Representatividade plus size cresce, mas padrões ainda imperam

Agências e concursos de beleza voltadas a esse público ainda dão preferência a modelos com barriga chapada e sem celulite

Gabriela Stähler
Redação Beta
5 min readMay 21, 2019

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Mercado plus size ainda propaga padrões em agências de modelos e concursos de beleza (Foto: Raw Pixel/Freepik)

N o Brasil, quem veste manequim a partir do 44 é considerado plus size. Esse público recebe cada vez mais espaço na mídia e começa a ser reconhecido pelas marcas de moda. Só em 2017, esse nicho movimentou 5,6 bilhões de reais, segundo dados do IEMI- Inteligência de Mercado. Apesar da crescente representatividade da população gorda, algumas medidas são mais representadas do que outras.

Para promover a representatividade e melhorar a autoestima das mulheres plus size, surgiram no Brasil diversos concursos de beleza. Eles valorizam quem veste a partir do 44 e quebram padrões destrutivos para as mulheres, que arriscam a saúde em busca de um corpo mais magro. Alguns exemplos de competições voltadas a esse nicho são o Miss Brasil Plus Size e o Miss Plus Size Nacional. Mas será que essas iniciativas, de fato, promovem a diversidade e o bem-estar desse público?

A modelo Júlia Quadrado, 22, conquistou o terceiro lugar no Top Model Plus Size 2017. Ela conta que, para trabalhar na área, existem exigências em relação às medidas de busto, quadril e cintura. As restrições são ainda maiores nas agências conceituadas. “As modelos plus normalmente têm a barriga chapada, o peito padrão, não têm tanta celulite, estria, essas coisas”, critica. Essa preferência estética ainda padronizada pode fazer com que o público não se sinta tão representado.

Júlia tem mais de 10 mil seguidores no Instagram e fala com o público sobre saúde mental e autoestima de pessoas gordas (Foto: Carla Wichmann/Facebook)

“Tem muito o que mudar ainda. Quando colocam modelos plus, existem certos padrões. Modelo 46, com busto, quadril e cintura mais fina. Falta essa representatividade para a mulher real se sentir inserida, se enxergar nessa pessoa. Isso me incomoda porque o plus size veio como uma quebra de padrões”, afirma Júlia. Ela ainda observa que faltam modelos que diversifiquem mais a publicidade, como mulheres negras, com cabelo colorido ou com tatuagens.

Doutora em Comunicação Social pela PUCRS e pesquisadora do grupo Corpo e Mídia da UFRGS, Nísia Martins do Rosário observa que o mundo plus size aparece sempre relacionado a um corpo fora das normatizações culturais e midiáticas. “Ele não corresponde à forma física do corpo que tem sido legitimada desde os anos 1960”, diz.

Faz parte dessa legitimação o espaço oferecido na mídia para quem tem um corpo magro, seja na publicidade, no entretenimento ou no jornalismo. “Entre as estratégias para capturar o público está o efeito estético que se vê, tanto no cenário quanto nos corpos que atuam midiaticamente”, explica. Nísia critica, por exemplo, o fato de haver poucas apresentadoras gordas na televisão brasileira.

A pesquisadora ainda destaca outro problema: a representatividade que existe pode ser fruto de estratégias de vendas. “Percebe-se que, atualmente, revistas abrem espaço para as gordinhas principalmente em editoriais de moda, buscando valorizar a beleza das mulheres plus size. Contudo, não estou convencida de que seja uma posição assumida, mas sim um estratégia de marketing”, indica.

Iniciativas quebram padrões

Em Porto Alegre, surgiu em 2019 o Tri Plus Squad, coletivo que luta pela representatividade de todos os tamanhos. Daphne Constantinopolos, 32, é uma das fundadoras, além de ser influenciadora digital nesse meio. “O mercado precisa compreender que existem consumidores ávidos por atenção e por alguém que pense nas especificidades que as pessoas gordas demandam, mas que também exigem qualidade e profissionalismo”, afirma. Daphne ainda salienta que esse mercado não se reduz às roupas, pois inclui também a acessibilidade.

O Tri Plus Squad é formado por outras seis profissionais, incluindo modelos, influenciadoras, uma psicóloga e uma consultora financeira. O coletivo surgiu da necessidade de inclusão e de troca de experiências e Daphne o descreve como “um hub de acolhimento para outras mulheres gordas”.

A iniciativa conta com um grupo no Whatsapp com mais de cem membros. “Elas trocam experiências e dificuldades da vida da pessoa gorda”, conta Daphne. O Tri Plus Squad ainda organiza eventos e encontros para as integrantes e trabalha com a aceleração do mercado plus size. Para as consumidoras, serve como rede de apoio e, para as marcas, oferece auxílio na hora de criar campanhas que conversam com esse público.

No Rio Grande do Sul, existiu até 2017 o Top Model Plus Size, concurso no qual Júlia conquistou o terceiro lugar. O projeto acabou porque o grupo de organizadoras percebeu que a iniciativa prejudicava a autoestima de algumas mulheres e promovia competição entre elas, o que não consideram saudável.

“Essa competição vai contra o que a gente gosta de divulgar, que é o empoderamento sem essa competição entre mulheres, que não faz muito bem. Acabei me tornando amiga das organizadoras e estou sempre apoiando”, conta Júlia. Hoje em dia, o projeto atua no fortalecimento da autoestima feminina, especificamente do público plus size.

O concurso ajudou a alavancar a carreira de Júlia. Foram três meses até as finalistas serem escolhidas, período em que elas tiveram aulas sobre desfiles e fotografia. Desde então, ela já fez um curso de aperfeiçoamento de passarela e trabalhou para diversas marcas nacionais. “Também dei entrevistas, palestras, workshops e, hoje em dia, trabalho mais com o Instagram, conversando com as pessoas sobre problemas reais”, relata.

Representatividade aumentou nos últimos anos

Em 2017, o Ministério da Saúde divulgou que, no ano anterior, o índice de pessoas obesas no Brasil era de 18,9%. Com o crescimento do mercado, surgiu a necessidade de representar esse público, seja na mídia, na publicidade e nos concursos de beleza.

Algumas marcas de moda e beleza têm produzido anúncios com maior diversidade de corpos, incluindo diferentes etnias, gêneros e formas físicas. Alguns exemplos são a Calvin Klein Underwear, que lançou uma linha plus size no Brasil em maio de 2019, e a Gillette, que colocou uma modelo gorda em uma campanha publicitária em abril.

Segundo Nísia, a ação dessas marcas desconstrói padrões caucasianos que sempre predominaram. “É uma iniciativa positiva que abre espaço para o diferente. Em algumas dessas peças as gordinhas têm vez, mas a veiculação, na maioria das vezes, se dá predominantemente na internet. A televisão continua atingindo mais espectadores com seus corpos magros e brancos”, pondera.

Além da influenciadora Anna O’Brien, estrelaram a campanha da Gillette modelos carecas e com vitiligo (Foto: Reprodução/Instagram)

Para modelos e empreendedoras plus size

Para quem deseja ter a experiência de passar por um concurso de beleza, o Miss Plus Size Nacional está com inscrições abertas até agosto. O evento será realizado no Rio de Janeiro em novembro. Para se candidatar, é necessário vestir a partir do tamanho 44 e ter entre 18 e 45 anos. O custo da inscrição é de R$ 2 mil e a vencedora levará o prêmio de R$ 6 mil. Mais informações podem ser conferidas no edital do concurso.

Para quem trabalha com moda e deseja atender o público plus size, o Sesc Canoas irá promover uma conversa sobre o tema no dia 31 de maio, no Canoas Shopping. O evento é gratuito e mais informações podem ser obtidas no site da instituição.

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