Políticas afirmativas avançam, mas universidades ainda reproduzem desigualdades
Dos 2,1 milhões de pessoas declaradas pretas e pardas no RS, apenas 16,7% alcançam a universidade
No mês de maio se completa 135 anos da assinatura da Lei Áurea. Contudo, desde 1888 o Brasil pouco avançou na implementação de políticas afirmativas, inclusive no setor educacional. De acordo com os dados de uma pesquisa realizada pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), o Estado tem cerca 2,1 milhões de pessoas declaradas pretas e pardas, mas somente 16,7% chegaram a ingressar no ensino superior. Para os brancos, o índice é de 31,8%.
“Os impactos positivos das políticas de inclusão, que ampliaram as oportunidades da população negra, ainda não foram suficientemente capazes de diminuir as desigualdades enraizadas”, aponta a professora Izete Pengo, pesquisadora da PUCRS.
Leis para a inserção de políticas
Sancionada em 2012, a Lei de Cotas é resultado de um conjunto de lutas sociais por parte do Movimento Negro ocorridas durante décadas antes da sua promulgação. Em 2002, a Universidade Estadual da Bahia (UNEB) e a Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) tornaram-se precursoras na implementação de ações afirmativas para o ingresso de pessoas negras no ensino superior.
Já no âmbito federal, a Universidade de Brasília (UnB) é vanguardista, adotando as políticas de cotas desde 2004. A lei garante a reserva de 50% das vagas em instituições de ensino federal para grupos historicamente excluídos — negros, indígenas, estudantes de escola pública e pessoas com deficiência e de baixa renda.
Outra lei fundamental na consolidação de políticas afirmativas completa duas décadas em 2023 e instituiu a obrigatoriedade do estudo da História e Cultura da África e Afro-Brasileira no âmbito dos sistemas de ensino da educação nacional. A relatora da lei foi a professora gaúcha de Letras Petronilha Gonçalves.
Liege Barcelos, 37 anos, é mestranda em Ciências da Comunicação na Unisinos e ingressou na faculdade de Jornalismo, em 2012, através de bolsa concedida pelo Prouni. “Venho de uma família muito humilde. Quando finalizei o ensino médio, não tinha condições de entrar no ensino superior sem bolsa. Entrei tardiamente e, mesmo com bolsa, foi bem difícil conciliar estudos e trabalho”, detalha.
Em 2021, Liege conquistou uma bolsa integral para cursar o mestrado. "Somente a bolsa está me permitindo fazer pesquisa. Sabemos quem está na base da pirâmide. Estou tentando contribuir e levar um pouquinho de mim, além de defender uma pauta que é tão importante”, destaca a jornalista.
NEABI nas universidades
O Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros, Indígenas e Africanos surgiu dentro das universidades com o objetivo de produzir, difundir e promover ações de ensino, extensão e pesquisa, explicitamente voltadas aos estudos afro-brasileiros, indígenas e africanos.
O professor de Física e coordenador do Neabi da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Alan Alves de Brito, atua na universidade desde 2014, quando foi inaugurado o Neabi da UFRGS. Ele é egresso de escola pública e o primeiro integrante da família a conquistar um diploma universitário. Apesar de perceber avanços na discussão sobre políticas afirmativas na universidade, ele ainda projeta inúmeros desafios.
“Enfrentamos vários problemas, que defino como racismo institucional. Até hoje, por exemplo, não temos um espaço físico para chamar de nosso. Em relação aos números, ainda não temos tantos estudantes negros. De acordo com os dados de quatro anos atrás levantados pelo Departamento de Física, quase 95% da UFRGS ainda era branca”, enfatiza.
Alan acredita que será preciso encampar muitas lutas até conseguirem uma equidade maior entre brancos e negros. “Temos pouco tempo de políticas afirmativas frente a 350 anos de um sistema perverso de escravidão. Não vamos admitir retrocessos, então [o caminho] é seguir promovendo cada vez mais a inclusão. Temos que construir um futuro diferente, garantindo cidadania para a maioria da população, que tem sido historicamente excluída”, ressalta.
A estudante de Geografia da Universidade Luterana do Brasil (Ulbra) e de Biblioteconomia da UFRGS, Mariane Franco, de 24 anos, participa do NEABI da Ulbra/Canoas. Ela conseguiu a bolsa para cursar a faculdade privada através do Programa Universidade para Todos (Prouni).
“Infelizmente, não temos um grande número de universitários negros. Acredito que a ampliação da entrada de pessoas negras possibilitou a presença de mais pessoas como eu na graduação. Mesmo assim, na UFRGS, ainda sou a única estudante negra em meio a 50 alunos. Também não basta apenas a política de inserção de mais pessoas negras, mas é necessário dar suporte para elas permaneçam e se formem”, defende.
O coordenador do curso de Jornalismo da Faculdade de Comunicação Social da PUCRS, Deivison Campos, aponta que as políticas afirmativas possibilitaram a ampliação da presença de negros nas universidades e, consequentemente, tensionaram as instituições por maior pluralidade.
“Uma maior possibilidade de estudantes negros se formarem também levou este tensionamento para a pós-graduação, levando ao aumento de professores negros nas universidades. Então, as políticas afirmativas têm transformado o contexto das universidades”, finaliza.