Religiões recorrem às redes sociais para fazer celebrações de Páscoa

Em meio à pandemia do novo coronavírus, igrejas, templos e sinagogas repensam os modos de se manter conectados à população

Natan Cauduro
Redação Beta
10 min readApr 11, 2020

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Papa Francisco durante celebração da Semana Santa na quinta-feira (9), na Basílica de São Pedro. (Foto: Reprodução do site do Vaticano)

O mês de abril carrega consigo datas importantes para os católicos, evangélicos e judeus. Para os primeiros, o domingo (12) é de Páscoa, a ressurreição de Jesus Cristo. Para os últimos, é momento de resguardo e de relembrar o povo hebreu do Egito.

Contudo, abril também é um mês de reclusão. O governador Eduardo Leite (PSDB), no dia 19 de março, decretou estado de calamidade no Rio Grande do Sul motivado pelo surto do novo coronavírus. Desde então, há 23 dias, o estado convive com limitações, uma delas a de evitar aglomerações.

Com isso, igrejas, cultos e sinagogas têm adaptado o seu modo de contato com os fiéis, tendo a maioria se voltado para o uso da internet. A Beta Redação monitorou entidades e suas páginas na web, além de conversar com um padre jesuíta, um pastor luterano e um adepto do judaísmo para saber como, em tempos de pandemia, a religião consegue se manter atuante entre a população.

A Igreja Católica

A cidade de São Leopoldo (RS) é um grande polo religioso, especialmente para os jesuítas. O Santuário do Sagrado Coração de Jesus, também chamado Padre Reus, é um local famoso de adoração. O espaço é gerido pela ASAV — Associação Antônio Vieira.

Padre Raimundo Nonato Rezende tem 58 anos e atua no Santuário desde julho de 2019. Segundo ele, a orientação dada é de que nenhuma igreja deva receber fiéis. “As igrejas estarão celebrando (a missa de Páscoa), mas a portas fechadas. Somente os padres (no caso do Santuário, são três) concelebram com a ajuda de três ou quatro leigos — o pessoal do canto e o ministro de eucaristia.”

Santuário do Sagrado Coração de Jesus. (Foto: Rodrigo W. Blum/Reprodução do site do Santuário)

A saída encontrada pelo Santuário, assim como diversas outras igrejas, foi de continuar a celebração das datas e transmitir as orações e leituras pelas redes sociais, contentando os fiéis enquanto mantém a restrição às aglomerações. A missa de Páscoa será transmitida pelo Facebook do Santuário. A live do domingo começa às 16h.

Essa não é a primeira vez que o Santuário faz uma transmissão por Facebook, mas é a primeira vez que se celebra a Semana Santa sem a presença de público — o Santuário foi inaugurado em 1970. É impossível prever quantas pessoas participarão durante a transmissão e quantas vão interagir com o material uma vez armazenado na rede social. Entretanto, é esperado que se mantenha a média dos anos anteriores.

De acordo com o padre Rezende, o Santuário costuma fazer cinco missas nos domingos de Páscoa, e cada uma delas recebe a média de 1 mil a 1,5 mil pessoas. “Teríamos aí, arredondando para baixo, de 5 mil a 6 mil pessoas no dia”, projeta o padre Rezende.

Outra igreja que também fará transmissões ao vivo é a Catedral Mãe de Deus. Inaugurado em 1922, esse fenômeno arquitetônico de Porto Alegre é comandado pelo padre Rogério Luíz Flôres.

No site da Catedral Metropolitana, o pároco publicou um vídeo com todas as informações sobre a Semana Santa, trazendo também os horários de cada celebração. No domingo, às 10h, ocorre a missa de Páscoa — que será transmitida via Facebook. A motivação, como dita pelo pároco no vídeo, é “fazermos esse contato virtual neste momento tão importante em que ainda se propõem o distanciamento social e, diante desta pandemia do coronavírus, tudo aquilo que pudermos fazer e contribuir e colaborar para que de fato possamos evitar a disseminação do vírus”.

Igreja Matriz Nossa Senhora Madre de Deus de Porto Alegre. (Foto: Reprodução site da Catedral)

Ainda assim, nem tudo se limita às redes sociais. A Paróquia São Pelegrino, de Caxias do Sul, idealizou uma estratégia inusitada para manter o confessionário em funcionamento. Desde terça-feira (7), o padre Leonardo Inácio Pereira criou uma espécie de drive thru para os fiéis. Parando o carro no estacionamento da paróquia, o padre vai de veículo em veículo ouvindo as confissões e passando penitência.

Com exceção do novo confessionário, as orientações recebidas pelos padres valem para todas as igrejas católicas e partiram da entidade que as coordena, a CNBB — Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, tendo as diretrizes sido estabelecidas pelo órgão representante no Rio Grande do Sul, o Conselho Episcopal Regional Sul 3 (Conser-S3). O atual presidente do Conser é dom José Gislon, bispo da Diocese de Caxias do Sul. No estado, a entidade possui um site chamado CNBB-Sul 3.

A CNBB-Sul vem se manifestando virtualmente e incentivando as pessoas a ficarem em casa. Ao longo da última semana, diversos bispos gaúchos publicaram vídeos fazendo apelos à população.

A Comunidade Evangélica

Assim como a Igreja Católica, as comunidades evangélicas luteranas seguem os mesmos ritos durante o mês de abril. A Semana Santa possui as mesmas datas e os mesmos significados. Tudo originado de um vetor comum: o cristianismo.

Mas essa não é a única semelhança. Assim como o padre Rezende, o pastor Milton Schmidt também utiliza as redes sociais para manter contato com os fiéis, além de conservar a presença da religião na vida da comunidade.

Pastor Schmidt tem 44 anos e atua em Porto Alegre, na Comunidade Evangélica de Confissão Luterana Martin Luther, desde agosto de 2019. O último culto com a presença da população local ocorreu no dia 15 de março, há quase um mês. Desde a data, o Facebook e o WhatsApp se tornaram as ferramentas de contato entre o culto e a sociedade.

Os encontros ora são gravados, ora transmitidos via live. E os pastores (Schmidt não é o único presente no local) mantêm uma rotina frequente de postagens e, por consequência, de contato com o público. Ao longo da semana, em dias específicos, são publicadas mensagens de cunho espiritual, música gospel e até conteúdo infantil. Em certas ocasiões, os pastores sequer utilizam os templos — fazem lives das próprias casas.

Mesmo mantendo-se mais ativa nas redes sociais, a comunidade não chega aos mesmos números do Santuário. As lives feitas no Facebook são assistidas ao vivo por uma média de 130 pessoas. Depois, com os compartilhamentos, o vídeo alcança por volta de 4 mil acessos. Em anos anteriores, quando não havia a necessidade de auxílio das redes sociais, os domingos de Páscoa da comunidade recebiam por volta de 180 pessoas. Dia 12, a partir das 9h30, ocorre a celebração de Páscoa com o pastor e a organista.

“Tem sido uma forma da gente aproveitar as redes sociais para levar uma mensagem de esperança e de paz, especialmente no tempo em que a gente vive. Nós temos defendido muito o ato de ficar em casa, pois isso é um gesto de amor, de cuidado com o próximo”, diz o pastor Milton Schmidt

Durante a Semana Santa, a Comunidade Evangélica Luterana pensou numa campanha para ajudar famílias que estão passando por necessidades. Os pastores desafiaram os fiéis a colocarem um prato a mais na mesa durante a ceia e registrar o momento com uma fotografia. Quem o fizer está se comprometendo a doar uma cesta básica, que será distribuída pelo templo. Segundo o pastor Schmidt, a campanha teve grande adesão — as fotos começam a ser publicadas na semana que vem. Nas redes sociais da comunidade há mais informações sobre o projeto.

Imagem divulgada para informar o público sobre a possibilidade de doar uma cesta básica. (Foto: Reprodução do Facebook da Comunidade)

As igrejas evangélicas luteranas também possuem um sistema hierárquico. Quando a pandemia do novo coronavírus foi anunciada, o pastor diz ter ficado apreensivo, porém na esperança de que diretrizes fossem dadas sobre os cultos e as aglomerações.

Essas diretrizes são responsabilidade da IECLB (Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil), um órgão que engloba uma variedade de comunidades, entre elas a cuidada pelo pastor Schmidt. A atual presidente é a pastora Silvia Beatrice Genz. Ela, junto do corpo diretivo da instituição, emitiu um documento por volta do dia 15 de março, cancelando os cultos abertos ao público por conta da pandemia.

A IECLB é uma entidade com forte atuação na web. No site, existem várias publicações com reflexões sobre o atual momento. Uma delas chama a atenção. Não se trata de um material voltado exclusivamente à introspecção, e sim de um manual para rezar o próprio culto de Páscoa em casa. Tem 21 páginas e pode ser acessado aqui.

Em São Leopoldo, a cultura evangélica também se faz presente. O grande representante é o Sínodo Rio dos Sinos, uma entidade que orienta algumas comunidades luteranas e faz trabalhos voluntários nas cidades próximas a ela. Além do Sínodo citado, existem outros 17 espalhados pelo RS.

A Páscoa Judaica

O Rio Grande do Sul é majoritariamente católico. Segundo dados do Censo IBGE 2010, a divisão se dá da seguinte forma, em números redondos:

  1. Católico Apostólico Romano — 7,3 milhões;
  2. Religião Evangélica (sem separação das diferentes ramificações)— 2 milhões;

O judaísmo está em décimo quinto na listagem, com 8 mil praticantes. No período da Semana Santa, judeus comemoram o Pessach ou Pêssach (pronuncia-se pessarr), conhecido popularmente como a Páscoa Judaica. A Beta Redação, ao longo da semana, conversou com judeus de Porto Alegre para entender o que é esse evento.

Pessach vem do hebraico e, traduzido, significa “passar” ou “passagem”. Essa palavra remonta a uma história antiga. Há mais de 3 mil anos, o povo hebreu libertava-se da escravidão no Egito. A “passagem” se deu durante o período das dez pragas do Egito. Uma delas era o Anjo da Morte. O profeta Moisés, com intuito de proteger as famílias hebraicas, pediu para que um cordeiro fosse sacrificado e que o sangue do animal estivesse nas portas ou, mais especificamente, nos umbrais (são as delimitações/extremidades da porta) das casas.

Muro ocidental, Jerusalém, Israel. (Foto: Sander Crombach, Unsplash)

Enquanto esperavam pela chegada do anjo, as famílias, protegidas pelo sangue do sacrifício, comeram a ceia. Quando a morte chegou ao Egito, os primogênitos de todas as famílias deram seus últimos suspiros. Com medo do que mais poderia acontecer, o Faraó libertou o povo hebreu. Assim nasceu a comemoração da “passagem”. Conversando com judeus da capital gaúcha, foi frequente a visão de que essa é uma comemoração para relembrar do passado e celebrar a liberdade.

Em 2020, o Pessach teve início no dia 8 de abril e vai até o dia 16. Um dos traços mais conhecidos sobre a celebração está no tipo de alimento que pode ou não ser consumido. Nessas restrições alimentares estão qualquer produto farináceo ou fermentado. Dependendo da linha religiosa, o consumo de grãos também é proibido.

Assim como os hebreus no Egito, na tradição judaica, é feito o Seder (ou Sêder) de Pessach. Trata-se da ceia feita em dias específicos da Páscoa Judaica. A palavra “seder” pode ser entendida como “ordem” quando traduzida, e, de fato, organização não falta nessa cerimônia. Esse jantar é acompanhado de leituras sagradas, cantos religiosos e comidas específicas e de preparação minuciosa. Nesse vídeo, o rabino Shamai Ende explica o passo a passo para se fazer a ceia e todos os seus detalhes corretamente.

Um dos principais itens no Seder é o Matzá — um pão ázimo não fermentado ideal para a cerimônia judaica. Segundo relatos de judeus da capital gaúcha, às vezes ter acesso ao produto pode ser problemático. Normalmente, compra-se o matzá de São Paulo ou importa-o direto de Israel. Há chances, pois, de faltar pão ázimo em datas comemorativas.

O pão ázimo, também chamado matzá, é um dos itens clássicos do Seder de Pessach. (Foto: Freepik)

Ao longo da matéria, a Beta Redação não teve contato com um rabino — que é a figura central da sinagoga no momento dos encontros religiosos. Desde quinta-feira, o grupo de judeus da capital vem praticando o jejum tecnológico, que consiste em se afastar de telefones e da internet. Contudo, esse distanciamento da tecnologia não foi estritamente seguidos por algumas famílias judaicas da capital.

Com a pandemia do novo coronavírus, as reuniões familiares, como essas que ocorrem durante o Seder, foram impossibilitadas. Mas, da mesma forma que os padres e pastores, as famílias judaicas tiraram proveito da tecnologia e se uniram — mesmo que à distância. Como mostra a matéria do jornal O Globo, foi estabelecido pelo mundo o debate de abdicar do jejum tecnológico para preservar o contato, mesmo que virtual, das famílias. Para os judeus gaúchos, lidar com os fusos horários foi tarefa árdua, mas não impossível.

Assim como as igrejas e templos, as sinagogas de Porto Alegre vêm atuando via redes sociais. Elas possuem limitadores, como o jejum tecnológico e outras restrições sobre o que pode ou não ser filmado, mas, na medida do possível, elas vêm se mantendo próximas da comunidade via publicações e lives pelo Facebook e Instagram.

Uma delas é a SIBRA (Sociedade Israelita Brasileira de Cultura e Beneficência), fundada em 1936 na capital gaúcha. A sinagoga faz publicações no Facebook e alimenta o feed do Instagram. Um dos trabalhos divulgados é o Kabalat Shabat.

Uma iniciativa recente partiu de cantores que participam da comunidade judaica. De casa, cada um filmou-se cantando e o vídeo traz o grupo entoando uma das orações judaicas. Da para ouvi-lo clicando aqui.

Outra entidade que vem atuando em prol da comunidade judaica é a FIRS (Federação Israelita do Rio Grande do Sul). Presente desde 1904, a FIRS é a principal entidade que atua na defesa e auxílio da comunidade judaico-gaúcha. A preocupação com a pandemia fez com que, no site da entidade, fosse criada uma aba específica chamada “coronavírus”. Com a hashtag #CONTECOMAFIRS, são feitas publicações nas redes sociais com informações à comunidade sobre o combate ao novo coronavírus e à COVID-19.

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Natan Cauduro
Redação Beta

Jornalista e estudante de Relações Internacionais.