Práticas sustentáveis movimentam o mercado brasileiro

Situação da Amazônia foi um dos fatores responsáveis pela popularização da agenda ESG (Ambiental, Social e Governança) no país

Vitória Pimentel
Redação Beta
6 min readJun 21, 2022

--

Práticas ESG envolvem questões ligadas à sustentabilidade, equidade de gênero nas empresas e ambientes saudáveis de trabalho. (Imagem: Montagem de Vitória Pimentel/Beta Redação)

A partir de 2023, empresas brasileiras de capital aberto precisarão informar dados relacionados à agenda ESG (Ambiental, Social e Governança) em seus balanços anuais. A mudança ocorreu em dezembro de 2021, quando a Comissão de Valores Mobiliários tornou obrigatória a apresentação de relatórios das emissões de gases de efeito estufa e da diversidade do quadro de funcionários e administradores das empresas.

Para conquistar uma certificação ESG, as empresas têm diversas possibilidades, que vão desde a criação de setores estratégicos até o seguimento de diretrizes internacionais, como o Global Reporting Iniciative (GRI) e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU). No final, são os relatórios emitidos pelas empresas que indicam se elas, de fato, seguem as diretrizes.

Desde 2019, o debate em relação às práticas ESG vem ganhando força. Segundo a pesquisa A evolução do ESG no Brasil, lançada em 2021 pela Pacto Global e pela Stilingue, as discussões em relação ao desmatamento, extinção da biodiversidade e queimadas na Amazônia impulsionaram o aumento de pesquisas sobre o termo em 2019.

Entre 2019 e 2020, as pesquisas pelo termo ESG aumentaram seis vezes, chegando a 22 mil conteúdos veiculados na internet. (Imagem: Reprodução/Pacto Global e STILINGUE)

O cenário é percebido pela Trashin, empresa de Porto Alegre criada há quatro anos e que presta consultorias, realiza planos e sistemas de gestão de resíduos e produz a revista ESG Trends.

Rafael Dutra, Gustavo Finger, Sérgio Finger e Renan Vargas são os cofundadores da Trashin. (Foto: Arquivo Pessoal/Trashin)

A empresa ressalta a movimentação do mercado a partir do início da pandemia, quando a sociedade começou a se questionar de forma mais enfática sobre a urgência dos impactos socioambientais.

“Passamos por um período complicado, que fez com que a sociedade como um todo se questionasse com maior profundidade sobre a urgência de propósito e a geração de lucro pelo lucro”, explica a equipe de comunicação da Trashin.

Mas, e na prática, como estas mudanças impactam as empresas brasileiras? Para entender melhor o cenário do ESG no Brasil e quais as perspectivas acerca das práticas sustentáveis, a Beta Redação conversou com Sebastian Pereira, diretor da Sebanella, e com Alexandre Sanches Garcia, coordenador do Centro de Pesquisa em Mercado de Capitais e Relações com Investidores da Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (Fecap).

Novos pilares

Foi durante a pandemia, em 2021, que a Sebanella aderiu às práticas ESG. Com sede em Canoas e atendendo todo o Rio Grande do Sul, há 10 anos a empresa faz reciclagem de gesso. Os resíduos do material, que até então eram jogados em aterros, agora podem se tornar fórmulas de cimento, argamassa e fertilizante para a agricultura.

O processo para transformar o que seria jogado no lixo em um novo produto acontece assim: os resíduos de gesso são triados, moídos e passam por um sistema de separação. Na esteira, é retirado o papel que contém na placa de gesso, saindo na ponta final gesso em pó.

Sebastian Pereira é o diretor da Sebanella, criada há 10 anos em Canoas. (Foto: Arquivo Pessoal/Sebastian Pereira)

Para Sebastian, a adoção de medidas ligadas à sustentabilidade, equidade de gênero e raça e respeito à diversidade são fundamentais dentro da Sebanella.

“Temos a meta de, em 2 anos, igualar o número de mulheres ao de homens dentro da empresa. Incentivamos a contratação de pessoas de outros países, inclusive temos trabalhadores vindos da Venezuela, e de pessoas mais velhas”, relata Sebastian.

Preocupada com as políticas ambientais, a empresa está em processo de inserção no Sistema B, um movimento lançado em 2006, nos Estados Unidos, que redefine o conceito de sucesso nos negócios. A certificação B é dada pela B Lab às empresas que se dedicam a solucionar um tema ambiental ou social — como é o caso da Sebanella.

Para obter a certificação, é preciso que a empresa comprove ter alto desempenho social e ambiental; compromisso legal com a estrutura de governança corporativa para prestar contas; e transparência sobre o desempenho, disponibilizando publicamente as informações sobre a instituição.

“A certificação B representa adotar mais métricas de excelência e seguir o modelo mais rigoroso mundialmente sobre práticas de governança, trabalhadores, comunidade, meio ambiente e clientes”, explica Sebastian.

As corporações também passam por um processo de recertificação a cada três anos para assegurar que seguem cumprindo o propósito de melhoria contínua. Confira o passo a passo completo aqui.

Sede da Sebanella já utiliza painéis de energia solar. (Foto: Divulgação/YES Energia Solar)

A preocupação da Sebanella reflete um movimento que ganha força na sociedade e movimenta o mercado. A equipe de comunicação da Trashin explica que, atualmente, não existe mais espaço para os negócios de antigamente.

“Vemos o mercado se abrir cada vez mais para a ideia de um capitalismo mais consciente e inclusivo, onde as empresas sejam guiadas por um propósito e que busquem servir a todos os seus stakeholders — isso inclui clientes, fornecedores, colaboradores, acionistas, meio ambiente e a comunidade em seu entorno”, afirma a equipe da Trashin.

Além de atuar em prol do meio ambiente, as práticas ESG também estimulam os funcionários da Sebanella. No pilar social, a empresa investe em planos médicos, seguros, bolsas de estudos e outros benefícios que proporcionam bem-estar aos colaboradores. “Tudo isso gera engajamento e sentimento de pertencer a algo maior”, destaca Sebastian.

Para a Trashin, empoderar os funcionários, oferecer informação e trabalho digno é também um impacto positivo do ESG. Exemplo disso são as parcerias que a empresa mantém com cooperativas de reciclagem. Graças a essa colaboração, mais de 900 famílias foram impactadas em todo o Brasil, gerando renda, dignidade e oportunidades.

Greenwashing

Não são apenas pontos positivos que circundam o ESG. O greenwashing, do inglês “lavagem verde”, se refere a empresas que utilizam do discurso sustentável para monetizar — sem verdadeiramente adotar políticas que se enquadrem na agenda ESG.

A Trashin explica que a corrida das empresas para se ajustarem às novas demandas do mercado pode ter apressado o processo. “Na ânsia de contar ao mundo o que fazem, as empresas deixam de compreender a profundidade e relevância das medidas apresentadas”, afirma a equipe da Trashin.

Em outros casos, há também empresas que comunicam como inovação sustentável algo que já era lei e, portanto, obrigação legislativa.

“É necessário agora que os times de marketing tenham atenção na comunicação imprecisa, na falta de comprovação do processo de transformação e da maquiagem verde, do rainbow washing e da falta de transparência quando tratamos da governança”, complementa a Trashin.

O coordenador do Centro de Pesquisa em Mercado de Capitais e Relações com Investidores, Alexandre Sanches Garcia, explica que atualmente não existe uma lei para punir as práticas de greenwashing. “Serão as pessoas que decidirão punir as empresas, com o boicote de seus produtos, por exemplo”, afirma.

Fato é que os jovens que estão entrando no mercado de trabalho e os investidores buscam, nas empresas, uma postura mais atenta às mudanças socioambientais. Para poder se adaptar à realidade, as empresas deverão buscar mais do que títulos e selos.

Segundo a Trashin, além de representar uma oportunidade para atrair e reter novos talentos, também é o momento de adaptação aos novos requisitos dos investidores. “Sabemos que a preocupação com impacto positivo e a sustentabilidade nos portfólios de investimento já são realidade”, afirma. Como exemplo, a empresa cita o caso do CEO da empresa estadunidense Black Rock, Larry Fink, que passou a ressaltar para os investidores a importância dos pilares ESG em uma carta anual.

O Brasil tem um longo desafio pela frente. Para alcançar os países europeus em questões ESG, será necessário um esforço de toda a sociedade, além da criação de políticas que incentivem o ESG e as fiscalizem, afirma Alexandre.

Apesar dos percalços, o coordenador destaca alguns benefícios que podem ser obtidos com o ESG: “A empresa pode atrair mais capital financeiro, com taxas melhores de captação de recursos no mercado financeiro — juros sobre empréstimos, por exemplo — e também atrair mais capital humano, como a lealdade de seus funcionários, diminuindo a rotatividade de pessoal”, finaliza.

--

--

Vitória Pimentel
Redação Beta

Jornalista pela Unisinos. Gosto de contar histórias e tenho interesse em tecnologia. Tutora de um gatinho amarelo.