PM nas ruas como sinônimo de segurança

Projetos apresentados pelo Governo do Estado focam no aumento de efetivo da Brigada Militar e outras corporações; sociólogo avalia medidas como rasas

Anderson Guerreiro
Redação Beta
7 min readDec 4, 2017

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Governador José Ivo Sartori durante o anúncio das 19 proposições. (Fotos: Rodrigo Ziebell/SSP)

Durante um ano, técnicos da Secretaria de Segurança Pública do Rio Grande do Sul estudaram possibilidades de diminuir os índices de criminalidade no Estado. Para isso, estudaram ações que poderiam ser postas em prática sem a necessidade de grandes aportes financeiros e dentro das possibilidades que a legislação permite. No final de novembro, uma série de projetos foi apresentada pelo governo como sendo um pacote de medidas para diminuir a sensação de insegurança.

No primeiro semestre de 2016 o número de homicídios cresceu 20% em Porto Alegre e 6% no Rio Grande do Sul. Em agosto do mesmo ano, cerca de 200 agentes da Força Nacional de Segurança foram enviados para o Estado a fim de conter a escalada da violência, perceptível até na mudança de hábitos dos cidadãos. A troca no comando da Secretaria de Segurança ocorreu na mesma época, com a saída de Wantuir Jacini e a entrada de Cezar Schirmer. Um ano e meio após seu início, o governo Sartori dava, então, sinais de reação ante o aumento do número de homicídios, latrocínios, roubos de carros e outros crimes. Agora, um ano depois, o governo apresenta 19 projetos de lei e, com eles, pretende ampliar o enfrentamento ao crime.

O anúncio do pacote de projetos da Secretaria de Segurança Pública foi feito com uma considerável pompa na tarde de 23 de novembro. O Salão Negrinho do Pastoreio, no Palácio Piratini, recebeu diversas autoridades, entre secretários de Estado, deputados estaduais, lideranças da Polícia Civil e Brigada Militar e o governador José Ivo Sartori (PMDB). Segundo o governo, foi o maior conjunto de projetos na área da segurança nos últimos 30 anos. Seu conteúdo, no entanto, pode representar poucas mudanças no cenário de combate à criminalidade.

A maioria dos projetos visa o aumento do efetivo das corporações, principalmente da Brigada Militar. Em julho de 2017, o governador anunciou um concurso público para preenchimento de 6,1 mil vagas na área da segurança, sendo 4,1 mil para novos soldados da Brigada Militar. Em abril, chamou 500 brigadianos aposentados para voltarem à ativa em serviços de videomonitoramento e administrativos. No mesmo mês, o governo contratou 421 policiais militares que haviam sido aprovados em concurso público e, na mesma linha, mais 530 em agosto de 2016.

Agora, com o pacote anunciado, o governo pretende reforçar esses números. A maioria dos projetos do pacote se destina ao aumento de efetivo, com foco na Brigada Militar. Um deles cria o Programa Mais Efetivo, que pretende trazer novamente à ativa policiais que já estão aposentados. Eles receberão R$ 2.400, além da aposentadoria. O objetivo do governo é disponibilizar brigadianos da ativa no policiamento ostensivo e usar o reforço dos inativos em funções administrativas e burocráticas. Nesta mesma linha, o governo pretende contratar, para os quadros da segurança, egressos das Forças Armadas, que teriam o mesmo destino dos PMs inativos que aceitarem voltar à corporação. O projeto prevê que a remuneração dos recém-saídos do Exército será de R$ 3.287,33, o equivalente a 80% do salário de um soldado da Brigada Militar. No Corpo de Bombeiros, Instituto Geral de Perícias e Susepe, projeto semelhante deve ser implementado.

O subcomandante geral da Brigada Militar, coronel Mário Ikeda, avalia que o maior problema da BM, atualmente, é a falta de efetivo. O número de policiais militares, principalmente no policiamento ostensivo, caiu nos últimos anos em virtude das muitas aposentadorias e do ingresso de novos soldados em número menor. “Muitos completaram o tempo de serviço e já pediram aposentadoria. Outros foram motivados por inseguranças em relação à Previdência, principalmente sobre as garantias que se teria para a permanência na função”, afirma Ikeda.

Em 2015, o efetivo da Brigada Militar era de 20 mil policiais, e em 2012, ultrapassava os 24 mil. Hoje, a BM tem cerca de 19 mil policiais, ainda contando com bombeiros, segundo dados do começo de 2017. No entanto, cerca de 25% deste número não faz policiamento ostensivo. Através de dados de pessoal da Secretaria da Fazenda do Estado, a Fundação de Economia e Estatística (FEE) estabelece um ranking sobre a quantidade de policiais para cada mil habitantes no Rio Grande do Sul. Nos últimos 15 anos, o número de policiais por mil oscilou entre 2,25 e 2,5, até 2013, quando a queda no efetivo realmente começou a aumentar. Os últimos dados, dispostos na Sinaleira 2020, mostram que em 2016 o Rio Grande do Sul terminou o ano com 1,83 policiais para cada mil habitantes, muito distante dos 3,1 da meta estabelecida pelo número ideal de PMs no Estado, que totalizaria 32.230 policiais, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2017.

Outros dois projetos do governo preveem a contratação de profissionais de nível superior em diversas áreas, como administração, engenharia, contabilidade e informática, e de jovens de nível médio para atividades administrativas e de atendimento ao público. A ideia, com as duas medidas, é também liberar brigadianos que hoje desempenham essas funções para que passem a atuar na atividade-fim da Brigada, o policiamento de rua e o apoio a operações da Polícia Civil, basicamente. O governo também pretende aumentar, em 20%, o valor do abono dado a policiais que se mantiverem na corporação mesmo após já terem direito a aposentadoria. Ele varia de acordo com o nível do PM, mas não pode ser inferior a R$ 1.500. O abono dado a policiais que já estavam inativos e decidirem voltar à corporação é de R$ 1.800.

Brigada Militar no Centro de Porto Alegre.

Quando o aumento do efetivo é a maior meta

Os números falam por si. É inegável que a Brigada Militar precisa de mais policiais na sua corporação. As discordâncias iniciam quando o foco do governo recai, com mais força, para o aumento do efetivo como maior medida de combate aos crimes. Ikeda defende que o reforço no efetivo se traduz em mais segurança. “Com polícia na rua, as pessoas se sentem mais seguras, aumenta essa sensação”, afirma.

O sociólogo Marcos Rolim, especialista em segurança, entende que os caminhos para a redução da criminalidade passam pelo debate de outras iniciativas e que o aumento do efetivo policial poderia se somar a isso. “O problema central mesmo é a inexistência de uma política de segurança pública no Rio Grande do Sul. A gente segue pensando segurança exclusivamente em termos de polícia e prisão. Segurança pública, para os gestores, como foi também nos governos passados, é como ter mais polícia, como prender mais”, destaca Rolim.

O Estado não divulgou estimativa sobre o tamanho do reforço de efetivo que esses projetos podem representar. Apesar de ressaltar a importância do pacote e do deslocamento de policiais para atividades de rua, o coronel Mario Ikeda reforça a relevância dos 4,1 mil brigadianos que deverão preencher as vagas do futuro concurso da área da segurança. “Com 4,1 mil teremos um acréscimo muito significativo na corporação e, apesar de não haver uma definição de quando isso ocorrerá, certamente os novos brigadianos serão direcionados às cidades com maiores índices de criminalidade, como a Região Metropolitana de Porto Alegre e Vale dos Sinos, além de Pelotas, Santa Maria e outros municípios”, destaca.

O sociólogo Marcos Rolim acredita que o entendimento do Estado de se empenhar apenas no reforço dos efetivos está custando caro. “Essa receita leva a um aumento exponencial do número de presos, em geral são prisões efetuadas na rua e, portanto, não são as pessoas efetivamente mais perigosas, que praticam os crimes mais graves. Ao pensar em aumento de efetivo e aumento de vagas em prisões, o governo pensa em mais do mesmo”, destaca Rolim. Ele entende, ainda, que mesmo quando se quer encarcerar mais, é preciso pensar quem que se quer prender. “Prender meninos envolvidos com o tráfico de drogas não altera em nada a situação, só piora. Não consigo criar nenhum problema para o tráfico porque essa mão de obra é rapidamente reposta”, comenta.

A Beta Redação tentou, por mais de uma semana, contato com o secretário de Segurança, Cezar Schirmer. Conforme sua assessoria, o secretário não pôde atender a reportagem por questões de agenda.

Outros projetos

O governo quer criar um Fundo Comunitário Pró-Segurança a fim de receber doações da sociedade. O projeto prevê que o valor arrecadado não vá para o Caixa Único do Estado, destinando-se apenas à cooperação de ações na área da segurança.

Outro projeto cria a Subsecretaria de Administração Prisional, que terá como missão atender de maneira mais rápida às demandas do setor prisional. A atuação ocorrerá em paralelo à da Susepe. Nesse mesmo projeto, o governo extingue 98 CCs/FGs e cria outros 15.

O Piratini também pretende isentar o ICMS na compra de veículos e equipamentos como armas, munições, coletes etc. que serão doados à segurança pública por cidadãos comuns.

Uma outra proposta prevê o cancelamento do cadastro na Receita Estadual de qualquer estabelecimento envolvido com compra, venda ou estocagem de produtos envolvidos em roubo, furto, apropriação indevida ou receptação de cargas.

A SSP também pretende legalizar o processo de doação de animais que já não conseguem mais servir às forças de segurança, principalmente cães e cavalos. O objetivo é que entidades sem fins lucrativos adotem os animais.

Confira a lista completa das 19 proposições.

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