Projeto forma jogadores de futebol em Alvorada

Admirado pela comunidade da cidade, o Arecuja é símbolo do esporte no bairro Jardim Algarve

Andressa Morais
Redação Beta
7 min readOct 18, 2022

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No Arecuja, as crianças iniciam aos 7 anos e têm a oportunidade de se desenvolverem para virarem jogadores profissionais. (Foto: Arquivo Pessoal/Vera Silva)

O Brasil é conhecido por ser “o país do futebol” e se tornar jogador é o sonho de muitos jovens. Contudo, realizá-lo não é tarefa simples, visto que a maioria vêm de bairros com pouca infraestrutura e baixos indicadores sociais, conforme levantamento feito pela reportagem do Brasil de Fato em 2018. Em artigo escrito para a revista Galileu, o doutor em Educação Física e pós-doutor em filosofia Luiz Rigolin afirma que cerca de 90% dos jogadores de futebol brasileiros são de classe baixa. É diante desse cenário que projetos como os realizados pela Associação Beneficente Recreativa e Cultural Jardim Algarve (Arecuja) são tão importantes, pois oferecem os primeiros recursos para os atletas ingressarem na carreira.

Localizado no bairro Jardim Algarve, em Alvorada, o Arecuja foi fundado em 5 de março de 1994 por 12 amigos que queriam ter um ambiente para se divertir e jogar bola. Inicialmente, o clube ficava na casa de César Xavier, um dos fundadores da entidade, que mais tarde ganhou sede própria. Num primeiro momento, as pessoas não conseguiam pronunciar o nome correto do clube e o chamavam de “coruja”, animal que acabou virando símbolo da associação por sua inteligência e visão ampliada.

Foi em 1998 que o Arecuja começou a investir na prática do futebol para as crianças do bairro Jardim Algarve. “Mesmo com muita dificuldade, levando goleadas, nós insistimos. Tínhamos uma meta para alcançar”, recorda César. Com o passar do tempo, a associação passou a disputar torneios e, segundo o fundador, se tornou um dos grandes clubes campeões de Alvorada. Entre os destaques, ganharam títulos de tetracampeão pré-mirim, tetracampeão fraldinha, tetracampeão juvenil, campeão sub-20 e campeões do campeonato sênior da cidade.

César, à direita, recebeu o certificado Amigo Rotary, da Rotary Club de Alvorada, pelos trabalhos do Arecuja prestados à comunidade. (Foto: Arquivo Pessoal/Alessandro Sarara)

Com o crescimento do clube, o Arecuja foi dividido em três departamentos: social, cultural e esportivo. Assim, surgiram os projetos Profissional, Acolher e a Escola Educacional, que visam capacitar jovens da comunidade para o futebol. Entre 2005 e 2007, os integrantes construíram um campo e um ginásio.

A diferença entre os projetos é que o Acolher acontece aos sábados e reúne crianças de 7 a 12 anos incompletos. Já a Escola Educacional funciona nas terças e quintas-feiras, com jovens de 7 a 17 anos. O projeto Profissional é destinado às categorias sub-17 e sub-20, que formam as equipes de competição. As meninas treinam junto com os meninos. “A gente não consegue a quantidade de meninas suficiente para fazer treinos só de meninas. Já tentamos várias vezes, mas ainda não conseguimos”, explica César.

Dos primeiros passos ao sonho que deu certo

Fernanda Alves é mãe do Felipe, de 7 anos, que passou a integrar o projeto do Arecuja em junho de 2022. Ela conta que incentivou o filho a participar para ele gastar as energias e porque gosta de futebol. “Se, futuramente, ele quiser ser um atleta profissional, ele tem tudo para dar certo aqui”, conta.

Fernanda conta que Felipe adora treinar e prefere o campo do que o salão. (Foto: Arquivo Pessoal/Bruna Siqueira)

Felipe frequenta os treinos no Arecuja três vezes por semana, no período da manhã. Na parte da tarde, ele estuda. Fernanda explica que a atividade não atrapalha o desempenho do filho na escola. Ela aconselha as mães a fazerem um teste de pelo menos um mês para tirar conclusões, mas ressalta que os horários são acessíveis. Segundo ela, o projeto é ótimo para estimular a disciplina e faz com que as crianças conheçam novos amigos.

“Eles são fundamentais para a comunidade. Não sei o que seria dessas crianças sem o Arecuja. Com esse projeto, eles tiram muitas crianças das ruas e ajudam muitas famílias. Vocês não têm noção de quantas crianças têm a ajuda deles”, ressalta Fernanda. De acordo com ela, a maioria dos pais não teria condições de pagar a mensalidade de uma escolinha particular de futebol, enquanto no Arecuja há a cobrança de um valor simbólico.

Erick Cardoso passou pelo Arecuja quando tinha 15 anos. Hoje, aos 19 anos, ele conta que se formou atleta profissional na associação, além de ter crescido enquanto pessoa. “Quando conheci o clube, eu comecei a me interessar mais pelo futebol. Me ensinaram muito e deram a base que tenho hoje”, relata. Ele foi apresentado ao projeto pelo pai, tios e primos, que também jogaram no clube.

Erick realizou o sonho de pisar nos gramados do Estádio Mané Garrincha, no Rio de Janeiro. (Foto: Arquivo Pessoal/Ian Carlos)

O jovem se dedicou ao esporte e conta que, para se desenvolver como jogador, precisou se esforçar muito. “Tinha vezes que eu pensava que nunca ia chegar em um clube profissional, mas o que me fazia acreditar era minha família, que sempre esteve ao meu lado”, explica. Ele também comenta que, apesar de treinos intensos, na chuva e no sol, não foi aprovado em diversas seletivas.

Agenciado pelo empresário Alberto Fagundes, Erick fechou contrato com o Grêmio Esportivo Bagé na posição de meia-esquerda. Infelizmente, o atleta sofreu uma lesão e parou de treinar, mas recebeu uma proposta para jogar no Brasília Futebol Clube. Após o tratamento, passou a jogar pelo time. “No Brasília realizei um dos meus sonhos, que era pisar no Estádio Mané Garrincha, onde vários meninos pensam em jogar. Lá aconteceram grandes jogos da minha vida”. Atualmente, o jovem não está mais vinculado ao elenco do Brasília Futebol Clube, mas vai para outro time, que preferiu não identificar.

Evertow Silva começou a jogar futebol aos 9 anos. Em 2018, ingressou no Arecuja, onde jogou durante um ano e meio. Após esse período, foi chamado para jogar no Cruzeirinho, onde permaneceu por apenas três meses, pois foi aprovado no teste para assumir a posição de zagueiro nas categorias de base do Sport Club Internacional, time ao qual está vinculado atualmente.

Ele relata que enfrentou uma série de desafios até chegar no Inter, mas diz que treinou muito e sempre teve o apoio da família. O jovem também destaca a importância que o Arecuja e o César tiveram na sua trajetória.

“O César não desistiu até me por em um clube do tamanho do Internacional. Eu lembro que ele lutou dia a dia para me por lá dentro. Tem muita gurizadinha hoje em dia indo para o lado errado, mas o Arecuja é uma família e acolhe muita gente”, sinaliza Evertow.

Por trás das quadras

Os professores também compartilham da admiração pelo Arecuja. É o caso do Roberto Oliveira, educador social que conheceu o clube através de um amigo. Primeiro, ele levou o filho Kauã e, depois, decidiu colaborar com o projeto. Ele conta que a premissa é auxiliar as crianças na parte social, utilizando o futebol como ferramenta. “A ideia é mostrar que na sociedade tem regras, respeito e responsabilidade para eles conseguirem se inserir nela no melhor momento possível”, explica.

Da esquerda para direita: Cacha (amigo do Roberto), Kauã e Roberto na quadra do Arecuja. (Foto: Arquivo pessoal/Jairo Junir)

Roberto utiliza os treinos para auxiliar as crianças em relação a questões de integração e de socialização, além de ajudar a lidar com as emoções dos pequenos atletas. “Esse projeto, para mim, serve como um apoio. É um local que preza por uma conduta correta e que ajuda as crianças a lidarem com as adversidades do cotidiano”, conta.

Formado em Educação Física e professor da rede municipal de Porto Alegre, Victor Martinez é treinador no Arecuja desde 2019. Por conta da sua atuação em sala de aula e do mestrado em curso, ele frequenta o espaço da associação uma vez por semana.

Antes de ingressar na carreira de treinador, Victor também foi jogador de futebol. (Foto: Arquivo Pessoal/Luis Paim)

O professor relata que o Arecuja sofre com a falta de técnicos, considerando a escassez de recursos para investir na contratação de mais profissionais. Ele também destaca que essa é uma dificuldade geral, salvo exceções de times grandes. “Na maioria dos clubes se trabalha muito mais por amor ao esporte do que por uma remuneração de fato”, relata.

Sobre a estrutura e os materiais disponíveis, Victor conta que os recursos são muito bons se comparados com outros locais voltados para a prática do esporte em Alvorada. Atualmente, o Arecuja se mantém através de doações de pais de alunos e do aluguel do campo e do ginásio. Os participantes do Acolher não pagam nenhum valor para participar do projeto. Atletas da Escola Educacional pagam uma taxa de 50 reais para custear o pagamento dos professores.

Novas metas

Evertow almeja assinar o contrato profissional com o Inter em 2023 e, um dia, pretende ser escalado para a Seleção Brasileira. O atleta também quer oportunizar um futuro melhor para a família e deixa uma mensagem para os jovens que, assim como ele, sonham em se tornar jogadores:

“Sempre acredite em você. Não deu hoje, acorde amanhã e faça da melhor forma para dar certo. Sempre acredite em você, independente do que vão falar. Se eu consegui estar nesse clube gigante, lembra que eu já passei por aquilo que todos vocês passam. Lembra disso e nunca desista de você”, ensina.

Erick é mais reservado e diz que não gosta de falar muito dos planos, mas destaca que um deles, assim como o colega de profissão, é poder dar uma vida melhor para os pais.

“Rapaziada, não desistem. Sejam fortes. Tudo é possível. Treinem, foquem, se alimentem, bebam água e trabalhem bastante para colher”, finaliza.

César conta que, em 2023, o Arecuja pretende se tornar um clube profissional, além de disputar a categoria sub-20 do Campeonato Gaúcho e a série C do Gauchão. “Já que a gente cria vários talentos, acho que está na hora da gente dar oportunidade para eles jogarem pelo Arecuja e terem visibilidade", afirma.

O Arecuja fica localizado na rua Eduardo Silveira Peixoto, 689, no bairro Jardim Algarve, em Alvorada. Para participar dos projetos, basta ir até o local ou entrar em contato com o César através do número (51) 98428–8763.

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