Em apresentação no dia 30/10, Roger Waters não fez menções diretas ao agora presidente eleito, Jair Bolsonaro, mesmo assim, fãs do cantor não deixaram de se posicionar com faixas e camisetas. (Foto: Mariana Dambrós/Beta Redação)

“Resistir” é preciso? Roger Waters reabre discussão sobre música e política

Em seu último show no Brasil, em Porto Alegre, ex-baixista do Pink Floyd repetiu mensagens de protesto, provocando a reflexão dos fãs gaúchos sobre o cenário nacional

Artur Colombo
Redação Beta
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5 min readNov 1, 2018

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Após seis shows da turnê Us + Them, marcados por manifestações políticas, o ex-baixista da banda Pink Floyd, Roger Waters, encerrou sua passagem pelo Brasil nessa terça-feira, dia 31, em Porto Alegre, no estádio Beira-Rio. Em São Paulo, Waters gerou polêmica ao apresentar o nome de Jair Bolsonaro em um telão onde constava uma lista de políticos considerados fascistas pelo músico. Já em Porto Alegre, no show que aconteceu dois dias após a vitória do candidato do PSL à presidência da República, o cantor resolveu apostar em uma mensagem menos direta, criticando o atual presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e direcionando aos brasileiros um pedido de resistência.

Além de “Resist”, projetado no telão, o show contou ainda com uma reprodução do álbum “Animals” com um balão em formato de porco e a mensagem “Seja Humano”. (Fotos 1 e 2: Gabriela Haas/Arquivo Pessoal. Foto 3: Shahin Nasrabadi/Arquivo Pessoal)

Mesmo em meio a vaias e aplausos em São Paulo, o cantor continuou se manifestando em outros shows pelo país durante sua turnê, como em Curitiba, em show um dia antes do segundo turno das eleições. Informado pela Justiça Eleitoral de que a partir das 22h ele não poderia se manifestar politicamente, Roger Waters, faltando poucos segundos para o horário, lançou a seguinte mensagem: “Temos 30 segundos. Essa é a nossa última chance de resistir ao fascismo antes de Domingo. Ele não! São 10 horas. Obedeçam a lei”.

Roger Waters contra o fascismo

Essas manifestações realizadas nos shows do cantor deixaram parte dos fãs descontes. Alguns alegam apenas discordarem do pensamento de Waters, já outros esperavam não encontrar uma discussão sobre a política do país em seu show. Para entender melhor o que levou o músico a se manifestar dessa maneira, mesmo com tantas críticas, o vocalista Nando Rosa, da banda Barbarella, explica um pouco mais sobre a história do baixista e do Pink Floyd.

Da esquerda para a direita, os integrantes da banda: Ivo Spohr, Michel Presser (Kinho), Nando Rosa, Darlan Spohr, Diogo Mallmann. (Foto: Banda Barbarella/Divulgação)

A Barbarella é uma banda com 48 anos de estrada, de Arroio do Meio, com mais de 9 mil shows já realizados. Uma de suas características principais é tocar músicas próprias e, ao mesmo tempo, resgatar clássicos internacionais, como os do Pink Floyd. “Quando Another Brick in the Wall foi lançada, em 1980, a banda já tinha 10 anos de carreira, e quando ela estourou no Brasil o Barbarella automaticamente tirou essa música para fazer em seus shows. Era uma época em que poucas bandas faziam isso”, explica Nando, que também se considera fã da banda.

Com isso, Nando explica que as falas de Waters em seu show vão ao encontro da própria história de vida do baixista. Ele conta que o músico, ainda criança, perdeu o pai, o tenente Eric Fletcher Waters, na Segunda Guerra Mundial, o que levou o cantor a ser contrário a qualquer governo que incentive o militarismo ou a força bélica como prioridade. “Ele é totalmente contrário a isso, e creio que sempre vai se manifestar dessa maneira. Tanto que um dos hinos da banda, Another Brick in the Wall, fala justamente sobre o sistema educacional europeu, que, na época do lançamento, ele achava muito pesado, um cenário ditatorial.”

Na opinião de Nando, Waters identificou o candidato Jair Bolsonaro com os regimes ditatoriais: “Ele chegou no Brasil, viu a situação política por meio do olhar crítico dele e resolveu tomar partido, colocando um parecer político muito particular”.

Música e política: dois lados de um mesmo prisma

Professor Wolmer Tavares, que pesquisa relação entre música e política, lembra que canções podem ser “formas de protesto”. (Foto: Arquivo Pessoal/Wolmer Ricardo Tavares)

As críticas a Roger Waters trouxeram a tona a discussão da relação entre música e política. Mestre em Educação e Sociedade e autor do artigo Música e os Movimentos Políticos, o professor da Faculdade de Educação e Estudos Sociais de Uberlândia Wolmer Ricardo Tavares explica que ao estudarmos a história, podemos perceber que a música foi um veículo de protesto na época da ditadura. “Enquanto alguns se calavam, outros se manifestavam por meio da música. Tivemos movimentos como a Tropicália, dentre outros artistas, que fizeram da música uma forma inteligente de protesto”, recorda.

Tavares, que também é fã do baixista, diz que “a música pode, sim, ser um veículo de protesto e ter inserida nela uma força política, mas não implica em seguir à risca o que ele fala, pois somos livres para transmitir nossas opiniões”. O professor acrescenta que um dos grandes problemas é confundir a política de pólis com a política partidária. Segundo ele, a música pode ser vista como uma forma de conscientização de nossa realidade: “Pense nas letras politizadas de Gabriel, O Pensador, e até mesmo em algumas letras de outros rappers que trazem inseridas uma forma de protesto”.

Fãs gaúchos põem ingressos à venda e discutem manifestação política

Alguns fãs gaúchos que se posicionaram a favor de Jair Bolsonaro (PSL) durante a corrida presidencial tentaram vender seus ingressos comprados para o show de Waters na capital gaúcha em briques no Facebook. Em um desses grupos, dedicado especificamente ao show, alguns eleitores de Bolsonaro afirmaram, porém, que não estavam vendendo os ingressos por causa das declarações de Waters.

Vitória Fernandes, por exemplo, explica que a venda foi motivada por uma viagem que precisava fazer. “Gosto do Pink Floyd, mas a opinião dele não influencia minha vida nem minhas escolhas políticas”, afirma. Outra fã que votou em Bolsonaro, Taly Fonseca, alega que teve que se desfazer da entrada porque estava de mudança: “A venda do ingresso não está relacionada à política, à manifestação do artista”. Ela defende que o cantor tem o direito de se manifestar. “Cada um deve ter sua liberdade de expressão respeitada.”

Já André Felipe Manchesi, também fã do músico e da banda Pink Floyd, explica que as declarações tiveram uma parcela de influência na venda dos ingressos. “Confesso que fiquei meio revoltado, mas não surpreso pelas declarações. Discordo do cantor quando o mesmo se envolve em questões políticas pontuais, escolhendo um lado, sendo que não vivencia a realidade do país e muitas vezes pode ser influenciado por fake news, influenciadores e notícias superficiais.” André acha desnecessária a mistura de política e música: “Além de gerar um desconforto para a própria banda e o cantor, também transforma o clima de união e comunhão do público, que está ali em um clima hostil e delicado, como temos visto nos últimos dias”.

Para saber mais sobre o que os gaúchos acharam das declarações de Roger Waters em shows passados, a Beta Redação conversou com os fãs na entrada do espetáculo. Confira no vídeo abaixo:

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