Coletiva de imprensa da bancada negra, em frente ao supermercado Carrefour, em Porto Alegre. Da esquerda para a direita: Laura Sito (PT), Daiana Santos (PCdoB), Bruna Rodrigues (PCdoB), Karen Santos (PSOL) e Matheus Gomes (PSOL) (Foto: Lucas Leffa)

Porto Alegre elege primeira bancada negra na história da cidade

Os vereadores eleitos participaram no Dia da Consciência Negra de uma coletiva sobre o assassinato de João Alberto no supermercado Carrefour

Carol Steques
Redação Beta
Published in
6 min readNov 25, 2020

--

Nas últimas eleições municipais de Porto Alegre, em 2016, apenas quatro mulheres foram eleitas vereadoras, nenhuma negra. Já nas eleições deste ano, a cidade teve uma importante conquista para a diversidade da sua representação: elegeu cinco vereadores negros, maior número da história da capital. Bruna Rodrigues (PCdoB), Daiana Santos (PCdoB), Karen Santos (PSOL), Laura Sito (PT) e Matheus Gomes (PSOL) compõem o que tem sido considerado a primeira bancada negra em Porto Alegre.

Com 15.702 votos, Karen Santos (PSOL), professora de Educação Física e defensora da igualdade de direitos, tornou-se a vereadora mais votada entre todos os candidatos. Para ela, estes foram votos de esperança e aposta na amplificação de vozes: “Isso é fruto de um processo que não começou conosco, nem nessa campanha, é uma luta histórica do movimento de mulheres e do movimento social negro para que a gente pudesse estar nos espaços de poder”. Nas eleições de 2016, Karen concorreu a vereadora da capital, ficando como suplente e assumindo a vaga em 2019. Na época, era a única vereadora negra da Câmara.

Ela conta que para o novo mandato as expectativas são de muito trabalho, pois enfrentará uma cidade em crise, lutando pela vacina contra o novo coronavírus, para assim ter uma expectativa do crescimento econômico e geração de renda. Acredita que a esquerda apareceu mais forte na Câmara pela vontade de mudança do povo, confiando em um voto antirracista e feminista e apoiando candidaturas com este perfil: “A nossa campanha falou muito sobre os direitos sociais e isso perpassa a questão racial, mas é a luta do transporte, a luta da moradia, a luta do saneamento. Não é só a discussão do racismo cultural, do racismo simbólico nos espaços de poder. A gente sempre parte do debate econômico, do debate da segregação e, a partir daí, acredita em um diferencial, inclusive das outras candidaturas negras da cidade. Conseguimos debater o racismo de um ponto de vista periférico, da luta pelos direitos e da compreensão da sociedade”, explica Karen.

“É a primeira vez que Porto Alegre elege uma bancada negra. Isto por si só já é um recado da população para o parlamento municipal, e este recado se tornou ainda mais potente, porque a vereadora mais votada é uma mulher negra! Todos os vereadores negros têm no seu programa político uma extensa lista de projetos de políticas públicas voltadas para a população negra”, declarou Daiana Santos (PCdoB), sanitarista, educadora social e representante da periferia, eleita com 3.715 votos.

Daiana é idealizadora e coordenadora do Fundo de Amparo ao Combate à Fome para Mulheres em Porto Alegre que tem como objetivo atender mulheres chefes de família em situação de vulnerabilidade. A vereadora eleita conta que o projeto começou no início do período de pandemia e isolamento social na capital. Para ela, esse momento serviu para escancarar uma realidade que já se encontra há tempos nas periferias, e que se tornou inevitável não reconhecer o tamanho da desigualdade que temos nesses espaços. Uma grande parcela da população, mesmo com a ajuda pontual dos governos, teve pouco amparo do poder público, e a reversão deste cenário é justamente fazer com que as políticas possam atender as pessoas que estão em piores condições sociais.

Daiana Santos conta que já atuou em diversos projetos para a população em situação de rua, e quer garantir que haja recursos para ampliar as políticas para esta população, desde o atendimento em saúde, segurança alimentar, aumento de vagas em albergues e ampliação do aluguel social.

Bruna Rodrigues (PCdoB) — feminista, antirracista, mãe, cotista da UFRGS em Administração Pública e Social — foi eleita com 5.366 votos, e acredita que a sua vitória é coletiva, sendo de todos e todas que acreditam na construção de uma cidade melhor, com mais representatividade no poder público.

“Pedimos licença pra chegar, pois a nossa vitória é fruto da luta ancestral de negras e negros gaúchos. Somos a bancada negra da Câmara de Vereadores de Porto Alegre, o bonde da esperança chegando de todos os cantos da cidade, cada um carregado de muita resistência. Viemos para mostrar que o combate ao racismo estrutural é o único caminho para a construção de uma cidade igualitária e democrática. Que o Pai Bará abra os caminhos para as lutas que virão, pois esse é apenas o começo!”, declarou Bruna em seu Facebook.

Matheus Gomes (PSOL) foi o único homem negro a ser eleito em Porto Alegre, com um total de 9.869 votos, tendo sua campanha articulada por jovens negros, pretendendo representar a periferia na Câmara da capital. Assim como Karen, Matheus participa da luta em favor da política de cotas na universidade, desde 2009.

Ele explicou em suas redes sociais que o que o fez atingir quase 10 mil votos foi a aposta em uma candidatura-movimento: “Iniciamos a campanha com mais de 500 pessoas engajadas em sete frentes de trabalho, com a participação de oito coletivos”. Ele conta também que outro elemento da campanha foi a relação com as redes sociais. “O nosso desafio é levar essa lição para o mandato e mostrar a viabilidade desse novo tipo de representação”, concluiu o vereador eleito.

Laura Sito (PT), jornalista, servidora do município e Vice-presidente do Partido dos Trabalhadores na capital, foi eleita com 5.390 votos. Algumas de suas lutas são a defesa do direito à vida e o combate ao racismo. “Agradeço a todas e todos que estiveram junto com a gente, nós fizemos história! Percorremos toda a cidade, de bairro em bairro, espalhando esperança e reafirmando o nosso compromisso com uma cidade melhor para todos, com dignidade e respeito às pessoas e às periferias”, declarou Laura no Instagram.

Já diz Elza Soares: “A carne mais barata do mercado é a carne negra”

No domingo, dia 15, os porto-alegrenses elegeram a maior quantidade de vereadores negros da história da cidade em uma mesma eleição, e, na mesma semana, a capital recebeu a notícia de uma barbárie: um homem negro, de 40 anos, teria sido assassinado no supermercado Carrefour, localizado no Passo D’Áreia, por um segurança terceirizado do local e um Policial Militar temporário.

No dia 20 de novembro, data de comemoração do Dia da Consciência Negra, ao invés da população ser impactada nas redes sociais com mensagens de apoio à luta antirracista e de solidariedade à data, as pessoas se depararam com a notícia do assassinato de João Alberto Silveira Freitas. Assim como aconteceu com George Floyd, em maio deste ano, nos Estados Unidos, há relatos de que Beto, como era conhecido, pedia por socorro e tentava respirar enquanto um dos seguranças o sufocava com o joelho em suas costas. As duas situações têm uma coisa em comum: ambos os homens eram negros.

A bancada negra de vereadores se reuniu nesta sexta-feira, em frente ao supermercado, para repudiar o fato e lutar por justiça. Originalmente, a coletiva de imprensa seria realizada no comitê da candidata à prefeitura de Porto Alegre, Manuela D’Ávila (PCdoB), para comemorar a data e a primeira frente negra. Porém, a mudança de local foi feita com a intenção de mostrar solidariedade e empatia, além de cobrar por justiça. “A nossa luta é marcada pela resistência. A nossa luta também é marcada pela solidariedade”, declarou Karen Santos, que afirma que a sociedade foi construída em cima do racismo estrutural e que a justiça deve ser exigida. “A gente tem que se solidarizar em primeiro lugar, e estamos aqui também para dizer que não vamos aceitar nenhuma relativização sobre o que aconteceu. As imagens dele sendo espancado dentro deste supermercado estão girando o Brasil e o mundo, e está nítido o que aconteceu ali. Quem é homem ou mulher negra sabe o quão inseguro é andar dentro de um supermercado “, complementou Matheus Gomes.

Em novembro de 2019, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgou o estudo “Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil”, mostrando que a taxa de homicídios entre jovens chega a 98,5 por 100 mil habitantes entre pessoas pretas ou pardas de 15 a 29 anos. Já entre jovens brancos na mesma faixa etária, a taxa de homicídios é de 34 por 100 mil habitantes. Para Laura Sito, “infelizmente é mais um de nós que a família tem que ir até o Instituto Médico Legal (IML) reconhecer o corpo. Vida ceifada de uma forma brutal em razão da violência”. Em sua blusa preta, Laura traz os dizeres “Lute como Marielle Franco”, salientando Marielle, vereadora do Rio de Janeiro, pelo PSOL, mulher negra, nascida na favela, ativista e lésbica que foi cruelmente assassinada em março de 2018.

Na última sexta-feira, dia 20, desde as 18h, ocorreram protestos em frente ao Carrefour Passo D’Áreia, em Porto Alegre, assim como por quase todo o país, pedindo justiça, igualdade e respeito. Já na última segunda-feira, dia 23, os protestos aconteceram no Carrefour localizado no Partenon, na capital. O Dia da Consciência negra em 2020 tornou-se um dia de luta.

--

--