Exposição fotográfica discute o que é ser negro

Mostra traz registros de alunos negros com relatos positivos de afirmação étnico-racial

Érika Ferraz
Redação Beta
4 min readJun 16, 2018

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É na infância que iniciamos o processo de construção como sujeito social, atuante, capaz de discernir o mundo a nossa volta a partir das experiências vivenciadas. A cultura do “embranquecimento”, embora não explícita, mas enraizada em nossa sociedade, afeta principalmente as crianças, que não provém de rótulos, mas os absorvem conforme o transcorrer do seu desenvolvimento.

Com o intuito de antecipar a discussão sobre a busca da identidade étnico-racial, o Coletivo Quilombo de Ação Educativa em parceria com o Núcleo de Organização do Seminário de Africanidades reuniu alunos negros da rede de ensino pública de Porto Alegre para serem entrevistados e fotografados.

Foram 40 retratos selecionados, acompanhados de depoimentos enaltecendo o povo e a cultura afrodescendente. Dentre as perguntas feitas, como “o que é ser negro?”, os jovens passaram a fortalecer o sentimento de pertencimento étnico-racial. “Procuramos por alunos que já se auto identificam como negros para fazer os que não se veem, refletirem sobre”, relatou o integrante do Coletivo Quilombo, José Ernesto Melo.

Dentre os depoimentos, vários abordam a luta contra o racismo e outros declaram sua negritude. “Somos fortes e inteligentes! Devemos valorizar a luta histórica do nosso povo contra o racismo” (Pedro Ambrósio Silva), “Eu sempre me reconheci como negra, aprendi a ter muito orgulho das minhas raízes e da história do povo negro” (Liandra Castro dos Santos), entre outros.

Crédito: Érika Ferraz/Beta Redação.

Os fotógrafos convidados, Giovanna Luvizetto e João Pedro Siliprandi, coordenaram o projeto junto ao professor José Ernesto Melo. “A ideia inicial era as fotos serem em preto e branco. A foto colorida gera distrações. O objetivo era dar protagonismo a quem está sendo retratado, focar nas expressões”, relatou Giovanna.

“No decorrer do projeto, optamos por fotos coloridas também, pois a incidência da luz sob variados tons da pele negra é algo muito bonito de ver”, acrescentou o fotógrafo João Pedro. Além desse motivo, as Meninas Crespas, projeto coordenado pela professora Perla Santos, maquiaram-se com cores e traçados remetendo a ancestralidade de tribos africanas.

O professor Ernesto explica que o racismo institucional também se dá no ambiente escolar, mas o foco do projeto não era denunciar a opressão, e sim, focar no empoderamento negro. “A ideia era antecipar um debate, que mais tarde viria no ambiente universitário”.

A Beta Redação convidou os alunos retratados na exposição para relatar suas experiências:

Foram seis escolas participantes: Padre Réus (Coletivo Quilombo); Presidente Costa e Silva; Rincão; Saint Hilaire (projeto Afroativos), Alberto Pasqualini (projeto Meninas Crespas) e Eva Carminatti. Segundo José Ernesto, a exposição foi o primeiro passo para dar visibilidade ao debate de temas pertinentes ao movimento negro, com o objetivo de incentivar outras escolas a abordarem o assunto. O projeto está buscando parcerias para aumentar sua atuação.

Afroativos

A professora da escola Saint Hilaire, Larisse Moraes, após episódios de bullying contra uma menina negra na escola, viu a necessidade de discutir em sala de aula, de maneira didática, as origens e os expoentes do movimento negro. “Passei a apresentar para os alunos livros com personagens negros, por exemplo”, explicou a professora.

Na própria escola, em 2017, o grupo Afroativos foi criado com o slogan “Solte o cabelo, prenda o preconceito”. A ideia foi bem recebida por alunos, pais, professores e pela direção. O projeto expandiu-se e foi acrescentado ao currículo complementar da escola. Aos finais de semana, eles se encontram para realizar atividades, trabalhando a autoestima das crianças, como uma forma de enfrentamento ao preconceito.

Segundo a professora, a escola Saint Hilaire é uma exceção. As escolas não cumprem a legislação (leis 10.639 e 11.645) que torna obrigatório o ensino sobre a história e cultura afro-brasileira e indígena. “Isso não é cumprido e também não há quem fiscalize”, lamentou Larisse. “Tenho muita sorte de trabalhar nesta escola que não deixa esse assunto guardado na gaveta”.

Essa é uma das principais reivindicações do Seminário Africanidades, projeto mais antigo situado no Memorial do RS voltado para questões do povo negro. “Buscamos implementar ações que implicam as leis com atividades pedagógicas nos ambientes acadêmicos e escolares”, explicou o historiador Fábio Sosa, integrante do Seminário e parceiro no projeto Tornar-se Negro.

A exposição

A mostra está no Memorial do Rio Grande do Sul (Sala Múltiplos Usos), na avenida Sete de Setembro, nº 1020, no Centro Histórico de Porto Alegre até domingo (17), com entrada franca. Mas a exposição tem o objetivo de ser itinerante, percorrer, principalmente, as escolas que tiveram seus alunos como participantes. As fotos que não foram expostas serão divulgadas em um acervo online em breve.

O projeto não recebeu nenhum apoio financeiro governamental ou institucional. Os custos foram oriundos dos próprios coordenadores e dos coletivos. “Só as impressões das fotos custaram mil reais”, relatou a fotógrafa Giovana. Foi feita uma vaquinha online para ajudar nos custos dos materiais utilizados exposição.

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