Prefeitura prepara licitação para recuperar fachada da Casa Azul

Imóvel centenário do Centro Histórico é alvo de disputa entre herdeiros e o poder público

Paulo Egídio
Redação Beta
5 min readNov 6, 2018

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PGM obteve liminar garantindo posse provisória do edifício histórico (Foto: Joel Vargas/PMPA/Divulgação)

Depois de obter na Justiça a posse provisória do prédio histórico conhecido como Casa Azul, no centro de Porto Alegre, a prefeitura da Capital prepara uma licitação para contratar a empresa que deve efetuar uma obra emergencial para a recuperação da fachada do imóvel. Com risco de desabamento, que motivou inclusive o bloqueio de ruas do entorno, a propriedade é alvo de disputa entre o poder público e os herdeiros de Emílio Granata há quase vinte anos.

Localizada em um dos pontos nevrálgicos do centro da capital, no cruzamento das ruas Riachuelo e Marechal Floriano Peixoto, a Casa Azul foi considerada pela Equipe do Patrimônio Histórico e Cultural (Epahc) como Imóvel Inventariado de Estruturação — categoria que impede sua destruição ou demolição. Na prática, a construção, que tem estilo arquitetônico eclético e é datada do final do século XIX, acumula dívidas tributárias, tem a parte térrea isolada por tapumes e causa perigo a quem circula pelas suas proximidades.

No final de agosto, a juíza Cristina Luisa Marquesan da Silva, da 1ª Vara da Fazenda Pública de Porto Alegre, atendeu a um pedido da Procuradoria-Geral do Município (PGM) e, em decisão liminar, deu posse da edificação à prefeitura. Com isso, o Executivo foi autorizado a tomar medidas como a limpeza, retirada de moradores de rua e, principalmente, a execução de obras emergenciais para assegurar a estabilidade estrutural da fachada. A prefeitura chegou a pedir também a declaração de abandono e arrecadação do imóvel — o que, na prática, significa ficar com o prédio sem ressarcir os proprietários.

Logo após a obtenção da liminar, foi iniciado o projeto para a recuperação da fachada. “As secretarias municipais da Infraestrutura e Mobilidade Urbana (Smim) e da Fazenda estão trabalhando em ajustes técnicos do edital de licitação. O projeto foi elaborado pelos técnicos da Smim”, explica a PGM, por meio de nota.

No momento, não há previsão de julgamento do mérito da ação, ou mesmo do pedido para a declaração de abandono. De acordo com a PGM, “caso a Justiça declare o imóvel abandonado e este passe a ser propriedade do Município, serão analisadas as possibilidades para recuperação”. Além das más condições, a Casa Azul acumula uma dívida de aproximadamente R$ 275 mil em IPTU e de taxa de coleta de lixo.

Apesar de ter importância história reconhecida, a edificação chegou a ter a demolição autorizada pela Justiça em 2016, em ação movida pelo Ministério Público Estadual. No entanto, a sentença acabou reformada em segunda instância. Na ocasião, a 21ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça determinou que os proprietários — herdeiros da família Granata — eram os responsáveis pela restauração da fachada.

Risco de queda motivou bloqueios no trânsito

EPTC obstruiu circulação nas cercanias do prédio (Foto: Paulo Egídio/Beta Redação)

O temor com o risco de queda do imóvel levou a prefeitura a bloquear a circulação nas ruas Riachuelo e Marechal Floriano, nos trechos que cercam a Casa Azul, desde o final de maio. Além de provocar congestionamentos em horários de pico, as barreiras também atrapalham os transeuntes que precisam caminhar pela região, sempre movimentada, o que gera uma disputa de espaço entre motoristas e pedestres.

Apesar da evidente deterioração do edifício, moradores de rua ainda entram e saem periodicamente da estrutura de dois andares, em busca de algum pertence de valor ou mesmo de abrigo.

De acordo com a Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC), não há previsão para normalizar o trânsito na região. “Os bloqueios são realizados para segurança das pessoas que transitam pelo local. Assim que a construção não oferecer mais risco, a via será liberada”, diz a estatal.

Com o transtorno provocado pela obstrução nas vias, a EPTC tomou outras providências para desafogar o trânsito na região central: a inversão do sentido de em um trecho da rua Vigário José Inácio e a implantação de sentido duplo e restrição de estacionamento em parte da rua Jerônimo Coelho.

O ponto de táxi da Jerônimo Coelho foi deslocado para a rua Vigário José Inácio, enquanto o fim da linha das lotações que ficava na rua Riachuelo foi movido para a rua Doutor Flores.

Na prática, os trechos bloqueados fazem com que toda a extensão da Marechal Floriano, desde o cruzamento com a Riachuelo até a ligação com a avenida Senador Salgado Filho, tenha se tornado um estacionamento gratuito a céu aberto. O mesmo acontece na Riachuelo, até ao cruzamento com a rua Vigário José Inácio.

A restrição da circulação de pedestres e veículos afetou o comércio da região — caso da lancheria Altas Horas, que fica na Marechal Floriano, a poucos metros da Casa Azul, e que perdeu quase a metade dos clientes.

“Nosso movimento baixou uns 40%. O fluxo (do estabelecimento) eram as lotações, que saiam aqui na frente”, diz a atendente Angela Goretti. “Também aumentou a insegurança, porque como o movimento fica menor, é mais fácil de roubarem”, completa a funcionária do local, que atende 24 horas.

Herdeiros defendem tombamento

Inventariado, imóvel é de responsabilidade dos proprietários (Foto: Paulo Egídio/Beta Redação)

Mesmo após insistentes tentativas, a Beta Redação não conseguiu contato com as representações jurídicas da família Granata. Nesta segunda-feira (5), no entanto, a reportagem foi atendida por uma das herdeiras, que responde por um dos nove quinhões (cotas) em que está dividido o espólio de Emílio Granata — que pediu para não ser identificada.

Ela alega que a prefeitura mantém o imóvel na condição de inventariado para não se responsabilizar pela estrutura. “A prefeitura não quer tombar para não assumir parte da reforma”, alega. Além de responder pela conservação do prédio em caso de tombamento, o poder público é obrigado a indenizar os proprietários. “A prefeitura não quer assumir e quer nos obrigar a gastar”, reclama.

Em relação às dívidas da propriedade, ela alega que a família dispõe de recursos para quitar os débitos, que estariam sub judice. “Tivemos uma outra ação, em que houve o ganho de valor de um imóvel em Viamão, mas que o juiz não libera. Estamos levando uma fama que não merecemos”, lamenta a herdeira.

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