Os bastidores da saída de Coudet do Inter

Mesmo na liderança do Brasileirão, treinador partiu para a Espanha e deixou incógnitas no Beira-Rio

Murilo Dannenberg
Redação Beta
7 min readNov 16, 2020

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Coudet assumiu o Celta de Vigo, onde atuou como jogador por duas temporadas. Saída intensificou o furacão no ambiente colorado. (Imagem: Reprodução/Celta de Vigo)

Com a melhor campanha entre os clubes da Série A após 20 rodadas e classificado na Copa do Brasil e na Libertadores da América, um primeiro olhar indicaria que o treinador responsável por esses resultados estaria seguro no cargo e com boa relação com a direção do clube. Não foi o caso de Eduardo Coudet, que deixou o Internacional na segunda-feira, 9 de novembro.

O desgaste na relação com os dirigentes, bem como a oportunidade de treinar na Europa, levaram o argentino de 46 anos para a Espanha, onde assumiu o Celta de Vigo. Contudo, a escolha por um clube pequeno que há três temporadas briga para permanecer na primeira divisão do seu país levantou discussões e segue como tema de debate entre a torcida colorada, a imprensa e a direção.

A Beta Redação conversou com quatro jornalistas que cobrem o dia a dia do Internacional para entender os bastidores do caso. Afinal, o que aconteceu entre o tropeço contra o Coritiba no domingo, dia 8, no Beira-Rio, e o anúncio da saída do técnico, menos de 24 horas depois?

Relação desgastada

Ainda no dia 4 de novembro, cinco dias antes do anúncio da rescisão, já circulava a notícia de que Eduardo Coudet não se garantiria no Internacional para a temporada de 2021, conforme apuração do GloboEsporte.com. Àquela altura, o técnico já apontava dificuldades em conseguir trabalhar no ambiente político do clube. Às vésperas de eleição, Chacho, como é conhecido entre os torcedores, e candidatos à presidência do Inter ainda não haviam encontrado definições para o cenário da próxima temporada, especialmente quando o assunto era a contratação de reforços.

O jornalista da Rádio Guaíba Cristiano Silva falou sobre o cenário: “ele estava desconfortável no Inter e queria reforços, mas a direção disse que não tinha mais dinheiro para contratar e que precisava manter os salários em dia”, salienta. A desvalorização do real, aliada ao agravamento da situação financeira do Internacional durante a pandemia, reduziram a capacidade de investimentos do colorado. Contudo, o técnico insistia no pedido de reforços para brigar nas três principais competições.

Silva também destaca a relação de Coudet como a imprensa como elemento importante para o desgaste do treinador junto ao comando do clube. “O Coudet também disse que estava incomodando com as críticas por parte da imprensa. De certa forma eu fiquei surpreso, porque ele veio da Argentina, onde a imprensa cobra muito”, aponta o jornalista.

Para brigar nas três grandes competições, Coudet exigiu, sem sucesso, reforços da direção. (Foto: Mateus Bruxel/Agência RBS)

O repórter da Rádio GreNal Bruno Flores lembrou que o técnico não tinha segurança na relação com o Inter. “Havia uma falta de respaldo. Talvez tenha ficado com receio de deixar passar essa proposta e, talvez, em um tropeço ali na frente, perder o emprego”, salienta. O setorista do clube na Rádio Gaúcha, José Alberto Andrade, concorda com a observação. “Coudet chegou e o dirigente que fez o acerto com ele no ano passado não estava mais. Alguns meses depois, Barcellos, que mantinha contato direto com ele, saiu devido à eleição”, relembra. “O que o Coudet pensaria depois disso? Que ele não podia confiar na situação”, finaliza.

“Usei uma frase que era bastante usada pelo Sérgio Couto, que atuava na Guaíba”, cita Flores. A frase é “Futebol é bang bang sem mocinho”. Para o repórter da GreNal, a relação estava desgastada por ambas as partes. “Houve a proposta do Celta e a motivação dele de trabalhar na Europa. E também tem a condição do Inter em si, um turbilhão político”, opina o jornalista.

Decisão e partida

Logo após o confronto entre Inter e Coritiba, que acabou empatado em 2x2, no Beira Rio, o jornalista e criador de conteúdo sobre o Interncional, Lucas Collar, publicou um tuíte informando a decisão de Coudet em deixar o comando do Inter.

Primeira publicação a informar a decisão do técnico foi feita na mesma noite do jogo contra o Coxa. (Imagem: Reprodução Twitter/Lucas Collar)

Marinho Saldanha, jornalista do Portal UOL, comentou o desdobramento da informação. “Quando fomos informados disso, não publicamos nada, até conseguir apurar com todas as fontes envolvidas para que não se cometesse um equívoco. Afinal, fazemos jornalismo, não trabalhamos para rede social”, pontuou em crítica à divulgação antecipada da decisão de Coudet.

Bruno Flores conta que a repercussão e a apuração começou logo após a postagem. “Começou com o Lucas Collar, do Vozes [Vozes do Gigante, podcast sobre o Inter]”. Ele publicou que o Coudet tinha colocado o cargo à disposição. Ontem[domingo, dia 8], os dirigentes não confirmavam isso. Hoje[segunda, dia 9], sim. Falavam da proposta do Celta e tudo mais”, continua.

Em mensagem publicada nos grupos de WhatsApp da oposição da atual diretoria colorada, um texto já expunha a complicada situação e a certeza da saída do técnico:

Candidato à presidência pelo O Povo do Clube, Cristiano Pilla conversou no final da manhã com o treinador Eduardo Coudet.

Os três candidatos, Pilla, Alessandro Barcellos e José Aquino se mobilizaram para garantir a manutenção de Chacho. Porém, o técnico está irredutível.

Às 15h, três horas antes do anúncio oficial, José Alberto Andrade confirmava, ao vivo na Rádio Gaúcha, a decisão de Coudet em sair do Inter e partir para o Celta de Vigo.

“Fomos surpreendidos”

Na coletiva em que a decisão da saída foi comunicada pelo presidente do Internacional, Marcelo Medeiros, o tom das declarações era de surpresa com a saída do técnico. Um dos motivos para isso, além do bom aproveitamento nas competições disputadas pelo clube e da escolha por um time em situação delicada na Espanha, era o contrato entre o clube e Coudet.

“A própria direção do Inter, e digo isso após conversar com membros e gente ligada lá dentro, disse: ‘olha, se o Coudet quer sair, tudo bem. Ele tem que pagar a multa rescisória’”, comenta Cristiano Silva. À época, a multa estipulada era de R$ 14 milhões, valor alto para um técnico. Ainda que o valor tenha diminuído com o avançar da situação, os cálculos eras favoráveis à permanência de Chacho.

“Se o Inter quisesse demitir o Coudet, teria que pagar esse mesmo valor. Então era algo que estava muito amarrado. Ninguém queria desembolar. E o Inter não queria que o Coudet saísse. A verdade é essa”, coloca o jornalista da Rádio Guaíba. “O profissional receber oferta, é normal. Se o clube quer que ele fique, ele senta e faz uma proposta. No caso do Coudet, nem isso ele aceitou. Acho que por isso fica a supresa da direção do Inter”, conclui.

Saldanha faz coro a essa linha. “Apesar do temperamento forte de Coudet, o Inter não queria sua saída. Durante a apuração do rompimento, o que mais ouvi de pessoas do clube foi que ‘ele é uma pessoa difícil’”, destaca. Ele também analisa o fato a partir do ponto de vista da carreira do técnico argentino. “O relevante para saída de Coudet é que ele se transferiu para o mercado europeu. Lá, abrirá mais portas muito facilmente”, enfatiza.

Explosivo na beira do campo, Coudet também era incisivo nas decisões junto à diretoria colorada. (Imagem: Reprodução/Sport Club Internacional)

A reação do elenco, segundo os jornalistas

Os jogadores do Inter reagiram com um misto de surpresa e de aceitação à decisão do técnico. No ambiente do futebol profissional, propostas, saídas e transferências são comuns. De acordo com Marinho Saldanha, os atletas têm esse entendimento.

“Os jogadores não queriam a saída de Coudet, como o Inter também não queria. Porém, não há qualquer rusga ou problema por isso”, aponta. “O grupo, pelo que apurei, entende que foi uma oferta aceita, que pode acontecer com qualquer profissional”, complementa. Saldanha ainda destaca que Abel Braga, técnico que assumiu o comando do Inter, tem experiência de vestiário para resolver situações podem ter se originado com a saída do argentino.

Silva, por outro lado, lembra que a mudança na comissão técnica pode representar novas oportunidades para alguns jogadores, bem como a perda de espaço para outros. “Alguns estão surpresos, outros felizes, como o próprio caso do Moledo, já que o Coudet sabidamente não gostava dele”, opina o jornalista. Moledo foi titular ao longo de toda a temporada passada ao lado de Cuesta, formando uma dupla de zagueiros elogiada pela opinião especializada. “Um deve ter ficado triste, né, que é o Musto. Ele foi um pedido do Coudet e o treinador foi embora”, brinca.

Coudet e MIG: cobranças de ambas as partes e sonho europeu encerraram a relação (Foto: Lourenço Marchesan/Especial Jornal do Comércio)

Repercussão e opiniões dos analistas

Apesar da grande repercussão do caso, as consequências da saída de Coudet tendem a se concentrar no campo esportivo e menos nas eleições do clube, conforme os jornalistas. Tanto Saldanha quanto Silva veem o Movimento Inter Grande (MIG) — situação — desgastado politicamente, e confirmam a tendência de eleição de Alessandro Barcellos.

Já no campo, o desempenho do time de Coudet estava acima das expectativas considerando o elenco e o contexto da temporada. “Coudet tem muitos pontos positivos em seu trabalho. Entregou em campo tudo aquilo que a direção esperava em sua contratação”, comenta Saldanha. “O time era ofensivo, protagonista, jogava da mesma forma em casa ou fora, aproveitava os jovens e marcava muitos gols. E, claro, conseguiu resultados até surpreendentes”, emenda.

A falta de vitórias nos clássicos contra o Grêmio foi um dos pontos que mais marcou o trabalho do técnico e foi responsável pelo desgaste entre ele e parte da torcida e direção do clube. Ao todo, Coudet participou de cinco grenais, tendo alcançado um empate e sofrido quatro derrotas.

Silva também cita a capacidade do treinador em potencializar peças do elenco. “Na lesão do Guerrero, ele conseguiu fazer com que o Galhardo se tornasse o goleador do Inter numa posição que era nova pra ele. Ele conseguiu transformar o Zé Gabriel, de um volante médio, para um zagueiro interessante”, elogia. Partindo para as críticas, Silva lembra de um ponto sobre o qual Coudet era muito cobrado: a dupla de zaga. “Falando sobre pontos negativos, eu acho que na defesa ele desmanchou algo consolidado, que era a dupla entre Cuesta e Moledo”, lembra.

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Murilo Dannenberg
Redação Beta

Jornalista. Curioso sobre como as coisas funcionam, com ideias de porque vemos o mundo tal como o percebemos e o que o futuro nos reserva.