Polarização política chega a Notre-Dame
Incêndio na famosa catedral francesa resultou em uma série de mobilizações que não ocorreu em outras catástrofes semelhantes
Você deve ter lido sobre o incêndio na Catedral de Notre-Dame, em Paris, que aconteceu no dia 15 de abril. Se utilizou alguma rede social nos dias seguintes a tragédia, deve ter percebido uma certa polarização política nas plataformas digitais. São textos, análises e simples opiniões que contrastam o caso com outros semelhantes, reivindicando a garantia de direitos humanos.
Com a grande sensibilidade e o número expressivo de doações para Notre-Dame, algumas pessoas utilizaram as redes sociais para contrapor a mobilização em torno da igreja com outras catástrofes do mundo inteiro. No Brasil, por exemplo, ocorreu um incêndio no Museu Nacional em setembro de 2018, no qual foram arrecadados cerca de 965 mil reais em de sete meses — 3875 vezes menor do que o total recebido por Notre-Dame.
A grande questão não é comparar qual desastre causou mais impacto na sociedade, e sim a polarização das redes sociais em cima de casos semelhantes, mas com desdobramentos diferentes. A gaúcha Lily Safra, realizou uma doação de R$ 88 milhões para a reconstrução de Notre-Dame, atitude que não agradou uma parcela dos brasileiros. Ela foi cobrada pela falta de doação para o Museu Nacional, quando atingido por um incêndio, em setembro de 2018.
Apesar de participar de inúmeras atividades filantrópicas e investir sua fortuna nas causas que acredita aqui no país, ela se defendeu falando que tinha relação especial com a França e seus lugares históricos. Na declaração Lily deu a entender que a história do Brasil, exposta no Museu Nacional, não fosse tão rica ou valorizada quanto a do país francês.
Mas afinal, o que explica essa disparidade?
O cientista político e professor dos cursos de Relações Internacionais e de Jornalismo da Unisinos, Bruno Lima Rocha, foi questionado pela Beta Redação sobre o contraste que aconteceu entre as mobilizações e reações dos incêndios do Museu Nacional do Rio de Janeiro e a Catedral de Notre-Dame. Segundo ele, existe uma espécie de colonialismo no pertencimento. Ou seja, uma série de brasileiros que se entendem como europeus ou anglo-saxões. E por causa disso, eles se sentem na obrigação de realizar doações para desastres como a Catedral de Notre-Dame, assim como no caso da família Safra.
A falta de sensibilização com o patrimônio histórico do Brasil reflete nessa grande diferença entre os valores encontrados em um país e em outro. No governo do ex-presidente Michel Temer (MDB), houve um corte de 43% no orçamento do Ministério da Cultura, interferindo na manutenção e conservação de museus brasileiros.
De acordo com Bruno, existem inúmeras alternativas que podem servir para modificar a disparidades sociais, mas destaca que é necessário realizar uma revisão história do Brasil. “É um desafio que a gente tem desde a independência de não se posicionar de costas para América Latina e para o próprio Brasil. É fundamental e que deve ser tratado como tantos outros, como por exemplo, o feminicídio. Precisamos fazer uma revisão da história do país e com isso, criar políticas públicas e ações para reverter essa situação”, afirma.
Casos citados nas comparações
A Guerra na Síria, o incêndio que aconteceu no Museu Nacional do Rio de Janeiro ou os desastres ambientais de Moçambique, Malawi, Zimbabwe e Madagáscar, são alguns dos exemplos de casos comparados com o de Notre-Dame.
Erguida no marco zero da capital francesa e considerada o berço do espiritismo, a Catedral de Notre-Dame recebeu — em menos de um dia — mais de 600 milhões de euros (ou R$ 2,6 bilhões) para a reconstrução da estrutura afetada pelo incêndio no mês passado. Entre as diferentes campanhas de doação, a principal iniciativa foi realizada pelo presidente francês, Emmanuel Macron.
Já o ciclone Idai matou mais de 600 pessoas só em Moçambique, além de destruir os países de Malawi, Zimbabwe e Madagáscar, afetando mais de 1,5 milhões de pessoas e deixando um prejuízo de dois milhões de euros. Ao contrário de Notre-Dame, as doações foram realizadas somente dias depois da catástrofe de 18 de março, totalizando um valor de 57 milhões de euros — quantidade 16 vezes menor que a obtida pela igreja francesa.