Plataforma online estimula discussão de pautas políticas

Frente Povo Sem Medo lançou plataforma Vamos! em agosto; especialista comenta ativismo na internet

Fabiano Scheck Ferraz
Redação Beta
5 min readSep 7, 2017

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Em tempos de debates nas redes sociais, agendamento de eventos na internet para protestos na rua e coberturas alternativas de política, surge uma nova plataforma para estimular o ativismo online: a Vamos! Sem medo de mudar o Brasil. Trata-se de um projeto da Povo Sem Medo, frente nacional de mobilização que reúne mais de 30 movimentos políticos e sociais.

Vídeo de apresentação e justificativa do projeto.

O site do Vamos! é dividido em seis eixos, em que qualquer pessoa pode submeter uma proposta de mudança para o eixo escolhido. Além disso, os usuários podem avaliar as propostas já submetidas com ou Concordo ou Discordo ou Passo/Indeciso. Os seis eixos são: Democratização dos territórios e meio ambiente; Democratização da economia; Democratização do poder e da política; Um programa negro, feminista e LGBT; Democratização da comunicação e da cultura; Democratização da educação e da saúde.

Natalia Szermeta, militante do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto — MTST e da frente Povo Sem Medo enfatiza que o Vamos! não trata-se apenas da plataforma online. Além do site, o projeto também conta com um ciclo de debates presenciais por todo o território nacional. “Nosso formato de programa também é de debater em praças públicas, ambientes abertos, com microfone aberto para as pessoas falarem suas posições, fazerem perguntas e reflexões”.

Evento de lançamento do Ciclo de Debates Vamos! aconteceu no dia 28 de agosto em São Paulo e reuniu centenas de pessoas, além de personalidades políticas. Da esquerda para a direita: o jornalista Leonardo Sakamoto; a ativista do Fora do Eixo/Mídia Ninja, Dríade Aguiar; a líder indígena na Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Sônia Guajajara; o deputado estadual do Rio De Janeiro, Marcelo Freixo (PSOL); o coordenador do MTST — Movimento dos Trabalhadores Sem Teto, Guilherme Boulos; a deputada federal Luiza Erundina (PSOL); o vereador de São Paulo, Eduardo Suplicy (PT). FOTO: Mídia NINJA.

Pelo menos sete debates já estão confirmados, que acontecerão nas cidades: São Paulo — SP (12/9), Rio de Janeiro — RJ (21/9), Porto Alegre — RS (30/9), Fortaleza — CE (7/10), Belém — PA (21/10), Belo Horizonte — MG (11/11) e Recife — PE (2/12). Todos os eventos são abertos à população. Mais informações podem ser conferidas na página da Povo Sem Medo no Facebook.

Natalia explica que a Frente vem acumulando mobilizações e refletindo sobre qual programa de governo deve ser defendido pela esquerda política. “É necessário pensar e propor novos modelos econômicos de enfrentamento à elite e aos privilégios de uma certa casta. Se eles não forem enfrentados, o problema da desigualdade social no Brasil dificilmente se resolverá”, diz.

Ela anuncia que a Frente optou por uma plataforma online colaborativa, pois acreditam que é preciso um programa que envolva toda a sociedade. “Queremos participação e discussão de todas as pessoas. Soluções pensadas de forma ampla”. Natalia afirma que eles se diferenciam de outras frentes e organizações justamente por isso, pois estas outras geralmente trazem ideias prontas de alguns acadêmicos e intelectuais e não propõem um debate com toda a sociedade.

A militante salienta que o Vamos! é uma tentativa de renovação e reinvenção da esquerda política. “Há um vácuo na política brasileira e a direita tem se aproveitado disso. A direita disfarça-se com anti-política, traz visões que dizem ser ‘o novo’ e traz empresários. A esquerda não pode mais ficar assistindo a isso parada. É necessário que nos reinventemos e também apresentemos novas formas de fazer política”, afirma.

Natalia ainda diz que o Vamos! não é um debate pautado nas eleições de 2018, mas que a frente Povo Sem Medo traz uma discussão para ir além disto. “A provocação do Vamos! é pensar o que queremos pelos próximos dez ou vinte anos. Pensar a esquerda a médio e longo prazo”.

Proposta de Everton Souza submetida no eixo de Democratização da comunicação e da cultura no Vamos!. Foto: Reprodução do site.

O paulistano Everton Souza é uma das pessoas que já contribuiu com propostas na plataforma Vamos!. “Participo ativamente na luta contra o golpe, acompanho notícias e mobilizações da frente Povo Sem Medo de São Paulo e acabei conhecendo o Vamos!. Acho que é uma iniciativa válida para construir uma síntese de propostas e reivindicações como forma de pressão social”, explica.

As “frentes”

Ronaldo Souza Schaeffer, graduando de Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul — UFRGS, possui uma trajetória de militância. Ele faz parte do Levante Popular da Juventude e também acha a iniciativa da frente Povo Sem Medo válida e atenta para a questão de frentes políticas.

Ele reflete que o surgimento de frentes são importantes no cenário atual, pois há uma crise de confiança em partidos e as frentes podem ser novas maneiras de representação.

Apesar da Povo Sem Medo concentrar diversos movimentos sociais, existem outras com propostas diferentes. Um exemplo é a Frente Brasil Popular, da qual Ronaldo participa. “Esta frente possui um plano popular de emergência para resolver determinadas demandas e não chega a ser uma transformação radical do país. Propomos soluções para o que o Brasil precisa agora. A frente Povo Sem Medo pensa um pouco diferente. Eles são uma parcela da esquerda, mas não é a maioria da esquerda”, comenta o ativista.

O ativismo online do ponto de vista das Ciências Sociais

Thiago Falcão. Foto: Arquivo pessoal.

Com estudos sobre ativismo online, Thiago Falcão é doutorando no Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas (PPGCS/IFCH/Unicamp), mestre em Antropologia Social e graduado em Ciências Sociais pelo mesmo instituto.

Abaixo, o comentário do antropólogo.

“A internet trouxe um potencial de mobilização não esperado anteriormente, em especial com a utilização das mídias sociais, as mobilizações passaram a surgir com uma alta rapidez e intensidade.

Se olharmos para a Primavera Árabe, Occupy Wall Street, Indignados na Espanha, e até mesmo os protestos de junho de 2013, podemos ver como essas movimentações foram articulados fortemente pela internet. Com as redes sociais desempenhando um papel primordial não só em agregar pessoas, mas também na difusão de informação fora dos canais oficiais.

Apesar desses movimentos borrarem a fronteira do online e do offline, uma vez que muitas das pessoas foram as ruas reivindicar seus direitos, os movimentos que operam totalmente no online mostram que é possível sim conseguir algumas mudanças. Campanhas como a hashtag #meuprimeiroassedio possibilitam colocar em pauta temas como assédio, violência e feminismo, e mostrar para diversas pessoas, em especial mulheres, que talvez aquela cantada recebida na rua não seja, de fato, um elogio”.

Thiago também ressalta outro ativismo com forte potencial: as petições online. Qualquer pessoa pode criar uma petição e engajar pessoas para alguma mudança. O resultado positivo pode reverter situações de problema. “Desse modo, o uso da internet para discutir temas diversos e fazer política possibilita que as pessoas se sintam envolvidas no cotidiano da política, algo que atualmente parece muito afastado e extremamente burocrático para a maioria das pessoas”, afirma.

Em contrapartida, o antropólogo alerta para fato de que a internet possibilita que grupos conservadores e até mesmo fascistas angariem pessoas para suas pautas.

Enfim, Thiago diz que não é mais possível ignorar o potencial mobilizador e transformador que os ativismos online apresentam, pois eles já estão em nosso cotidiano e afetam nossas vidas. “A organizações políticas precisam se adaptar e dialogar, caso não queiram ser encobertas pelos novos atores e pautas sociais que despontam através da internet”, pontua.

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