Um dia sobre a música (e a vida)

Nasce a nova casa da Orquestra Sinfônica de Porto Alegre

Vanessa Souza
Redação Beta
4 min readMar 27, 2018

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Concerto inaugurou a Casa da Música da Ospa e abriu a temporada de espetáculos de 2018 (Foto: Vanessa Souza/Beta Redação)

O sábado começou musical. Uma sonora ventania anunciava um dia 24 cinza e chuvoso. O outono mal começou e já dá outra cara para a cidade. No fim da tarde, a rampa de acesso ao Centro Administrativo Fernando Ferrari foi tomada por guarda-chuvas e vozes que disputavam espaço com o barulho dos pingos. Entre um abraço daqui e uma gargalhada dali, o motivo pelo o qual todos vieram estava logo ali: a inauguração da casa de quem nunca teve uma. Até agora. A Orquestra Sinfônica de Porto Alegre ganhou a sua primeira sede em 68 anos de existência: a Casa da Música da Ospa.

A Sala de Concertos é a primeira parte da obra a ficar pronta — e foi inaugurada com a abertura da temporada de shows de 2018. Perto das cinco da tarde, o lugar se encheu e as vozes já nem lembravam mais dos pingos — disputavam agora com os acordes e os sopros da banda que afinava os instrumentos no palco. A cadência dos saltos das moças que andavam pelo espaço completaram a melodia frenética do início do evento. O cheiro de tinta e madeira fresca foi se confundindo com os perfumes dos convidados. A Casa foi ocupada pela primeira vez — ganhou vida.

Manchas pelo chão e paredes mostravam indícios de uma obra recém acabada, um lugar em construção — que contrasta com uma orquestra que se constrói há quase sete décadas. A Ospa foi fundada em 1950 e é a mais antiga do país. Evandro Matté, maestro e diretor artístico, fez questão de iniciar a noite pedindo desculpa as pessoas que estavam sentadas em cadeiras provisórias. Um problema de falta de energia, que aconteceu no dia anterior, atrasou as obras. “Esse desconforto vai ser compensado com música de muito mais qualidade” garantiu Matté. Mas não antes dos discursos que todo o evento importante tem.

“Não sabendo que era impossível, foram lá e fizeram”, disse o secretário estadual da Cultura, Victor Hugo, ao parabenizar todos os envolvidos pela iniciativa e pela obra. O governador José Ivo Sartori também usou de poesia para falar sobre o feito, citando trechos da música Semeadura, escrita por Vitor Ramil e José Fogaça: “Nós vamos prosseguir, companheiro / Medo não há / No rumo certo da estrada / Unidos vamos crescer e andar”.

Discursos feitos, instrumentos e expectativas afinadas: é hora do show. Após os hinos brasileiro e rio-grandense serem executados pela orquestra, o concerto teve início ao som dos pássaros na obra “M’ba Epu Porã” (“música bela”, em tupi-guarani) — como quem diz que, ali, a chuva já passou. A composição é do violonista Arthur Barbosa e foi feita especialmente para a inauguração.

Evandro Matté é o maestro da orquestra (Foto: Vanessa Souza / Beta Redação)

A noite seguiu com a composição de fôlego da obra “Rhapsody in Blue”, de George Gershwin. A peça incorpora elementos do jazz e da música popular ao repertório erudito. O pianista Cristian Budu foi o solista da apresentação — que arrancou aplausos calorosos e gritos de “bravo” do público — e fez jus ao posto de primeiro brasileiro a vencer o tradicional Concurso Internacional de Piano Clara Haskil realizado na Suíça.

Quase uma hora de espetáculo se passou. Algumas pessoas assistem a tudo com olhos arregalados e cheios de brilho, gargalham, aplaudem de pé. Outras pessoas escolhem ver o espetáculo sem ver, só sentir: fecham os olhos e assistem com o ouvido. Tem gente que só sente porque não pode ver, como o senhor cego da poltrona ao lado. E ainda, tem aqueles que comentam tudo porque cada nota é uma novidade — como é o caso da criança de quatro anos.

As perspectivas são as mais variadas: quem fica nos Balcões na lateral da sala pode observar a cada detalhe da orquestra, a fisionomia de cada músico — e se seu óculos estiver em dia, até as partituras é possível ler da área ao lado do palco. Quem escolhe a platéia baixa tem uma visão mais ampla do palco e, aos que ficam nas primeiras fileiras, o privilégio do calor da proximidade. No camarote, logo atrás da platéia e em posição mais elevada da sala, é possível ver com clareza a orquestra e todo o resto do salão — de 2,5 mil metros e capacidade para 1,1 mil espectadores.

A Casa da Música da Ospa fica no Centro Administrativo Fernando Ferrari ( Foto: Marcos Abreu)

Depois de um breve intervalo, café tomado e primeiros números comentados, é hora da última apresentação — que traduz a noite e a nova fase da orquestra: a Sinfonia nº 9, de Dvorák, conhecida como “Sinfonia do Novo Mundo”. Todos de pé ovacionaram o fim do espetáculo, que representou muito mais que apenas um número musical. O novo mundo da Ospa e da música em Porto Alegre deu o seu primeiro passo. Foi uma noite especial.

Saiba mais sobre a Casa da Música da Ospa e a programação completa de 2018 aqui.

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