Que tipo de polícia a gente quer?

Acompanhe o especial da Beta Redação sobre Direitos Humanos na série de matérias “Nós contra eles”

Gustavo Bauer
Redação Beta
3 min readDec 9, 2019

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Com André Cardoso, Arthur Menezes, Fabrício Santos, Isabelle Castro, Letícia Guintani da Costa, Mateus Friedrich, Nagane Frey e Tamires Trescastro.

Quem nunca pensou algo do gênero quando acompanha as atrocidades cometidas todos os dias pelo noticiário da TV? O dirigente do Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos da Defensoria Pública do Rio Grande do Sul, Andrey Regis de Melo, afirma que essa ideia é resultado de um problema cultural que se desdobra em dois pontos de vista. A primeira reflexão, interna, que teria de ser realizada, estaria já nos currículos das academias de polícia militar. “A gente vê lá direitos humanos, uma série de disciplinas que aproximam o policial dessa prática cidadã, mas quando ele vai para a atividade de rua, há uma cultura que chamamos de currículo informal. Este acaba colocando uma pressão na estrutura interna da corporação, justamente para solidificar frases do tipo ‘bandido bom é bandido morto’ e se distanciar de expressões técnicas”, destaca.

“E o outro ponto é a própria sociedade pensar ’em qual polícia ela deseja’, para a própria sociedade refletir sobre o quanto o Brasil ainda quer encarcerar mais pessoas. Que tipo de polícia a gente quer? Porque essa polícia pressiona o policial a puxar o gatilho, como vimos no RJ agora, ao matarem a menina Agatha, que é uma tragédia. Se fosse fazer um saldo sobre as atividades policiais dos últimos 10 anos, a morte de uma única menina já mostra que houve um trabalho totalmente perdido de uma década. É inaceitável, em qualquer circunstância, que uma operação policial acabe tirando a vida de uma criança de cinco anos de idade”, reflete Melo.

Para o dirigente, a fala “bandido bom é bandido morto” pode ser entendida, ainda, sob uma perspectiva racial. Ele observa como o desenvolvimento da realidade encontrada no Rio de Janeiro pode ser uma chave de leitura para todo o país. “O Rio de Janeiro é o epicentro do fracasso em matéria de segurança pública no Brasil. Quando falo epicentro, é porque é um terremoto mesmo, e esse abalo sísmico acaba se espraiando para outros cantos do país. Lembro da utilização de armas de grosso calibre. Isso enxergávamos há 10, 15 anos, somente no RJ. Hoje nós estamos em Porto Alegre e qualquer quadrilha possui uma um fuzil, que a gente chama popularmente de grosso calibre”, observa.

“É preciso olhar com muita atenção para o Rio de Janeiro, e ver o que não está dando certo lá. Essa política de segurança pública acaba por criar uma cidade que possui dois lados. Em um deles, o policial jamais puxaria de forma descuidada o gatilho da sua arma, como na Zona Sul, no Leblon, em Ipanema, ou na Barra da Tijuca. Isso é impensável no espaço ‘branco’ destes lados da cidade”, sugere.

Ainda segundo Andrey, a frase popularmente repetida é resultado de uma tradição histórica. “Só encontramos a razão deste fazer se olharmos para todo um contexto histórico do Brasil. Vamos enxergar, por exemplo, a questão do genocídio do povo negro. Há 500 anos o Brasil tenta eliminar sua população negra, ou pela escravidão, ou pelo ‘branqueamento’, ou pelo silêncio do movimento negro no período ditatorial, ou agora, mais recentemente, pela política criminal, que é direcionada para letalidade da população negra. O Brasil é um país que sempre acolheu imigrantes, temos que pensar no que está acontecendo neste caso: uma xenofobia ‘à brasileira’ vamos dizer assim”.

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