Reajuste anual de medicamentos supera a inflação

Maior alta desde 2016 contribui para agravamentos relacionados à Covid-19

Tainara Pietrobelli
Redação Beta
6 min readApr 28, 2021

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No início de abril, a Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED) autorizou o reajuste anual dos itens do setor farmacêutico. Segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o aumento será dividido em três níveis, onde cada grupo recebe um percentual diferente, de acordo com a participação dos genéricos na fatia de mercado. No nível 1, com mais genéricos, o reajuste é mais alto, de 10,08%. No nível 2, a variação é de 8,44%. Já o nível 3 tem o menor reajuste, de 6,79%. A desvalorização do real em relação ao dólar e a necessidade de importação de insumos fazem com que os preços cresçam no Brasil.

Embora o ajuste anual seja pautado na Lei 10.742/2003, que torna legal o aumento de preços, o salto no valor final em 2021 superou as expectativas e contribuiu para levar os hospitais e a vida de quem utiliza medicamentos de uso contínuo a dificuldades ainda maiores. Acontece que, neste ano, apesar do cenário demonstrar que reajustes bruscos poderiam representar problemas difíceis de serem contornados, a alta nos preços chegou com tom de recorde, acima da inflação, que atualmente é de 6,10%. O reajuste é o maior desde 2016. Em 2020, houve um adiamento de dois meses no reajuste devido à pandemia e este ano as expectativas eram de que o governo sinalizasse essa medida novamente, o que não aconteceu.

Reajuste de 2021 é o maior desde 2016 (Gráfico: Tainara Pietrobelli/Beta Redação)

A atualização nos valores impactou o setor farmacêutico, consumidores finais e hospitais. Entre os itens mais afetados pelo reajuste estão os antibióticos, anti-inflamatórios, remédios para dor e diabetes. Dados do Índice de Preços de Medicamentos para Hospitais (IPM-H), calculado pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) em parceria com a Bionexo, mostrou que nos últimos 12 meses os analgésicos, anestésicos e sedativos registraram uma alta acumulada de 48,88%. Já o grupo dos relaxantes musculares e anti-inflamatórios subiu 38,36% no período.

Aumento de medicamentos em 2021 supera a inflação (Gráfico: Tainara Pietrobelli/Beta Redação)

Preço dos medicamentos contra Covid-19 dispara no ano

Os remédios utilizados para pacientes Covid já seguiam uma linha de alta de preços desde o início da pandemia. Segundo a Confederação Nacional de Saúde, a caixa do sedativo utilizado para pacientes que precisam ser intubados, o Propofol, teve um salto de R$ 28 para R$ 183 (653,57%) no período. O relaxante muscular Midazolam foi de R$ 22,78 para R$ 174 (763,83%) e o Atracúrio passou de R$ 32 para R$ 195 (609,38%).

De acordo com a direção executiva do Hospital Municipal Getúlio Vargas (HMGV) de Sapucaia do Sul, os medicamentos tiveram aumentos progressivos a partir de 2020. Segundo a assessoria de comunicação do hospital, o momento mais crítico aconteceu em março deste ano, quando houve falta completa de estoque dos próprios fabricantes, como na situação do sedativo mais usado nos tratamentos e de maior impacto nas aquisições, o Midazolam 50 mg/10ml Injetável.

Para esse sedativo, em 2020 havia um contrato de fornecimento com a fabricante por unidade. Após falta de estoque no mercado em geral, a FHGV recebeu propostas de empresas com aumento percentual de 1.685% por ampola. A explicação para o aumento tão expressivo está nas distribuidoras que, ao perceberem a falta nos fabricantes, seguram seus pequenos estoques e esperam o momento propício para negociarem o preço desejado.

Já no Hospital Centenário, de São Leopoldo, a direção decidiu suspender as cirurgias eletivas por conta da falta de anestésicos e sedativos no estoque e nas distribuidoras. A decisão foi necessária para preservar a sedação dos pacientes graves e evitar que alternativas menos confortáveis sejam adotadas.

Rotina em UTI Covid na HMGV. (Foto: Jocélia Bortoli /Comunicação FHGV)

A FHGV realizou licitação de medicamentos em fevereiro e março deste ano, antes do período de reajuste, e já sofreu para conseguir a compra de vários itens. As que não forem concluídas nessa tentativa serão republicadas no próximo mês, em novo pregão, com a previsão de impacto do reajuste.

Até pouco tempo, o governo federal mantinha a reserva de medicamentos por meio de pregões de compra. Mas, desde que admitiu que os itens estavam em “estoque crítico” no último mês, isso gerou complicações na aquisição dos insumos necessários para intubação no Brasil.

Aumento de preços impacta vida financeira do consumidor final

Há mais de um ano a pandemia torna a vida de milhões de gaúchos muito mais difícil. Acontece que, além das barreiras de distanciamento social, a vida financeira também ficou prejudicada. Segundo dados levantados pelo Instituto de Estudos de Protesto do Rio Grande do Sul (Iepro-RS), em setembro do ano passado, cerca de 47% da população do Rio Grande do Sul tiveram impacto financeiro negativo por conta da pandemia.

Ana Maria Freitas, de 57 anos, trabalhava em um supermercado em São Leopoldo (RS), mas por conta da idade foi afastada em abril do ano passado. Em junho perdeu o emprego e precisou se manter apenas com a aposentadoria, de pouco mais de um salário mínimo. Ana é hipertensa, diabética e costuma tomar analgésicos e relaxantes musculares diariamente para aliviar as dores causadas por um problema na coluna. Nas compras deste mês já sentiu a diferença nos preços. “Todos os meses eu compro uma caixa de remédios para dor no corpo. Sempre pagava R$ 12 ou R$ 13. Desta vez, estava R$ 19. A sorte é que alguns remédios eu ganho pela farmácia popular, mas o que preciso comprar vai pesar no fim do mês”, relata a aposentada.

Anti-inflamatórios, remédios para dor e diabetes tiveram maior aumento. (Foto: Tainara Pietrobelli/Beta Redação)

Para quem não perdeu o emprego, o impacto também chegou. Daniel Mota Alves, é operador de máquinas industriais em Sapucaia do Sul e tem de 37 anos, havia enfrentado um procedimento cirúrgico meses antes da pandemia e estava se recuperando quando testou positivo para Covid-19. Apesar de ter lidado bem com os sintomas, sem precisar ser hospitalizado, Daniel desenvolveu um quadro de bronquite após a doença e precisou adotar novas medidas no dia a dia. Por isso, faz uso do Symbicort spray, a famosa “bombinha”. “O preço já era alto, mais ou menos R$ 115. Neste mês, na mesma farmácia que sempre comprei, subiu para quase R$ 130”, confirma Daniel.

Ele também utiliza outros medicamentos, mas relata que com o aumento dos preços irá optar por comprar todos pela internet, pois é o caminho mais fácil para pesquisar valores.

Entenda como é feito o cálculo de reajuste de medicamentos

Quem define a porcentagem de reajuste dos medicamentos é a CMED, que se baseia em três fatores. O primeiro é o fator X, relacionado aos ganhos de produção dos fabricantes. Para 2021, o fator X resultou em 3,29%. Já o fator Y serve como parâmetro para equilibrar os preços de acordo com os custos, considerando o valor de insumos necessários para a fabricação das fórmulas farmacêuticas. Nesse caso, o fator Y fechou em 4,88%. Por último, o fator Z é o mecanismo inserido no cálculo do ajuste de preços com o intuito de diminuir o poder de mercado das empresas que produzem medicamentos de classes terapêuticas com baixa contestabilidade, incentivando a competição no setor.

Portanto, o reajuste anual de medicamentos só pode ser feito através de um cálculo:

A variação percentual no preço é definida pela CMED (Imagem: Tainara Pietrobelli)

Um destaque importante é que a CMED atualiza anualmente o percentual de Preço Máximo ao Consumidor (PMC) de todos os medicamentos. Dessa forma, farmácias e drogarias não podem cobrar acima do percentual informado, mantendo o Preço Farma (PF) de acordo com o que foi imposto. Para chegar ao PMC, a CMED considera o Imposto sobre Circulação de Mercadoria e Serviços (ICMS) de cada estado e a categoria do remédio, que pode ser negativa, positiva ou neutra.

Medicamentos da lista negativa tem imposto direcionado a apenas um integrante da cadeia de compra, ou seja, a farmácia não precisa pagar o tributo, apenas a indústria. Os da lista positiva são isentos de PIS (Programa de Integração Social) e COFINS (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social). Neste caso, toda a cadeia de compra fica livre desses impostos. E por fim, a lista neutra é composta por medicamentos que geram um crédito na compra e um débito na venda.

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