Quando ser mãe é um ato político

Amanda De Oliveira
Redação Beta
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9 min readApr 26, 2018

Amamentar, um ato comum, que faz bem para a saúde da progenitora e do bebê, tornou-se um ato de resistência. A Beta Redação conversou com mulheres que militam por direitos para mães, trouxe casos do cenário internacional e apresentou alguns dos projetos de lei que projetam dias melhores a elas e a suas famílias.

Deputada Estadual Juliana Brizola (PDT) com a filha Angelina no Plenário da Assembléia Legislativa (Foto: Plenário da Assembleia Legislativa — RS)

A deputada estadual Juliana Brizola (PDT), 42 anos, é mãe de duas crianças, José Inácio e Angelina. Apesar de demandarem tempo, atenção, carinho e uma série de cuidados, na percepção da parlamentar, os maiores desafios são outros: “Em uma sociedade como a nossa, são muitos. Uma vez que vivemos reféns de um parlamento composto, em sua maioria, por homens, que não legislam políticas públicas pensando na realidade das mulheres”, desabafa. Para a deputada, a saída é uma só, lutar — o que passa pelo investimento em políticas públicas. “E só quem vai fazer isso somos nós mesmas.”

Como exemplo, Juliana cita o episódio na Câmara dos Deputados, em que a criminalização do aborto em caso de estupro foi aprovada por 18 deputados — todos homens — , enquanto a única mulher presente na comissão em questão votou contra.

Há em tramitação, atualmente, dois projetos de lei de autoria de Juliana que visam melhores condições às mães. Um deles é o de implementação de salas de apoio à amamentação em empresas públicas e privadas. O objetivo, segundo explica, é possibilitar às mães trabalhadoras que retirem e armazenem seu leite, para alimentar os filhos pós jornada de trabalho, estimulando a mama a produzir leite, ou para doarem para aqueles que precisam.

Outra projeto é igualar, para seis meses, o período da licença-maternidade de trabalhadoras terceirizadas que contratam com o poder público ao de funcionárias de empresas públicas e privadas. “Contudo, os projetos estão tramitando há dois anos no parlamento e, casualmente, aguardando parecer de deputados homens”, conta.

“Nossa sociedade é revestida por um machismo velado que sugere, sempre, que nós, mulheres, não deveríamos estar onde estamos.” Juliana Brizola, deputada estadual (PDT).

A vereadora de São Leopoldo Ana Affonso (PT) teve que batalhar muito para conseguir um direito básico para as mães, a licença-maternidade. Quando era deputada estadual pelo Rio Grande do Sul, ela e as colegas de assembleia desejavam mudar o regimento interno para obter esse direito.

Quando era deputada estadual, a vereadora de São Leopoldo, Ana Affonso, batalhou pelo direito à licença-maternidade das deputadas (Crédito: Assessoria de Imprensa — Câmara de Vereadores de São Leopoldo)

À época, para a deputada sair em licença-maternidade, o gabinete que compõe o mandato teria que ser exonerado durante o período de 120 dias e dar lugar ao deputado suplente e sua nova equipe. “Entendi isso como um prejuízo político ao mandato, pois ao mesmo tempo em que a licença-gestante é um direito individual da parlamentar, a extinção do mandato por esse período faria com que fosse interrompido o trabalho político. Meus projetos não tramitaram mais até que eu retornasse, sendo que a equipe poderia dar continuidade ao trabalho na minha ausência, inclusive me representar em todas as atividades,” relata.

Porém, quando um parlamentar, por razão de licença-saúde, precisa se ausentar de suas funções, por exemplo, o regimento garante seu afastamento, sem extinção do mandato. Ana conta que algumas pessoas a aconselharam a, após o nascimento da filha, a apresentar um atestado médico e a tirar licença-saúde, para não ter prejuízo político durante o período. “Eu não aceitei esse absurdo, porque gravidez não é doença, e licença-maternidade é um direito das mulheres”, dispara.

Inconformada, Ana propôs a mudança do regimento para que toda parlamentar possa sair de licença-maternidade, que é seu direito individual, e ter seu mandato preservado, que é um direito político garantido pelo eleitor. Primeiro, Ana apresentou a situação para sua bancada, depois, por um colega de partido que fazia parte da mesa diretora, entregou por escrito a proposta de alteração do regimento.

“Para aprovar em Plenário a mudança, em regime de urgência, que leva 30 dias, era preciso a assinatura de todos os líderes de bancada. Aí vi que todos eram homens e nem todos concordavam”, recorda.

Em função da resistência, ela acabou saindo para dar à luz sem conseguir mudar o regimento. “Alguns queriam aprovar a mudança, mas para valer só na próxima legislatura, porque eu seria beneficiada, e consideravam isso um privilégio.”

Sophia nasceu no dia 27 de fevereiro de 2014, e Ana retornou ao Plenário 12 dias depois. Ela conta que amamentava no Plenário e que a situação foi ficando constrangedora aos deputados. “Na sessão do Dia Internacional da Mulher, eu e minhas colegas de bancada fizemos um protesto, pacífico. Devolvemos todas as flores que nos deram na sessão de homenagem. E dissemos que queríamos direitos e não flores”, resgata.

O caderno Donna, do Jornal Zero Hora publicou uma matéria na semana do Dia Internacional da Mulher, em 2014, narrando a situação, e o caso gerou repercussões negativas para a Assembléia Legislativa.

Sem direito à licença-maternidade à época, a então deputada estadual Ana Affonso (PT) levou a filha Sophia de menos de um mês ao trabalho, na Assembléia Legislativa (Crédito: Arquivo Pessoal de Ana Affonso)

Finalmente, em 30 de março, a mudança do regimento foi aprovada, e Ana pôde sair de licença, mas perdeu 30 dos 120 dias que, a partir daquele momento, as deputadas passaram a ter direito.

A Deputada Estadual Manuela D’Avila (PCdoB) e a filha Laura (Crédito: Flickr Oficial de Manuela D’Avila)

Manuela D’Ávila, que esteve sob holofotes após amamentar a filha Laura durante um debate na UFRGS, em 2016, fala que as dificuldades da maternidade começam no parto. “As taxas de cesáreas no país são elevadíssimas, muito além do recomendado pela OMS. Veja bem, o problema não é a cesárea, eu mesma precisei de uma, mas será que mais da metade das mulheres precisa?”, questiona. Na hora da amamentação, continua, os problemas só aumentam. “Recebemos tantos olhares reprovadores! Todo mundo viu aquela foto minha amamentando no Plenário. Por que ela viralizou? Porque a sociedade vê problema em uma mulher amamentar na rua.”

Segundo ela, há também uma grande rejeição da presença das crianças em espaços públicos. “Não querem que levemos as crianças nos lugares, tem todo um movimento de ódio contra elas, e a gente, que faz questão de levar, de ocupar os espaços com nossos filhos, é criticada. Eu só quero criar a minha filha como minha parceira”, declara.

Enquanto isso, no cenário internacional

A senadora australiana Larissa Waters foi a primeira política a amamentar no Plenário do Parlamento da Austrália. Waters, do Partido Verde, amamentou a filha Alia Joy, à época com dois meses de idade, durante uma votação em maio de 2017. Apesar permitido no Senado da Austrália desde 2003, nenhum dos parlamentares havia amamentado no Plenário até então.

Senadora Australiana Larissa Waters amamentando sua filha Alia Joy no Parlamento (Crédito: Twitter Oficial -Larissa Waters)

“Muito orgulhosa por minha filha Alia ter sido a primeira bebê amamentada no Parlamento federal”, escreveu a senadora australiana no Twitter.

A Câmara tomou a decisão ainda no ano passado, após a deputada e ministra de governo, Kelly O’Dwyer, ter sido instruída a retirar o leite materno com antecedência para não perder compromissos parlamentares.

Na Espanha, em 2016, a parlamentar Carolina Bescansa, do Podemos, causou debates ao amamentar seu bebê no Plenário durante uma sessão. Ela foi elogiada, mas também ouviu críticas de colegas, que classificaram sua atitude como “lamentável” e “desnecessária”.

No ano passado, um relatório sobre diversidade no mundo político do Reino Unido recomendou que fosse permitida a amamentação na Câmara dos Comuns — a Câmara baixa do parlamento britânico.

Nos Estados Unidos, a senadora pelo estado de Ilinois, Ladda Tammy Duckworth deu à luz sua primeira filha, Mallie, no início de abril, tendo sido a primeira política norte-americana a ter um filho durante o mandato. Ela teve que levar a filha para o Congresso com apenas dez dias de vida, pois o país não oferece licença remunerada para novos pais. O fato gerou debates sobre as políticas de maternidade dos EUA, que é único país desenvolvido no mundo que não oferece o direito.

A primeira-ministra da Nova Zelândia, Jacinda Ardern, 37 anos, anunciou a gravidez em janeiro deste ano, entrando, assim, para a lista das poucas mulheres que comandaram um país durante uma gravidez (o exemplo mais recente é da paquistanesa Benazir Bhutto, que deu à luz enquanto era primeira-ministra, em 1990).

Durante a coletiva de imprensa em que fez o anúncio, Ardern declarou: “Não sou a primeira mulher que trabalha e tem um bebê. Quero que nos reconheçam pelo que fizemos pela Nova Zelândia”.

A primeira-ministra Jacinda Ardern é uma das raras líderes mundiais a dar à luz durante o mandato (Crédito: Governo da Nova Zelândia)

No dia em que foi eleita, Ardern foi questionada pelo jornalista Mark Richardson, do programa “The Project”, que argumentou que o povo da Nova Zelândia tinha o direito de saber qual era a possibilidade de ela sair em licença maternidade durante o mandato.

Visivelmente irritada, a primeira-ministra contestou: “É inaceitável que em 2017 as mulheres tenham que responder a essa pergunta em seu ambiente de trabalho. É a mulher que decide quando ter filhos, e isso não deve determinar se ela receberá ou não oportunidades de trabalho”.

Políticas públicas para mães no Brasil

Em território brasileiro, o direito de amamentar em público é garantido por lei em apenas cinco estados: Mato Grosso, Rio de Janeiro, Santa Catarina, São Paulo e, mais recentemente, Minas Gerais. Tramita no Senado um projeto para que o direito das mulheres de amamentar seus filhos em locais públicos seja garantido por lei federal. A proposta, contudo, ainda está em discussão e não há previsão para ser votada.

A Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher está analisando um projeto que cria procedimentos de humanização do luto materno em hospitais públicos e privados. A proposta também prevê que, no caso de abortos espontâneos, as mulheres não fiquem em acomodação da ala de maternidade. Na situação em que o feto falecido tenha 24 semanas ou mais, a ideia é permitir que os pais tenham um registro do filho. Outra medida é o acompanhamento psicológico. O projeto poderá seguir para o Senado se for aprovado pelas comissões da Câmara.

Em Setembro de 2017, a Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher aprovou proposta que assegura às mães o direito de amamentarem seus filhos de até seis meses de idade durante a realização de concursos públicos federais. E mais recentemente, em 3 de abril, a senadora Rose de Freitas (PMDB) apresentou um projeto para que, em caso de parto prematuro, o período de internação da criança não seja descontado do período da licença-maternidade.

Sobre os avanços nos direitos das mães no Brasil, a deputada Juliana Brizola acredita que são muito poucos. “A licença-maternidade de seis meses, por exemplo, é uma delas. Ainda que na iniciativa privada não seja obrigatória. Em Porto Alegre, na Câmara de Vereadores, foi aprovada lei que prevê multa para quem constranger mulheres amamentando. Tudo é válido. Mas ainda estamos muito longe da sociedade ideal”, reconhece.

Manuela d’Ávila aponta algumas conquistas na Assembleia gaúcha. Como emendas que estipulam que o início da contagem do prazo das licenças-maternidade a paternidade comecem a contar a partir da alta da criança da UTI, nos casos de prematuros, e que dão direito à redução da carga horária das servidoras civis lactantes. “Também, em parceira com o deputado Mainardi (Luiz Fernanda Mainardi — PT), aprovamos um projeto de lei que garante que nenhum estabelecimento possa impedir que uma mãe amamente seu filho em suas dependências”, conta.

Machismo nosso de cada dia

Por que uma mulher levar seu filho ao trabalho gera tanta polêmica? Segundo a própria Manuela, a razão é o fato de que a política é masculina e machista. “A política não tem espaço para as mulheres, a política não tem espaço para o que nos diferencia dos homens, a política não tem espaço para a ingenuidade e para a alegria das crianças, não tem espaço para a naturalidade com que conciliamos nosso trabalho e nossas lutas com nossos bebês”, critica. Ela cita, também, que nos ambientes de trabalho não há espaços adaptados às mulheres que são mães, principalmente mães de crianças pequenas.

Na mesma linha, Juliana Brizola acredita que a causa de tamanha repercussão é o machismo. “Levarmos nossos filhos ao trabalho gera polêmica pelo mesmo motivo que ganhamos salários menores que os dos homens. Pelo mesmo motivo que mais da metade da população é formada pelo sexo feminino, e estamos inseridas em um cenário político que contempla apenas 10% de mulheres”, analisa.

Ela lembra que todos os dias as mulheres são estupradas, julgadas e interrompidas através de leis, códigos penais e imposições. “Ou seja, nossa sociedade é revestida por um machismo velado, que sugere, sempre, que nós, mulheres, não deveríamos estar onde estamos”, conclui.

A equidade de gêneros, o fim da intolerância, a busca (e a manutenção) de direitos, entre outras questões, são lutas diárias que têm muito a avançar. Neste cenário, ações como as apresentadas aqui sinalizam um caminho custoso, mas que aponta a horizontes mais justos e plurais.

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Amanda De Oliveira
Redação Beta

Gremista, Gaúcha, Capricorniana, Futura Jornalista, Dona da Lola e Tia/Dinda da Júlia, ... .