Pesquisas mostram o equilíbrio pelo alimento orgânico

O investimento em tecnologias gera aumento de escala e competitividade para o setor, promove a sustentabilidade e torna o consumo mais democrático

Vanessa Souza
Redação Beta
7 min readJun 28, 2018

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Foto: PxHere

Embora o Brasil ocupe a primeira posição do ranking mundial de consumo de agrotóxicos, segundo o Instituto Nacional do Câncer, a produção de alimentos orgânicos tem crescido e se desenvolvido no país. As pesquisas na área e a criação de novas técnicas de cultivo impulsionam um mercado que cresce 20% e fatura R$ 2,5 bilhões por ano, conforme dados do IBGE e Ministério da Agricultura.

Concebida na Índia em 1905, a técnica da agricultura orgânica consiste no cultivo de alimentos da forma mais natural possível, sem o uso de agrotóxicos, máquinas e adubos químicos. Além disso, busca sempre o equilíbrio com a natureza, preservando a terra, as águas, o ar e a fauna da região. Mas para que o setor se coloque no mercado de forma efetiva e atenda às demandas do consumidor, é preciso que aconteça o desenvolvimento de novas tecnologias e inovação, como afirma Fábio Ramos, Engenheiro Agrônomo, sócio-fundador da Agrosuisse e conselheiro do Conselho Brasileiro da Produção Orgânica e Sustentável (Organis).

Fábio destaca duas formas das pesquisas relacionadas à produção de alimentos orgânicos acontecer. “A primeira tem origem acadêmica, são desenvolvidas pelas universidades e por instituições como a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), por exemplo, que possui o Centro Nacional de Agrobiologia. Pelo menos 25 pesquisas sobre a cultura orgânica acontecem na instituição no momento. Além disso, dados do Ministério da Agricultura mostram a expansão da agroecologia e do orgânico na grade curricular de várias escolas de agronomia e ciências agrárias”, conta.

Esse é o caso da startup Flowermind, de Caxias do Sul. Fernando Velho, sócio-fundador da empresa, conta que trabalha há oito anos com administração de resíduos, auto sustentabilidade e logística reversa. “Em um de nossos projetos, a missão era achar alternativas viáveis para o destino de resíduos orgânicos vegetais. Depois de cinco anos de pesquisa, em parceria com o químico e professor da UCS (Universidade de Caxias do Sul) Rodrigo Leygue Alba, conseguimos desenvolver um fertilizante orgânico a partir desses resíduos.”

Hoje em dia, a pesquisa serve como base para o desenvolvimento de fertilizantes específicos para diversas produções, como alho, orquídea, tabaco e grãos. A Flowermind adaptou a técnica para o cultivo de plantas medicinais, visando trabalhar com a agricultura orgânica e tendo o viés social de ajudar pessoas que queiram e/ou precisem cultivar seu remédio natural.

“O grande diferencial é que nossos fertilizantes são auto-sustentáveis, derivados do que antes era resíduo para algumas empresas (como a Ceasa, por exemplo). Através de processos biotecnológicos, conseguimos deixar toda essa matéria orgânica totalmente assimilável para a planta, como se fosse o húmus naturalmente encontrado em solos virgens. Diferente de fertilizantes convencionais encontrados no mercado, que são químicos e degradam o solo, nosso fertilizante acrescenta vida e estimula todos os microrganismos ali presentes a se desenvolverem e melhorarem a qualidade desse solo”, explica Fernando.

A segunda forma que as pesquisas da área de orgânicos se desenvolvem, segundo Fábio, é a que acontece a partir da prática — ou seja, oriundas de comunidades e dos povos que já fazem uma agricultura sustentável há muitos anos. “Diversos casos no Brasil mostram isso, principalmente nas regiões norte e nordeste, onde tem muito extrativismo, e no centro-oeste também, onde a tecnologia e a pesquisa foi inicialmente gerada através das comunidades” conta.

No Estado, quem pode ilustrar bem isso é o agricultor Vilson Stefanosky, de Cerro Grande do Sul. Ele trabalha com a produção orgânica há 27 anos. Nesse tempo, aprendeu e desenvolveu técnicas para a melhoria dos alimentos e para a garantia do equilíbrio do meio ambiente. Vilson tem uma empresa familiar em parceria com o irmão e um primo. A produção, portanto, são das três famílias que trabalham integradas. Fora isso, existe uma associação, dentro do município, onde se somam a eles mais sete famílias. Ou seja, a produção de orgânicos da cidade acontece por meio dessas dez famílias.

Vilson diz que, para ele, o conceito orgânico não se baseia só em “não usar” agrotóxicos, mas principalmente em três pilares: a agricultura familiar, a venda direta e o respeito ao meio ambiente. Com a produção focada principalmente hortigranjeiros, algumas raízes e grãos, o agricultor comercializa seus produtos há 24 anos pelas feiras ecológicas de Porto Alegre: aos sábados, na Feira dos Agricultores Ecologistas, na Rua José Bonifácio, e nas feiras orgânicas do Menino Deus e Rômulo Telles, às terças-feiras no bairro Auxiliadora e às quintas na Quintanda — Feira Agroecológica do IPA.

Veja o Mapa Brasileiro de Feiras Orgânicas.

“Há mais ou menos 20 anos, por volta de 80% de quem comprava meus produtos eram pessoas de mais idade, preocupadas com a saúde ou até por recomendação médica. Hoje em dia, mais da metade de quem consome os orgânicos são pessoas mais jovens. Então a grande diferença que eu vejo do início para agora é que as pessoas estão consumindo cada vez mais por conscientização e não mais por imposição”, relata Vilson.

O agricultor explica que o seu trabalho se desenvolve dentro de um olhar ecológico e de equilíbrio. Então, além de adotar atitudes como manter as plantas nativas em torno das plantações, para que os insetos possam se alimentar e não se tornem “pragas”, ele faz uso da técnica de biomineralização.

“Não existe ser vivo que consegue se manter equilibrado se não tiver na sua alimentação diária pelo menos 40 minerais. Na agricultura convencional, se faz o uso de fertilizantes para que isso aconteça. Nós, no entanto, optamos por extrair os minerais direto das rochas, fazendo um trabalho no qual usamos fungos e serragem para a extração desses minerais das pedras, que servirão de alimento para as plantas posteriormente. Esse é um dos processos dentro da técnica de biomineralização”, diz.

Isso tudo foi possível para Vilson porque, desde o início da sua produção, em 1991, ele buscou conhecimento e consultorias através de núcleos de pesquisa da UFRGS. Além do desenvolvimento científico e prático relacionado à produção, Fábio atenta também para o que há de inovação no mercado, como a produção orgânica de barras de cereais, sucos de frutas, chocolates, leite e derivados, com diversos tipos de queijos. “Então você também tem um movimento de inovação que permeia pelo segmento agro-industrial. Além disso, as tecnologias possibilitam que cada vez mais os produtos orgânicos possam ser produzidos em larga escala, como é o caso da cana de açúcar, do cacau, do milho, da soja — até o leite e o frango e algumas hortaliças”, enfatiza o engenheiro agrônomo.

O cenário brasileiro

O diretor e um dos fundadores do Conselho Brasileiro da Produção Orgânica e Sustentável (Organis), Cobi Cruz, afirma que hoje existe produção de orgânico no Brasil inteiro. “Prefiro falar em biomas do que estados, então se destaca o açaí e castanhas do Brasil na Amazônia. Café, açúcar e castanhas no Cerrado. Mel e castanhas de caju na Caatinga. Trigo, azeites, palmito e erva mate na Mata Atlântica. Carne no Pantanal. Arroz nos Pampas. Leite e derivados em quase todos os biomas e frutas e hortaliças em todos os biomas”.

O Sudeste é a região com maior área de produção orgânica, segundo dados de 2016 da Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (CNAPO). Na sequência, aparecem as regiões Norte, Nordeste, Centro-Oeste e Sul. Por estado, Paraná, Mato Grosso e Pará são os que têm mais relevância, seja por número de produtores, por área ou por extrativismo.

A lei brasileira conta com uma normatização que regula a produção orgânica. Na Lei Nº 10.831/03, fica estabelecido que, para que possam comercializar seus produtos no Brasil como “Orgânicos”, os produtores devem se regularizar de duas formas: ou obtendo certificação por um Organismo da Avaliação da Conformidade Orgânica (OAC) credenciado junto ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento — MAPA; ou se organizando em grupo e fazendo um cadastramento junto ao MAPA para realizar a venda direta sem certificação.

O consumo de orgânicos no país

A cada dois anos, o Organis realiza uma pesquisa de mercado para entender o comportamento do consumidor e trazer informações para um setor tão carente de números. A última, realizada em 2017, diz que:

- 15% da população urbana consumiu algum alimento ou bebida orgânico no último mês.

- Na região Sul é onde se encontra a maior incidência de consumo de produtos orgânicos.

- Alface é o alimento mais consumido (1 em cada 3 consumidores), seguido pelo tomate (1 em cada 5) e verduras no geral. Arroz, rúcula, banana, frutas e sucos, assim como maçã, brócolis e legumes têm participação importante na cesta dos consumidores.

- Legumes no Sul / Frutas no Nordeste / Cereais no Sudeste.

- Questões relacionadas à saúde compõem a principal motivação para o consumo de orgânicos. Indicações de consumo de orgânicos da mídia e de profissionais da saúde também se destacam.

- A busca pela saúde é o principal motivador da escolha de orgânicos em todas as regiões. A opção por um melhor sabor dos alimentos é mais forte no Sudeste. Informações divulgadas na mídia apresentam maior influência no Centro-Oeste. A questão ambiental é destaque no Centro-Oeste e no Sul.

- A maior incidência de consumo de orgânicos é uma vez por mês. Exceção é a região Sul, em que o maior grupo consome orgânicos a cada duas semanas.

- O varejo convencional é o principal canal, embora exista potencial em outros âmbitos alternativos como feiras, lojas especializadas e direto do produtor. Clubes de compras ainda são uma promessa.

- A população de classe baixa e de baixa escolaridade é a que menos tende a consumir orgânicos (9% dos que pertencem à classe baixa e 8% dos que possuem ensino fundamental incompleto vs. 15% no total). Os homens e a população mais madura (55 anos ou mais) tendem a justificar a escolha pelos orgânicos mais fortemente com base na melhoria da saúde (70% para ambos os grupos vs. 64% no total).

Confira aqui a pesquisa na íntegra.

“Apesar de mais caro, e não sem motivo, o consumo de orgânicos está cada vez mais democrático, principalmente nas mais de 700 feiras que existem em todo o Brasil, onde o preço de um orgânico é muito similar ao preço de um produto convencional no supermercado. Obviamente que tem produtos, principalmente os processados, que ainda são muito mais baratos. Mas com tecnologia, aumento de escala e competitividade, a tendência é baixar o custo dos alimentos orgânicos cada vez mais”, finaliza Cobi.

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