República do Twitter: Bolsonaro em 280 caracteres

Série especial da Beta Redação aborda o papel da rede social na política atual e seu reflexo na população. Desta vez, analisamos o perfil oficial do presidente do Brasil

Vanessa Fontoura
Redação Beta
4 min readMay 3, 2019

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Página inicial do perfil oficial do presidente da República, Jair Messias Bolsonaro (Foto: Reprodução/Twitter)

O avanço das mídias sociais, principalmente do Twitter, como ferramentas de comunicação oficial de políticos trouxe à tona alguns questionamentos sobre a forma que a rede deve ou não ser utilizada. A Beta Redação já abordou esta discussão aqui, tratando da origem deste movimento no cenário político americano.

Assim como Barack Obama e Donald Trump, os tuítes do atual presidente do Brasil, Jair Bolsonaro (PSL), também configuram o fenômeno jornalístico chamado de agendamento, ou seja, agendam notícias nos veículos de comunicação. Porém, para Maria Clara Aquino Bittencourt, pós-doutora em Ciências da Comunicação pela Unisinos, onde leciona no programa de pós-graduação da área, o uso do Twitter é controverso no governo brasileiro. “Não se sabe exatamente quem controla a conta do presidente. Há posts sobre o governo e posts de teor pessoal. Caso o governo o defina como um canal oficial de comunicação, precisa definir uma linha de conteúdo e parar de atacar pessoalmente os cidadãos que comentam no perfil”, alerta.

De acordo com o jornalista Leandro Demori, editor executivo do The Intercept Brasil e diretor da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), o próprio Bolsonaro declarou que seu perfil na rede social seria o canal oficial em que ele se comunicaria com a população. Para ele, o governo deve ir de acordo com as plataformas que a população está usando, pois quase nunca a comunicação será efetiva se o indivíduo tiver que acessar o site do Planalto para se informar.

Informações bloqueadas

Outra discussão segue em torno de uma ferramenta disponibilizada pelo Twitter: o bloqueio. Maria Clara explica que esse recurso permite que o usuário impeça determinada pessoa de ver as publicações de sua conta, controlando quem pode interagir com ela. Dessa forma, é possível impedir o trabalho da imprensa, se, no caso, o jornalista for bloqueado por uma conta que precise cobrir.

Experiência que Leandro Demori viveu no final de dezembro de 2018, ao questionar o então presidente recém-eleito, Jair Bolsonaro, em sua rede social. Demori interrogou, em seu tuíte (veja abaixo), se um presidente eleito pode bloquear um jornalista justamente pelo meio onde ele promete prestar contas à população.

Tuíte de Leandro Demori sobre o bloqueio de Bolsonaro, em dezembro de 2018. (Foto: Reprodução do Twitter de Leandro Demori)

Demori relata que o episódio foi claramente um desrespeito à Lei de Acesso à Informação (LAI). “É ilegal! Ele não poderia fazer isso sendo o seu Twitter uma rede de comunicação oficial, como ele próprio declarou. Ele disse que era para buscar as informações através do perfil dele, então era isso que eu estava fazendo, e bloquear claramente vai contra uma lei de transparência”, declara. “O Bolsonaro é nosso funcionário e não tem direito a bloquear o nosso acesso. E isso serve para qualquer político.”

O acontecimento em questão repercutiu na mídia internacional. Muitos usuários compararam com um caso semelhante que ocorreu nos Estados Unidos, no qual a Justiça teve de intervir e ordenar que Donald Trump desbloqueasse contas bloqueadas por seu perfil, por considerar que era um canal oficial de comunicação com a população.

Repercussão internacional sobre o caso de Leandro Demori (Foto: Reprodução do Twitter de Andrew Fish)

Apesar disso, o jornalista brasileiro acredita que seja possível separar o pessoal do institucional na hora de políticos utilizarem as redes sociais. “O ideal seria que figuras públicas tivessem uma rede pessoal e fechada para amigos e familiares e uma rede aberta para que elas se comuniquem com o público. Mas pode, também, ser tudo no mesmo perfil. Os dois jeitos funcionam dependendo do que a pessoa fala”, avalia.

“Em cargos políticos o Twitter pode ser usado para divulgação de conteúdos sobre projetos de governo, apresentação de resultados de projetos, cobertura de pronunciamentos, coletivas, entre outros atos políticos, além de um canal de interação, por exemplo”, sugere a professora Maria Clara Aquino Bittencourt.

Novo meio de comunicação

Segundo Maria Clara, o Twitter nasceu como uma ferramenta de troca de informações. Logo ganhou popularidade, mas perdeu uma fatia dos seus usuários quando o cotidiano passou a ser algo enfadonho. “Em 2008, com a entrada de veículos de comunicação e marcas no Twitter, há um novo aumento do número de usuários e o site se consolida como um espaço de atualização sobre o que está acontecendo no momento. Vai ganhando força com a adoção por movimentos sociais e protagonismo por se tornar o primeiro ambiente digital onde breaking news [notícias de última hora] são postadas”, explica.

De acordo com a pesquisadora, o Twitter foi apropriado pelas pessoas e pelos veículos de comunicação como um canal de troca de informações, porém, não pode ser utilizado como fonte única, é preciso ir atrás das fontes e checar as informações que são postadas no site. “Muito do que circula no Twitter é publicado como nota para depois ser apurado e confirmado oficialmente”, explica.

Na avaliação de Demori, mesmo com as controvérsias do atual governo, o uso do Twitter pode ser positivo, pois é basicamente onde as pessoas estão mais concentradas. “Não é novo. A primeira vez que se falou da questão digital foi no governo do Obama, há vários anos, então não há uma novidade em relação a isso”, comenta.

Para saber mais sobre isso, leia a primeira matéria da série sobre o uso do Twitter na política:

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