonio participou da cerimônia de encerramento.

“Eu e mais 500 bailarinos e patinadores realizamos o show que vocês viram, que o mundo inteiro viu”, contou emocionado.

Sobre a questão dos homens na patinação, ele encara como um desafio, porque garante que ainda são poucos homens no esporte, devido ao preconceito que ainda é muito grande.

Entre tantas atividades, a maior alegria de Antonio está nos patins (Foto: Andressa Michels/Beta Redação)

Muitos Antonios em um só

Nas horas livres, ele faz participações em shows e apresentações de patinação. Já fora das pistas, ele é professor universitário, pintor, escritor, modelo fotográfico, professor de Inglês. Além disso, fala cinco idiomas e conheceu 22 países. Mas, mesmo com toda essa bagagem, ainda há uma coisa que Antonio deseja ser ainda: Pai.

“Não quis casar e ter filhos pois seria difícil a minha esposa entender que eu gosto de patinar, eu não abro mão de fazer o que gosto”, afirmou.

Agora, considerando como a “última tacada da vida”, ele pensa na possibilidade de ter um filho e, quem sabe, sentir-se realizado por completo. Mas a sua maior paixão ainda é os patins. “Reforço meu ego com o carinho do público, com as palmas que eles me entregam”, comentou às lágrimas.

O sonho do patrocínio

O atleta John Marley Davila, 21, conheceu o esporte através de um projeto social em Dois Irmãos, quando tinha 12 anos.

É a terceira vez que participa da Copa Mercosul de Patinação Artística. Ao todo, já participou de aproximadamente 30 competições, conquistando medalhas de ouro e prata. Ele treina com seu técnico uma vez por semana, na escola Patinart, de Novo Hamburgo. Conforme explicou, o ideal seria ter mais tempo de treinos por semana, porém, ele só pode pagar por uma hora.

John patina desde os 12 anos e já participou de cerca de 30 competições (Foto: Andressa Michels/Beta Redação)

“Eu quero levar a patinação para o meu futuro, já estou trabalhando como professor de patinação”, conta.

Ele se considera uma pessoa mais disciplinada após o início da prática da patinação, isso também contribuiu para a sua vida de estudos. Por ser um esporte com o custo muito alto, o atleta está em busca de um patrocinador.

John exibe medalha de ouro conquistada no último dia da Copa Mercosul (Foto: Arquivo pessoal)

Ele revelou que sua mãe, Maria Odete Davila, foi em lojas do comércio da sua cidade para conseguir algum patrocínio, por esse motivo, recebe ajuda de poucas lojas que aceitaram contribuir com seu sonho. O patins que usa, por exemplo, foi doado por uma loja de calçados de Dois Irmãos.

“É bem difícil, não é sempre que podem contribuir e não gostamos de ficar pedindo”, lamenta.

Em março John pretende realizar um bingo beneficente com intuito de arrecadar verba para cobrir os custos das aulas e poder competir em outros eventos. O patinador também pretende investir em equipamentos, como uma roupa nova para as apresentações.

O atleta, que foi quatro vezes campeão gaúcho, vice-campeão brasileiro este ano e campeão brasileiro em 2016, espera conseguir patrocínio para seguir seu sonho. “Precisamos muito de um patrocinador, é o sonho dele, é o nosso sonho”, disse a mãe.

Instituição que irá receber donativos ainda não foi escolhida (Foto: Divulgação/Copa Mercosul)

750 kg de alimentos arrecadados

Alimentos não perecíveis foram doados pelo público como forma de ingresso ao evento. Segundo o coordenador geral da Copa Mercosul, Léo Bengochêa, foram arrecadados 750 kg de alimentos, que serão doados para uma instituição, ainda não escolhida pela Prefeitura de São Leopoldo.

“Esta Copa teve vários momentos incríveis, como a apresentação de duas atletas amputadas na abertura do evento e também a estreia da categoria até 3 anos, onde tivemos uma atleta vinda da Espanha. Saiu tudo como planejado, foi um sucesso”, comemora Léo.

Nesta edição, durante os dias 15, 17, 18 e 19 de novembro também foram realizados cursos de patinação artística com a técnica espanhola Carla Pey. As aulas foram voltadas para atletas em competição e oferecido gratuitamente para técnicos e árbitros presentes no evento.

Conferiram alguns momentos desta competição.

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