Planta de cannabis em seu florescimento. (Foto: Don Goofy | Flickr)

Projeto de lei debate regulamentação da maconha no RS

A proposta visa autorizar três formas de acesso à substância: pelo cultivo para uso pessoal, em clubes ou por meio de compra em farmácias

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5 min readSep 12, 2020

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Apesar do avanço nos últimos anos da discussão a respeito do uso da maconha medicinal e científico no Brasil, as questões relativas ao porte e consumo da substância ainda são um assunto polêmico. O Projeto de Lei (PL) 498/2019 visa a liberação e a comercialização da maconha no Estado, e foi baseada na legalização da substância no Uruguai, sancionada pelo então presidente José Mujica, em 2014. O PL, de autoria do deputado estadual Rodrigo Maroni (PROS), também usa como exemplo a Holanda, onde a posse de até 5g de maconha é legal há mais de 40 anos.

Além da liberação de posse, a proposta visa autorizar três formas de acesso à substância: pelo cultivo para uso pessoal limitado a 480g por ano, pelo cultivo em clubes com até 45 sócios, ou por meio de compra em farmácias, restrita a maiores de 18 anos.

Em relação ao seu segundo projeto de lei protocolado, Maroni, conhecido pelo envolvimento com causas em defesa dos animais, explica que o incentivo foi justamente a importância de se fazer debates. “Infelizmente, a política não permite, né? É atrasada por uma questão religiosa, cultural e eleitoral. A maior parte dos políticos tem medo de debater aquilo que pode gerar maior reflexão”, enfatiza.

Rodrigo Maroni é deputado estadual no Rio Grande do Sul pelo PROS. (Foto: André Lisbôa | Agência ALRSS)

Segundo o parlamentar gaúcho, esse tipo de proposta deveria ser debatida em todos os âmbitos, do municipal ao federal. Apesar de ser um projeto de lei inviável constitucionalmente a nível estadual, Maroni argumenta que a sociedade e a classe política não estão preparadas para debater o tema. “Eu acho que toda a sociedade é conservadora, tem tabu e muita hipocrisia. Nenhuma sociedade está preparada. A gaúcha também não está”, ressalta.

Atualmente, o Projeto de Lei 498/2019, protocolado há oito meses, está em tramitação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) que tem a competência de avaliar todos os projetos que tramitam na Assembleia Legislativa antes que eles sejam votados em plenário pelos deputados. A Comissão avalia os aspectos constitucional, legal e jurídico das proposições.

O PL em questão tem como relator o deputado estadual Tenente-Coronel Zucco (PSL), que deu um parecer contrário em julho deste ano. “O parecer foi relacionado apenas aos aspectos constitucionais e legais, tendo em vista que esta comissão não debate o mérito, ficando a cargo das outras comissões”, salienta o parlamentar pesselista. Portanto, o parecer foi contrário tendo em vista que “a competência para tratar do tema é da União e não do Estado, não podendo uma legislação estadual dispor sobre o tema”.

O relatório com parecer contrário de Zucco deve ir à votação na CCJ. Caso a Comissão aprove o parecer, ocorrerá o arquivamento, cabendo recurso ao plenário. Se não for aprovado, é distribuído a um novo relator, para novo parecer.

Abrindo o caminho pelo lado medicinal

A advogada Gabriella Arima, integrante da Rede Jurídica pela Reforma da Política de Drogas (Reforma), diz que o Projeto de Lei 498/2019 é muito benéfico para trazer a discussão à tona, mas que se trata de uma proposição impraticável em âmbito estadual. “Ele versa sobre a matéria de direito penal e criminal, e isso é competência exclusiva da União, de acordo com a Constituição Federal”, explica.

Entretanto, na Lei de Drogas que criminaliza a venda, a produção e tudo que envolve as questões das drogas no Brasil, existe uma ressalva acerca do uso de substâncias em caráter científico e medicinal. “Se a proposta versasse apenas, por exemplo, sobre o uso medicinal ou produção científica acerca do tema, como feita pelo Estado do Rio de Janeiro, seria mais factível”, ressalta a advogada.

Gabriella Arima é advogada graduada pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), com extensão em Políticas Públicas (PUC-SP). (Foto: Arquivo Pessoal)

Gabriella também é integrante do Núcleo de Políticas sobre Drogas, Álcool e Saúde Mental da Comissão de Direitos Humanos da OAB/SP. No que se refere à importância do debate relacionado à legalização da maconha no Brasil, ela comenta a liberação. “Eu não diria uma legalização da maconha, pois ainda estamos muitos passos atrás disso, mas pelo menos de uma descriminalização, que a gente consiga trabalhar melhor a questão do uso medicinal e eventualmente do uso ritualístico, e, mais pra frente, do uso social”.

A advogada ressalta que na maioria dos países que houve a descriminalização, a legalização e a regulamentação da cannabis, a discussão partiu do uso medicinal e no Brasil não é diferente “a gente está abrindo o caminho pelo lado medicinal”. Gabriella deixa explícito que a legalização nada mais é que a regulamentação da substância “quando falamos em legalização, não é uma legalização que irá permitir a venda na banca do seu Zé na esquina. A gente fala de uma regulamentação”.

"Temos que sair dessa mentalidade obscura de que estamos a defender uma legalização com uso descontrolado pela sociedade. Claramente não é isso”, enfatiza a advogada.

Entretanto, há avanços no debate do uso da substância com fins medicinais. Gabriella comenta que o Projeto de Lei 399/2019 tramita no Congresso Nacional com parecer favorável, e que pretende regulamentar o cultivo, processamento, pesquisa, produção e comercialização de produtos à base de cannabis para fins medicinais e industriais.

A discussão desta PL está voltada ao mercado, e a advogada adverte “Não dá para focar só no lado econômico enquanto não debatermos o cultivo caseiro e o auto-cultivo, para que as pessoas possam plantar em suas próprias casas e produzir seus próprios remédios, já que é uma planta medicinal reconhecida pelo Estado brasileiro. Não tem por que a gente dar um monopólio para indústria farmacêutica de mais uma planta”.

Gabriella aposta que a regulamentação da maconha no Brasil vai ser feita e não vai demorar, mas que não se sabe ainda quando e como. “A gente precisa se atentar e trabalhar para que essa legalização seja acompanhada de uma regulamentação e de uma reparação social das pessoas que foram criminalizadas pela Lei de Drogas, especificamente”.

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