Quando a arte costura a vida

Oficina de teatro Tecer, em Porto Alegre, busca explorar as expressões humanas

Graziele Iaronka
Redação Beta
6 min readMay 24, 2019

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Passando o corredor de vidro do terceiro andar da Casa de Cultura Mario Quintana, de Porto Alegre, bem lá no fundo, escondida, encontra-se a sala Romeu Grimaldi. Nela, toda a força do teatro, da música, da poesia, do desenho ganhou vida por meio da Oficina de Teatro Tecer. Os quatro participantes foram chegando aos poucos para o primeiro dia da iniciativa, que ocorrerá todas as quartas até 17 de julho. Despercebida por eles, todos achavam que eu também era uma aluna. E, na verdade, fui.

Com o objetivo de que cada um crie sua própria “costura” por meio da arte, Anandrea Altamirano, atriz e professora de teatro , formada pela Universidade do Rio Grande do Sul (UFRGS), é quem conduz os encontros. Colocando um aromatizante doce pela sala, ela foi se apresentando ao olhares atentos. Em seguida, disse:

“Não vamos começar com apresentações clichês. Vamos começar deitando no chão, relaxando. Deixem todo o dia de hoje lá fora, nada de problemas. Sejam apenas vocês”.

Músicas utilizadas durante a Oficina. (Criação: Graziele Iaronka/Spotify)

Com uma melodia tranquilizante, consegui ouvir a respiração dos colegas da oficina. Todos se entregaram à experiência desde o primeiro instante. Após o exercício de respiração, fomos vendados. Pegando cada um pela mão, a professora colocou, em duplas, uma pessoa na frente da outra, sem que soubéssemos quem era quem, afinal, estávamos todos sem enxergar nada. Para fechar as duplas, Anandrea também fez parte de atividade.

“Ao ligar a música, quero que todos estiquem as mãos para frente e toquem a mão do colega, sentindo cada detalhe, com calma”, guiou Anandrea. Enquanto sentíamos a mão do colega, ouvíamos toda a leveza da música Bienvenidos Maiche Anawateuo, de Tonolec. Feito isso, fomos distribuídos novamente de forma aleatória pela sala.

Após tirarmos as vendas, entre sorrisos encabulados, tivemos a missão de encontrar o colega com quem fizemos a experiência, identificando-o pela mão. Encontrar a mão da minha dupla foi uma tarefa tranquila, pois era a mais pequena e única que não contava com um anel.

O clima de descontração ganhou espaço nesse momento. A partir disso, Anandrea explicou a importância de explorarmos não apenas nossa visão mas, sim, todos os nossos sentidos. “A expressão de cada pessoa fala muito sobre ela. A venda foi uma forma também de mostrar que nem sempre vamos poder ver tudo, mas que precisamos saber escolher caminhos”, explicou a professora.

Jogos teatrais, exercícios e improvisos são formas de criar uma “linha” para que cada um faça sua própria “costura”. (Foto: Graziele Iaronka/Beta Redação)

Sentados com as pernas cruzadas, começamos a ouvir diferentes músicas e recebemos uma tarefa: desenhar o que as melodias nos remetiam. Algo que me chamou a atenção foi que a música, presente em grande parte dos momentos, serviu como guia durante os exercícios.

A primeira música que ouvimos para desenhar foi Claire de Lune, de Claude Debussy. Tranquila, a composição passou a ideia de conquista. Os quatros participantes, cinco comigo, rabiscaram nos papéis imagens que apontavam caminhos: bússola, um caminho para o Sol, a Lua.

A segunda música, com um ritmo mais puxado para o blues, Cigarrets and Coffe, de Otis Redding, lembrou a sensação de liberdade. Os desenhos traziam o sol, dias bonitos, e até estrelas. Colocando os desenhos de todos, começamos a discutir sobre esses, buscando entender a qual memória nossas pequenas obras de artes nos remetia.

Trazendo a questão da conquista e liberdade, levantamos e fomos para a parte teatral. Animada, Anandrea ordenou: “Caminhem no espaço! Foquem em um ponto e pisem em cada pedacinho do pé de vocês, desde os dedos até o calcanhar”. Concentrados, todos caminhamos pela sala, ao som de Respect, de Aretha Franklin.

A música, sem dúvida, passou confiança, aquela ideia de “Eu nunca fiz isso, mas eu consigo!”. A certeza da nossa capacidade fez com que todos nós ganhássemos elogios. “Isso, foquem! No teatro focamos em pontos para nos concentrar. Isso também serve como um exercício da vida, muitas vezes precisamos focar, ser determinados”, instigou a professora.

Com o aquecimento teatral, veio a improvisação. Como improvisar uma cena com uma pessoa que eu nunca vi na vida? No rosto de cada uma das pessoas, vi o nervosismo. Para acalmar os corações, a professora disse: “Relaxem, irei ajudar vocês! Muitas vezes, precisamos improvisar, não apenas no teatro, mas na nossa vida. Muitas vezes, o erros são o caminho para nossa criatividade florir”.

Um trio e uma dupla. Assim fomos divididos. Meu parceiro foi Leonardo Vian, 22 anos, o mesmo colega com quem fiz a experiência de apresentação com as mãos. Recebemos o desafio de criar uma cena em uma praia, em que eu seria uma vendedora e ele um veranista. Em dois minutos, organizamos a ideia de que eu venderia óculos, seria insistente. Leonardo seria o veranista, que com toda a calma do mundo iria negar o produto e enfatizaria que queria apenas descansar e ler seu livro. Resultado: todos rimos muito. O trio trouxe a cena de uma formatura, que também rendeu muitas risadas.

Depois de todo o tensionamento e nervosismo, fizemos um exercício de relaxamento para finalizar o primeiro encontro. Deitados no chão, era possível ouvir o barulho da chuva e a buzina dos carros na rua. Assim, a adrenalina do improviso teatral foi baixando.

Após uma hora e 45 minutos de muito teatro, fomos convidados a sentar em círculo para nos encaminharmos para o fim, e Anandrea pediu: “Para o próximo encontro, quero que todos tragam uma poesia ou texto que gostem, uma música e uma fotografia que tenham um significado para vocês”. Com os itens, serão feitas dinâmicas e experimentações, para que cada participante crie sua própria costura por meio do teatro. Além disso, a professora também revelou a minha presença oculta, vivendo a experiência como repórter.

Encontros buscam abraçar de um modo artístico a maneira de se comunicar para entrar em um processo de autoconhecimento e criatividade. (Foto: Graziele Iaronka/Beta Redação)

Com isso, após fazer o registro do encontro, Leonardo e Guilherme Nervo, 26 anos, compartilharam com o grupo a experiência. Para Leonardo, que teve contato com o teatro na infância, a oficina é uma maneira de desopilar da rotina. “O que me fez vir até aqui é que não tinha um padrão, mas sim uma experimentação. Busquei a oficina também melhorar a vida, tanto pessoal quanto no trabalho”, explica Leonardo.

Já para Guilherme, a oficina é uma maneira de retomar o amor pelo teatro. “Eu procurei a oficina porque comecei o curso de teatro, mas não finalizei. Esses encontros são uma retomada, uma maneira constante de lembrar o teatro. Além disso, escolhi a oficina da Ana porque também tem um viés muito terapêutico. O teatro sempre mexeu muito comigo, e então, que essa seja uma forma de um reconciliação com esse. Afinal, o teatro me muda”, detalha Guilherme.

As costuras da vida

Direcionada para adultos, a ideia da oficina começou a partir das costuras de Anandrea. “Eu comecei a costurar em um período em que estava parada, como uma terapia. A partir disso, estudando também poesia, música, fotografia, percebi que essas dialogam muito entre elas. Por exemplo, uma fotografia pode ter uma legenda, que pode ser uma poesia. Por isso a ideia de ‘costura’”, explicou a professora, em entrevista.

Para fazer a oficina, que está na segunda edição, não é necessária nenhuma experiência anterior. A proposta dos encontros é usar a arte como um meio de despertar a criatividade dos participantes. Com a denominação de “tecer”, o objetivo é criar o resultado de uma grande “costura” entre diferentes formas artísticas (música, poesia, desenho), tendo como base pequenas cenas de teatro.

Anandrea também explica que a Oficina de Teatro Tecer servirá de auxílio para a vida pessoal e profissional dos participantes. “Teatro é arte. E a arte não tem como separar de nossas vidas. Muito do nosso desenvolvimento pessoal, humano está vinculado à arte, à expressão”, enfatiza.

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Graziele Iaronka
Redação Beta

Estudante de Jornalismo e criadora da Costurinhas de Amor