Piso salarial da enfermagem anima profissionais e preocupa prefeitos
Projeto de lei prevê um salário abaixo do esperado para a área e impacto aos cofres dos municípios do Estado
O senador Fabiano Contarato (PT-ES) apresentou o projeto de lei do novo piso salarial para os profissionais da Enfermagem, que criará uma visibilidade para a categoria. Mesmo sendo aprovado no Plenário do Senado, o PL 2.564/20 gerou preocupação aos prefeitos gaúchos para saber como o financiamento será realizado para a área.
A proposta inclui o piso na Lei 7.498, elaborada em 1986, e estabelece um pagamento mínimo inicial de R$ 4.750, a partir do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), para os enfermeiros nos serviços públicos e privados. A partir desse valor, a remuneração mínima para os demais profissionais da área é de 70% do piso nacional para os técnicos em Enfermagem e 50% para os auxiliares e parteiras.
O PL foi aprovado na Câmara dos Deputados em maio desse ano, com 449 votos a favor e 12 contra. Após a votação, o projeto seguiu para o Senado como uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC 11/22), garantindo a segurança jurídica ao piso salarial da área. Agora, o texto volta para a Câmara dos Deputados e seguirá apenas para sanção presidencial após a votação da PEC 122/15, do Senado, que impede a União de criar gastos a outros entes federativos sem estar prevista a transferência de recursos para o financiamento.
Caso seja sancionado, o novo piso salarial deve aumentar em até 5,5% os planos de saúde, de acordo com uma pesquisa da CNSaúde (Confederação Nacional de Saúde, Hospitais, Estabelecimentos e Serviços). A pesquisa estima que o gasto das operadoras de saúde seja de, no máximo, R$ 11,4 bilhões, com projeção de repasse entre dois e três anos, se baseando na hipótese que o Congresso não tenha como custear a proposta.
Apesar de algumas regiões já pagarem os profissionais com um valor além do previsto pela lei, a FAMURS (Federação das Associações de Municípios do Rio Grande do Sul) vê um cenário de colapso orçamentário para o Estado. Um estudo da Confederação Nacional dos Municípios (CNM) calcula que o custo será em R$ 244 milhões por ano para as prefeituras do Estado.
O Assessor Técnico da FAMURS, Paulo Azeredo Filho, explica que a federação é a favor da nova implementação do salário aos enfermeiros, mas que os prefeitos se preocupam em como será destinado os valores.
“Falando só nos municípios do Estado, por volta de R$ 240 milhões é um impacto que a gente está visualizando até o momento, porque a gente tem que entender que, além das prefeituras terem os enfermeiros contratados, nós temos, também, técnicos de Enfermagem, auxiliares, e todos eles terão o aumento”, detalha.
Paulo explica, também, que, se as unidades privadas de saúde não reavaliarem seus novos funcionários, eles terão que aumentar os custos de seus serviços e, se isso não for feito, os municípios, consequentemente, terão que financiar esse reajuste.
Além do impacto nos serviços de saúde oferecidos pelas prefeituras, os custos para readequar os pagamentos com o novo piso salarial podem chegar até R$16,31 bilhões para as instituições públicas, privadas e filantrópicas de saúde, de acordo com o deputado federal Alexandre Padilha (PT-SP), relator do grupo de trabalho desenvolvido pela Câmara dos Deputados.
“A FAMURS não é contra o aumento. O que nos preocupou e que nos deixa muito ansiosos com gestores municipais é que, semana passada, o Senado aprovou a proposta, a PEC, e acabou que nós não temos de onde tirar recursos, porque não tem uma fonte ainda decidida pelo governo federal”, relata o assessor técnico da FAMURS.
Primeira vez que a categoria é valorizada
De acordo com o Conselho Federal de Enfermagem (Cofen), o país possui 2,6 milhões de profissionais da enfermagem, sendo 1,5 milhão de técnicos, 642 mil enfermeiros, 440 mil auxiliares e 440 parteiras. No Rio Grande do Sul há, nesse total, 140 mil trabalhadores da área.
A proposta de lei também tem como objetivo ser uma forma de homenagear os profissionais da Enfermagem depois de dois anos atuando na maior crise sanitária atual, de Covid-19. Segundo o Cofen, uma pesquisa de maio de 2021 apontou que cerca de 776 enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem perderam a vida desde o início da pandemia.
O conselheiro federal de Enfermagem, Daniel Souza Menezes, explica que essa é a primeira vez que é implementada uma lei de piso salarial e de carga horária para a categoria, pois a atual legislação, de 1986, teve as duas pautas vetadas na sua regulamentação.
“Essa aprovação tem esse impacto de ser uma vitória histórica, uma vitória retumbante, algo que a profissão nunca teve. Obviamente que os valores que foram aprovados não são os valores ideais, o projeto inicial tinha o valor de R$7.500 pro enfermeiro, mas acabou agora sendo aprovado pra R$4.750”, conta Daniel.
O PL é, segundo o conselheiro, uma garantia de que nenhum profissional de Enfermagem ganhe salários miseráveis: “Essa dívida que o Congresso Nacional tem de valorizar e fazer com que nenhum profissional ganhe salários miseráveis, ao ponto de ter colegas que tem que trabalhar entre dois e três empregos para ter um rendimento mínimo digno de sustentar sua família”.
Para a enfermeira especialista em Saúde Pública, Suelen Lucas, a aprovação do piso salarial é o pontapé inicial para mais mudanças na profissão. Ela concorda que o valor previsto na atual proposta de lei ainda não é o ideal, mas pelo menos trata-se de um avanço na visibilidade da categoria, por mínimo que seja.
Desde janeiro de 2021 atuando na área, a profissional conta que a desvalorização da categoria é algo que já era de conhecimento ainda na época da graduação: “Quando tu convive nos estágios com os profissionais de saúde, e até mesmo os professores, eles nos alertam quanto à desvalorização da categoria”, relata a enfermeira.
Próximos passos
Fora a aprovação do PL, existe um outro obstáculo, que é a autorização, também, de um projeto de financiamento, de uma fonte de recurso pra custear esse novo piso pra categoria. Para a enfermeira, é necessário lutar por essa outra aprovação pois “sem uma coisa, a outra não anda”.
A a categoria visa também conseguir o direito a aposentadoria especial, já que se trata de uma profissão que trabalha com a exposição de agentes químicos, físicos e biológicos, prejudiciais à saúde. Em outubro de 2021, o Senado protocolou o projeto de lei complementar (PLP 174/2021) que regulamenta a aposentadoria especial para os profissionais da Enfermagem e, atualmente, aguarda a designação do relator.
“A enfermagem é uma profissão insalubre, trabalha com agentes insalubres, e com a reforma da previdência, em 2019, a gente ficou sem essas garantias. Então tem uma série de dez e 12 projetos de leis que são do nosso interesse”, explica o conselheiro federal.
De acordo com Suelen, o profissional técnico de enfermagem é o que possui mais riscos de exposição nos serviços de saúde: “Uma profissão que está diariamente correndo risco e se expondo, muito mais até que o próprio enfermeiro, pois o técnico tem mais contato ainda com o paciente”, relata a enfermeira.
Dados do Observatório da Enfermagem apontam que, em 2021, o Rio Grande do Sul foi o segundo estado com o maior número de profissionais da enfermagem contaminados pela Covid-19 desde o início da pandemia, com 3.567 novos casos.
A enfermeira espera que com a visibilidade do piso salarial, mais jovens estudantes se matriculem nos cursos técnicos de Enfermagem, pois durante a pandemia viu muitos colegas desistindo da profissão por conta da exposição ao vírus da Covid-19: “Acho que pessoas que desistiram da área vão retornar e novos profissionais também vão vir com o passar do tempo”’, relata Suelen.
Enquanto espera a votação na Câmara dos Deputados e da PEC 122/15, o presidente Jair Bolsonaro, anunciou que pretende sancionar o projeto do piso salarial da enfermagem, mas aguarda para saber qual será a fonte de recursos.