Na Batalha da Escadaria, rap é compromisso
Evento, que hoje acontece no Largo da Epatur, reúne jovens MCs há dois anos em Porto Alegre
Ao cair da noite das quintas-feiras, sob o embalo do beat vindo de caixas de som instaladas na calçada, um grupo de jovens se encara como se fossem partir para uma briga. De fato, trata-se de uma batalha. Suas armas? As rimas. Inicialmente na escadaria da Borges e hoje no Largo da Epatur, as batalhas de rap reúnem cerca de 60 jovens para disputar quem é o melhor na arte do improviso.
Por ser na rua, em caso de chuva as batalhas são canceladas. Excepcionalmente, o encontro de número 81 da Batalha da Escadaria ocorreu na Travessa dos Venezianos, por se tratar de uma edição especial. Conhecida como Rata, Carol Aguiar é uma das fundadoras e organizadora do movimento. Ela conta que a escadaria serviu como uma libertação, ajudando a se livrar de uma depressão e da ansiedade, problemas com que convivia até dois anos atrás.
A “família”, como é conhecido o grupo, chega cedo e já vai se reunindo, brincando e fazendo rimas desde antes das disputas até o momento das inscrições dos MCs. Logo após, é feito o sorteio que define o chaveamento das batalhas, geralmente entre 32 MCs, mas podendo variar conforme o número de competidores. Inclusive podem rolar trios em uma mesma batalha até chegar a um único vencedor. As regras são claras: respeitar as minas, a mãe, e não tocar no oponente, isso durante 40 segundos para cada um ou com 4x4, com 4 versos para cada um em bate e volta.
O julgamento acontece de duas formas: com os aplausos/gritos do público que está acompanhando ou através de votação por jurados quando são grandes eventos. Ricke Samuel Mendes Duarte, o Xamuel, é um deles. Com apenas 13 anos, ele participa desde maio de 2017 das batalhas. Começou indo com o seu irmão aos eventos. Ele destaca que independentemente da idade, o rap é um movimento acolhedor e esteve presente na sua vida por influência da mãe, que escuta em casa.
Douglas França, 23 anos, é outro MC com presença cativa na Escadaria. O apelido Doug Bad surgiu porque no início mandava muito mal nas rimas. Aos 23 anos, o morador de Alvorada fala com muito carinho sobre a cultura rap. Douglas também é frequentador do Brooklyn, do Mercado, da Escadaria e de demais batalhas esporádicas que acontecem na região.
Doug começou a ser influenciado e curtir o gênero aos 13 anos, através do Programa Escola Aberta, iniciativa governamental que abria as escolas para o lazer dos alunos aos sábados. “Se não fosse o rap eu estaria vendendo droga na biqueira”, afirma. Para ele, a batalha é um momento de salvação, onde é preciso vencer o adversário mas principalmente superar a si mesmo.
Já Xamuel conta ter outro método para se sair bem nas batalhas: “Rolam mil fitas, mas eu deixo rolar”, afirma. Além disso, ao longo da batalha ele já vai pensando no punch line, a frase de efeito para encerar os versos.
O que os dois jovens têm em comum é falar que o rap exerce um papel importante para a sociedade, abordando temas do cotidiano da periferia e suas mazelas, como a importância da aceitação, resistir, confrontar, lutar contra o sistema de uma forma política, cultural e social.
O rap e todo o movimento cultural que o cerca fazem Rata, Doug e Xamuel levarem o estilo como forma de vida, seja em casa, na rua ou nas quintas-feiras na Escadaria. Fundada em 31 de agosto de 2017, a Batalha da Escadaria já realizou 82 encontros desde então, fidelizando o público e com novos MCs todas as semanas.