RESENHA - “Felipão: A alma do Penta”, de Ruy Carlos Ostermann

Ao observar a Seleção, o autor se preocupa em registrar momentos íntimos que talvez não repercutissem tanto nas redes sociais por algumas horas

Victor Dias Thiesen
Redação Beta
4 min readApr 16, 2018

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Obra contextualiza detalhes da mente de Scolari. Foto: Arquivo Pessoal.

Oriundo do projeto de um perfil do técnico Luiz Felipe Scolari, o Felipão, a obra do jornalista Ruy Carlos Ostermann, publicada em 2002, alterna entre análises da Seleção Brasileira pentacampeã mundial na perspectiva de seu técnico e a trajetória pessoal do “gringo turrão”, nascido no interior do Rio Grande do Sul e pai de família. “Felipão: A alma do Penta” é um suprassumo do jornalismo esportivo possibilitado pela convivência profissional entre os professores Ostermann e Scolari e a tranquilidade das páginas de um livro.

Ao observar a Seleção, Ruy se preocupa em registrar momentos íntimos que talvez não repercutissem tanto nas redes sociais por algumas horas. Ele se coloca entre as posições de jornalista e escritor: um observador atento, que procura interferir o mínimo possível no desenrolar dos fatos para apreender deles uma forma digna de ser lida e relida com prazer. A narrativa da primeira parte descreve para um leitor do Brasil ou da Lua os acontecimentos de antes e durante a Copa do Mundo de 2002, sediada no Japão e na Coreia do Sul.

“Este olhar mais compreensivo que proponho ao leitor, talvez por alguma forma de cumplicidade, é uma tentativa de avançar sobre a figura pública de Luiz Felipe Scolari sem se valer dos reconhecimentos que agora lhe são feitos”, escreve Ruy Carlos Ostermann.

Tome-se, por exemplo, o caso de Romário. Se a Seleção perdesse aquela Copa, todos culpariam a teimosia de Felipão por não ter levado o “Baixinho” no plantel. Fato é que, antes da Copa América de 2001, o treinador estava montando um time e queria saber em quem poderia confiar. Resoluto, depois que o atacante pediu dispensa para tirar férias no Caribe, Scolari nunca mais o convocou. Mesmo após o pedido de desculpas público de Romário.

Ruy também toma o cuidado de deixar um capítulo para falar sobre a presença da imprensa (esse assunto mereceu boas discussões 12 anos depois, na Copa de 2014). Lembra de um episódio no qual o técnico quase apelou à agressão física sobre um repórter que teria iniciado um boato sobre uma revista pornográfica na concentração.

Ainda na primeira parte, o escritor intercala sua narrativa com excertos do diário da Copa de Felipão. Neste, estão expostos os pensamentos e descrições sobre o dia a dia da equipe pentacampeã mundial; suas dúvidas sobre quais esquemas usar — todos com o contestado sistema de três zagueiros; preocupações com o estado físico e mental dos jogadores antes de cada partida.

Treinador comandou a Seleção Brasileira em duas oportunidades. Foto: João Oscar.

É certo que 2014 teria sido injusto com qualquer treinador. Contudo, é mais certo ainda que a história de Scolari foi aquela que ficou com a maior mancha depois do desastroso 7 a 1 em Belo Horizonte, diante da campeoníssima Alemanha. Foi naquela cidade que Scolari levou o time do Cruzeiro ao título da Copa Sul-Minas em 2001 e cuja campanha do treinador fez abrir os olhos da CBF para convidá-lo a treinar a Seleção Brasileira. É um paradoxo: de uma Seleção desacreditada ao pentacampeonato. De uma Seleção superestimada ao Mineiraço.

Luiz Felipe Scolari, nascido em 1948 no interior de Passo Fundo, teve os primeiros anos de vida no meio rural. Católico devoto de Nossa Senhora de Caravaggio, nunca foi tecnicamente brilhante, “mas esbanjava determinação” como atleta, lembram aqueles que conviveram com ele. Começou a jogar futebol na frente de casa e no Colégio Nossa Senhora da Conceição.

Felipão foi sempre um zagueiro respeitado nos clubes, pois era forte, alto e sem firula, o tipo daquela época. Formado jogador no Rio Grande do Sul, foi profissional em São Leopoldo, pelo Aimoré, e Caxias do Sul, por Caxias e Juventude. Também teve uma rápida passagem pelo Novo Hamburgo. Enquanto jogava no alviverde da Serra, foi convidado para treinar uma equipe amadora de Galópolis, bairro distante de Caxias do Sul. Ali começou sua trajetória galopante de treinador, que viria a colocá-lo no comando de times da primeira linha do Brasil, da Europa e da Ásia, além de três seleções nacionais.

Entre suas principais conquistas estão duas Copas Libertadores da América, duas Copas das Confederações e uma Copa do Mundo. Poderíamos acrescentar mais uma nesse rol: levantar de cabeça erguida no dia 9 de julho de 2014.

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