Pessoas com nanismo buscam diálogo

Com pouca informação sobre o assunto, questões de acessibilidade e políticas públicas para quem tem a deficiência serão pauta no Senado Federal

Júlia Klaus Bozzetto
Redação Beta
5 min readMay 15, 2018

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O folhetim O Outro Lado do Paraíso, da Rede Globo, trouxe à tona um tema que não é disseminado como deveria no Brasil: o nanismo. Ao longo da trama, a personagem Estela (Juliana Caldas), que é anã, enfrentou uma série de adversidades, persistiu e conquistou seu lugar na sociedade. Conforme a legislação brasileira, o nanismo é considerado uma deficiência física. Estudos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2015 apontam que cerca de 24% da população possui algum tipo de deficiência. Porém, não há números específicos para o nanismo, tampouco políticas públicas.

Na novela, a personagem Estela (Juliana Caldas) sofreu com os maus-tratos da mãe, Sofia (Marieta Severo). (Foto: Rede Globo/Divulgação)

Assim como na ficção, um grupo de mulheres com nanismo e mães de crianças com a deficiência lutam por políticas públicas inclusivas e de acessibilidade nas escolas. A concretização do trabalho se dará no dia 19 de junho, quando será realizada uma audiência pública para apresentação da Cartilha Escola para Todos! Nanismo, criada por elas, no Senado Federal, em Brasília. A cartilha, idealizada pela designer gráfica de Rio Grande Vélvit Ferreira Severo, pretende mudar esse quadro. Com a finalidade de promover a inclusão e o respeito às diferenças no âmbito escolar, ela será publicizada na audiência pública e terá lançamento em outubro pelo Governo Federal, conforme explica a jornalista Lelei Teixeira em seu blog Isso não é Comum, no portal Sul21.

Lelei utiliza o blog para debater e esclarecer dúvidas sobre nanismo. (Foto: Arquivo Pessoal/Facebook)

Compartilhamento de experiências

Proveniente do desejo de orientar as pessoas através da escrita, o blog foi lançado em 2015. Lelei, que é jornalista formada pela Unisinos, possui nanismo e desde a infância sentia a necessidade de se pronunciar sobre o assunto de forma ampla. “A vontade de falar sobre o impacto da diferença e o quanto o convívio é duro muitas vezes fazia parte das conversas com a Marlene, minha irmã, também com nanismo. Encarar uma vida com muitos limites, em uma época em que não se falava em inclusão e acessibilidade, foi desafiador para nós desde a infância. Mas só na maturidade me tornei uma militante da causa.”

Acessibilidade no meio acadêmico

Assim como Lelei, Ediqueli Bianca da Silva, formada em Comunicação Digital pela Unisinos em 2012, também lida com o nanismo de modo natural, porém a falta de acessibilidade incomoda. Diagnosticada com a Síndrome de Mucopolissacaridose (MPS) tipo IVA, chamada de Síndrome de Morquio, que gera retardo do crescimento, ela parou de crescer. “Sabe quando você recebe a informação: é assim e ponto? Aprendi a viver desse jeito e a conviver com as limitações e os olhares curiosos”, relata.

Ediqueli é responsável pelas redes sociais da Record TV de Porto Alegre e às vezes atua como assessora de imprensa, como costuma se apresentar. Na emissora, ela teve que fazer algumas modificações para conseguir trabalhar, como na altura do monitor do computador. “Na verdade tem coisas que a gente se acostuma e outras a gente adapta. Quando estudava na Unisinos havia uma conjunto de classe e cadeira para pessoas com nanismo, mas nunca usei. No dia a dia, sinto falta de elevadores acessíveis, balcões e prateleiras mais baixas nos supermercados”, observa.

Ediqueli posa em frente ao logo da Record, local onde trabalha. (Foto: Álvaro Oliveira)

Para facilitar a vida dos estudantes com nanismo, a Unisinos realizou modificações no campus. “Alguns anos atrás nós tínhamos duas alunas com nanismo, e fizemos adaptações nos sanitários da Escola de Direito e da biblioteca, além de cadeiras para a Escola da Indústria Criativa. A política utilizada foi a mesma dos demais alunos com deficiência”, explica a coordenadora de atenção ao aluno da instituição, Suzana Moreira Pacheco.

Marcelo mostra as dificuldades enfrentadas durante aula prática do curso de Engenharia Civil. (Foto: Arquivo Pessoal)

Já para o estudante de Engenharia Civil da Unisinos Marcelo Fernandes, a altura das pias dos banheiros e dos balcões é algo que atrapalha. “ Preciso fazer um grande esforço para alcançar. Nas cantinas, se não estou acompanhado dos meus amigos, deixo de comer algumas coisas pelo fato de não conseguir pegar”, analisa.

A busca incessante por políticas públicas eficazes

A luta pelos direitos vem ganhando força desde 2016, quando a ativista e presidente da Associação de Nanismo do Estado do Rio de Janeiro (ANAERJ), Kênia Rios, com o apoio de voluntários e por meio do projeto de lei do senador Romário Faria (PSB), reivindicou a criação de uma data no Brasil para o combate ao preconceito contra pessoas com nanismo. Atendendo ao pedido, em 16 de fevereiro de 2016 o Projeto de Lei do Senado (PLS) 657/2015 foi aprovado pelo Senado Federal. O projeto propõe o Dia Nacional do Combate ao Preconceito contra as Pessoas com Nanismo, com a missão de abrir espaço para o debate e conhecimento da deficiência.

No entanto, a lei que institui o Dia Nacional do Combate ao Preconceito contra as Pessoas com Nanismo, Lei 13.472/2017, foi sancionada pelo presidente Michel Temer (MDB) só em 31 de julho de 2017. Oficialmente, o nanismo é lembrado no Brasil e em mais 25 países no dia 25 de outubro, conforme informações contidas no site Somos Todos Gigantes.

A Faders, Fundação de Articulação e Desenvolvimento de Políticas Públicas para Pessoa com Deficiência (PcD) e Pessoa com Altas Habilidades (PcAH) no Rio Grande do Sul, conta com um Núcleo Estadual sobre Nanismo, com a prerrogativa de traçar diretrizes e organizar encontros a fim de debater políticas públicas e acessibilidade. A jornalista Lelei participou do 1° Encontro Estadual sobre Nanismo organizado pela Faders em 2016 e, a partir da experiênci,a propaga reflexões nos eventos em que é convidada a participar.

“Necessitamos de políticas públicas que olhem para as pessoas que têm uma diferença, no sentido de acolhê-las e facilitar a sua vida no cotidiano, tanto no campo pessoal como profissional. É necessário ouvir essas pessoas antes de tudo. Saber do seu problema, das suas angústias, das suas necessidades e das suas prioridades. Só a partir dessa escuta atenta essas políticas poderão ser criadas”, finaliza Lelei.

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Júlia Klaus Bozzetto
Redação Beta

Estudante de Jornalismo da Unisinos, Colunista do Jornal Matéria de Capa, Assessora de Comunicação da Câmara Municipal de Capão da Canoa, entre outros.