Novas definições de família

Diferentes constituições de família tornam sonhos de pais e mães reais

Maria Júlia Pozzobon
Redação Beta
6 min readDec 28, 2018

--

Foto ilustrativa representando diversos tipos de família (Foto: Obvious- manual do usuário)

A declaração universal dos Direitos Humanos completou 70 anos no último dia 10 de dezembro. O direito de família tem sido cognominado o mais humano dos direitos, porque lida com as mais íntimas relações humanas.

A evolução do conhecimento científico, os movimentos políticos e sociais do século XX e o fenômeno da globalização provocaram mudanças profundas na estrutura da família. A família foi, é e continuará sendo o núcleo básico de qualquer sociedade. Sem família não é possível nenhum tipo de organização social ou jurídica. É na família que tudo principia.

Associada aos ideais de liberdade dos sujeitos, em todos os seus sentidos, está a necessidade de buscarmos um conceito de família que esteja acima de conceitos morais, muitas vezes estigmatizantes. Assim, devemos buscar um conceito de família que possa ser pensado e entendido em qualquer tempo ou espaço, já que família foi, é, e sempre será a célula básica da sociedade.

Ainda dentro desses ideais de liberdade e respeito à dignidade da pessoa humana, encontram-se duas grandes questões do Direito de Família pós- Declaração dos Direitos Humanos. A primeira é saber qual o limite de intervenção do Estado na vida privada do sujeito-cidadão. A tendência é que o estado se afaste cada vez mais da vida privada do cidadão. É este o momento de se perguntar se o estado poderia impor que existe um culpado pelo fim do casamento, como ainda acontece em vários países, inclusive no Brasil. Não se pode mais desconsiderar que na objetividade dos atos e fatos jurídicos permeia uma subjetividade.

Foto ilustrativa explicando alguns exemplos de família dos dias atuais. (Foto site Educação e Participação)

“Não está no nosso sangue o amor que construímos no nosso coração”, foi assim que Karine, 33 anos, tentou explicar seu amor de mãe. Junto com sua esposa Andressa Lopes elas acabaram de adotar Gabriela, de 1 ano e 3 meses. Karine, enfermeira, conta que não foi nada planejado, foi apenas uma paz no coração quando tiveram a oportunidade. Já Andressa, com 36 anos é mãe de quatro filhos, três deles adotados e um deles do seu antigo casamento.

Andressa conta que sempre sonhou em ter uma grande família e a chegada de Gabriela fez com que esse sonho se concretizasse, junto com sua esposa. “Apesar das dificuldades e do preconceito que a sociedade tem comigo, sempre acreditei que poderia ter a família que tanto desejei”, conta Andressa.

Antes de ter o primeiro filho, André, Andressa já tinha tentado ser mãe, mas perdeu o bebê no início da gestação. A gestação de André também não foi tranquila, mas o momento conturbado foi superado e no final do mês ele completa 13 anos. “Foi quando eu soube que o sonho de ter uma grande família seria difícil. Depois de 4 anos, já com a Karine, enxergamos na adoção, uma forma de tornar o meu sonho real”.

A adoção é um procedimento burocrático e demorado, Karine e Andressa esperaram por 2 anos até conseguir a guarde definitiva de Felipe, que agora com seus 9 anos é realizado com sua família. “A gente queria ele, quando o conhecemos ainda era nenê. No momento em que o vi, sabia que ele seria meu filho”, conta Karine. Felipe nasceu em 2009 e só consegui ir para casa com suas mães em 2011.

Pedro veio um ano depois, com 1 e nove meses. Andressa conta que os primeiros 6 meses são os mais difíceis, principalmente para as mães. “A gente ficava contando os dias para o Felipe nos chamar de mãe. Quando ele veio para cá, já falava algumas palavras. Lembro até hoje o dia em que ele olhos nos meus olhos e disse “mamãe”, é uma cena que nunca irá sair da minha cabeça”, relembra Andressa.

As mães do coração se sentem preparadas com a chegada da nova filha ao lar. “Ficamos 7 meses na concretização de trazer Gabriela para casa. Os meninos contavam os dias para conhecer a irmã”, diz Karine que sempre sonhou em ser mãe de menina e agora sua filha chegou para completar o amor da família. “Estamos bobas, faz 25 dias que Gabriela chegou e já mudou tanta coisa. Todos nos ajudam, os irmãos são muito prestativos”, comemora Andressa.

Imagem reprodução a campanha #nossafamíliaexiste que convida as pessoas a mostrarem suas famílias no Facebook, foi criada pela página casamento civil igualitário.

Rafael Oliveira de 38 anos, advogado e Luciano Camargo, 37 anos, estão juntos há 11 anos, casados há 3, e 2018 marcou muito a vida do casal. O primeiro ano como pais, que se preparam para passar o primeiro natal com seus filhos. “O dia dos pais foi muito emocionante, mas sempre amei o natal e o sonho da minha mãe era passar essa data com os netos. Esse ano o sonho será real”, celebra Rafael. Há nove meses, o casal adotou dois irmãos, José que está com quase 9 anos e Davi com 4. “Nós conhecemos o João quando ele estava para completar 7 anos e nos apaixonamos por ele no mesmo instante. Foi quando sabemos que ele tinha um irmão. Na hora olhei para o Rafa, e sabíamos que nunca iriamos separar eles. Davi já era nosso filho também”, explica Luciano.

Um dia após a primeira visita, Luciano e Rafael já estavam no fórum para conhecer a história dos meninos que iriam mudar suas vidas. No mesmo dia, voltaram ao abrigo para conhecer Davi, e foram surpreendidos por uma carta de José, onde tinha desenhado um coração com o nome dos futuros pais. “Foi aí que percebemos que ele já era nosso filho”. Depois de pouco mais de um mês de visitas, os irmãos finalmente ganharam um lar. Esse ano, foram na para LGBT junto com os meninos. “Todos os dias temos que educar e conscientizar, desde pequenos, que todos têm direito a amar sem qualquer diferença”, destaca Rafael.

O modelo tradicional não está em alta

Segundo dados lançados no IBGE em 2012, a formação clássica ‘casal com filhos’ deixou de ser maioria no Brasil. Segundo os dados, eles representam 49,9% dos domicílios, enquanto outros tipos de famílias já somam 50,1%. Hoje, os casais sem filhos, as pessoas morando sozinhas, três gerações sob o mesmo teto, casais gays, mães sozinhas com filhos, pais sozinhos com filhos, amigos morando juntos, netos com avós, irmãos e irmãs, famílias “mosaico” (a do “meu, seu e nossos filhos”) ganharam a maioria.

Karine, Andressa, Luciano e Rafael comentam sobre o futuro do país. Rafael ainda comemora por conseguir a adoção dos filhos no ano de 2018, pois acredita que com a governança do futuro presidente eleito, o qual prega o direito da família tradicional brasileira, a adoção será muito mais difícil, principalmente entre casais homossexuais. Em seu plano de governo, apesar de o material defender que a família, “seja como for”, é sagrada, e que o Estado não deve interferir nas vidas dos cidadãos, o presidente eleito Jair Bolsonaro negou que esteja fazendo um aceno às famílias homo afetivas. Porém, ele defende que apenas a união heterossexual pode ser considerada uma família. Segundo Bolsonaro, quem pensar o contrário deve propor uma mudança na Constituição Federal.

Ainda hoje, dia 11/12, a futura ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, afirmou que, em sua gestão, trabalhará pela aprovação do projeto conhecido como Estatuto do Nascituro no Congresso Nacional. O projeto, em tramitação na Câmara desde 2007, prevê proteção jurídica à criança ainda não nascida e garante assistência pré-natal e acompanhamento psicológico a mulheres vítimas de estupro. Na prática, o texto prevê meios de estimular as vítimas de violência sexual a ter o bebê caso fiquem grávidas. O artigo do Código Penal que autoriza o aborto em caso de estupro e em situações em que a vida da grávida seja colocada em risco fica mantido.

Esta reportagem faz parte do especial de 70 anos da Declaração Universal do Direitos Humanos, produzido pelas alunos da disciplina Beta na Editoria Geral, Unisinos Porto Alegre. Clique e confira todas as matérias feitas: Seis histórias para os 70 anos dos Direitos Humanos

--

--