Salários atrasados dos professores afetam a qualidade do ensino

Sem reajustes e com salários parcelados, os professores são obrigados a complementar a renda com prestação de serviços não relacionados à educação

Marina Salazar
Redação Beta
7 min readNov 8, 2018

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Carteira do Professor

Um assunto urgente e pouco falado sobre a educação no Brasil é o salário dos professores. Os baixos salários, juntamente com outros desafios, estão ligados à qualidade do ensino básico público no país. Segundo dados do IBGE/Pnad em 2015 o salário médio dos professores correspondia a apenas 52,5% dos salários médios de outros profissionais com a mesma formação. Além disso, segundo estudo da Confederação Nacional de Trabalhadores em Educação (CNTE), realizado em 2016, 14 estados não pagam o salário instituído pelo piso salarial profissional nacional. Quando aprovada, a Lei nº 11,738, em 16 de Julho de 2008, o piso destinado aos profissionais do magistério público da educação básica era de R$ 950,00 mensais para a formação em nível médio, na modalidade normal. O último reajuste do piso nacional, em janeiro de 2017, foi de 6,81% passando de R$ 2.298,80 para R$ 2.455,35 pela jornada de 40 horas semanais. O Rio Grande do Sul está entre os estados que não cumprem a legislação e o projeto de governo atual agrava a situação do magistério gaúcho parcelando os salários e o 13º.

O magistério é a categoria mais expressiva do serviço público do Estado, e reúne entre professores ativos, inativos e temporários. Somados, são 162.350 servidores o que representa uma folha mensal de cerca de R$ 480 milhões, segundo matéria do Correio do Povo veiculada após a divulgação do último reajuste do piso salarial. Isso significa que são mais de 162 mil famílias gaúchas sofrendo com o parcelamento e atraso no pagamento dos salários e descaso do governo que ignora o que representa a renda para cada professor como conta a professora de sociologia Vanessa Gil, 38 anos. A professora leciona no estado desde 2012 e atualmente da aula de sociologia, geografia e ensino religioso para o ensino médio e geografia para o 7º ano do ensino fundamental na Escola Ildo Meneguetti, localizada no bairro Restinga, em Porto Alegre.

“O salário é o que garante ou deveria garantir a dignidade humana. Em especial para as professoras, assegura a autonomia econômica das mulheres que trabalham em educação. Sem ele, essa autonomia desaparece,” explica.

Segundo pesquisa do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) o custo médio das despesas mensais com cesta básica, contas de luz, aluguel, telefone fixo e celular chega a R$ 2.019,62, mas de acordo com a folha de pagamento dos professores de janeiro de 2018, 31,1% dos trabalhadores da educação recebem menos que este valor. É o caso da professora de história Íris de Carvalho, 34 anos, que é nomeada 20h semanais e seu salário líquido é de R$ 1.200,00. A professora leciona há seis anos e, atualmente, ministra a disciplina curricular de história no Colégio Estadual de Ensino Médio Farroupilha, em Viamão. Para ela o salário é sua principal renda. É com este recurso que a professora administra sua casa.

“Esse salário básico não dá conta de pagar o aluguel, de pagar as contas mínimas que dão uma qualidade mínima de vida. Então, a realidade é uma realidade muito triste, a grande maioria dos professores tem o salário como a principal renda, mas hoje uma grande maioria trabalha com um plus de renda: ou trabalham no Uber, ou vendendo calcinha, sutiã, roupas, cosméticos, etc,” comenta.

Segundo pesquisa “Profissão Professor” realizada, em julho de 2018, pelo Ibope com iniciativa do Itaú Social em parceria com o Todos Pela Educação, 30% dos professores da rede pública estadual entrevistados realizam alguma atividade extra para complementar a renda do magistério. Em média, o incremento na renda é de R$ 439,72. Outra pesquisa relaciona os problemas de saúde que os professores sofrem com aspectos do sucateamento da educação pública, entre eles a baixa remuneração e jornada excessiva (dupla ou tripla) de trabalho para complementação de renda. Realizada pela Associação Nova Escola, entre os meses de junho e julho de 2018, com mais de cinco mil educadores, identificou que 66% das professoras e professores já precisaram se afastar do trabalho por questões de saúde. O levantamento também mostrou que 87% dos participantes acreditam que o seu problema é ocasionado ou intensificado pelo trabalho. Entre os problemas que aparecem com maior frequência estão a ansiedade (68%); estresse e dores de cabeça (63%); insônia (39%) e 28% afirmaram que sofrem ou já sofreram de depressão.

O resultado desses “bicos”, segundo Íris, é a sobrecarga de trabalho.

“A maioria dos colegas trabalha 60h, manhã, tarde e noite. E a maioria complementa fora do horário da escola, o que acarreta ao professorado estresse, adoecimento, transtornos, tanto com o acúmulo de trabalho quanto com o acumulo de dividas em função da sua baixa remuneração,” conta.

Edson Garcia, vice-presidente do Centro dos Professores do Estado do Rio Grande do Sul (CPERS — Sindicato) afirma que o baixo salário e o não comprometimento do Estado com os professores, prejudica a qualidade de vida das famílias que passam a não ter o mesmo poder de compra, pois o valor dos produtos e alimentos encarece, mas a renda não é reajustada nem de acordo com a inflação. O que reflete, também, na qualidade do ensino.

“Acaba prejudicando também o aluno porque se tu tem um professor em sala de aula ou funcionário atendendo em um setor da escola que não tem a possibilidade de comprar o pão de cada dia, como é que ele trabalha bem? Ele trabalha com problemas. Mesmo que ele faça todo o esforço e movimento para que isso não afete o aluno, que é o que a gente faz normalmente. O professor chega, da sua boa aula, e etc. Mas quando acaba a aula e ele cruza o portão, a vida real vem e é estar sem dinheiro e sem poder de compra,” comenta.

A relação entre salário e qualidade da educação é estreita. Ensinar de forma qualificada requer uma formação continuada que também está comprometida perante a atual situação da educação no estado. Outra denúncia dos educadores: poucos espaços de formação continuada e de aprofundamento e atualização dos conhecimentos é oferecido pelo governo. A professora Íris ressalta que através de um salário digno é possível acessar a cultura e o consumo de livros o que possibilita que os professores melhorem a intelectualidade e se atualizem.

“Embora eu entenda que um bom ensino não depende só de professores remunerados, depende de um professor que consiga estar se atualizando e aperfeiçoando as suas metodologias de ensino, atuando e refletindo sobre elas,” conclui.

A realidade denunciada pelo Cpers e pelas professoras é que após mais de 30 meses de parcelamento, a renda dos professores está completamente comprometida com empréstimos e juros de contas que se acumulam. No dia-a-dia, há casos de professores que não vão trabalhar porque não conseguem pagar o transporte público ou a gasolina, já que a maioria dos professores leciona em mais de uma escola por dia. Quase nada pode ser feito com a renda, declara a professora Vanessa.

“Paga-se os empréstimos, as contas básicas de água e luz e aperta para tentar chegar ao fim do mês com alguma dignidade. Muitas vezes não dá. O salário é tão baixo que mesmo recebendo em dia já é difícil manter as contas, agora pensem com atrasos e parcelamentos.”.

Justificativa econômica

Anelise Manganelli, economista do Dieese e técnica para o Cepers analisa a situação que leva o estado a não pagar o piso salarial e parcelar os salários e 13º a partir das prioridades do governo em relação ao destino dos recursos. Destaca que não houve redução na arrecadação, principalmente o ICMS, que representa mais de 94% do total da receita arrecadada pelo Estado — receita própria — e que também não tiveram novos concursos, não aumentando a folha de pagamento. A economista explica que se não existe uma redução significativa de receitas e há uma estagnação, já que desde 2014 os trabalhadores da educação não recebem nem a reposição da inflação, sendo que a arrecadação sempre cresce acima da inflação, como resultado se tem uma economia que o estado faz no sentido de não pagar os salários.

“Embora esteja precarizando o trabalho por trabalhadores ativos transformarem-se em inativos por encaminhar a aposentadoria etc., tem um sentimento ainda maior que é o de não ter a reposição do poder de compra dessas pessoas e ainda ter uma sobrecarga de trabalho, mas ao mesmo tempo tu tem uma despesa estagnada, porque tu não tá botando profissionais para substituir,” esclarece.

Além disso, ela expõem que o governo do Estado precisaria atuar para ampliar a receita, revendo o que deixa de arrecadar com os incentivos fiscais. Atualmente as desonerações que o governo do Estado tem gerência direta, sem depender do judiciário e do congresso, somam 8 bilhões por ano, e poderiam ser renegociadas, revistas e reduzidas as isenções de cada um dos setores. Na questão da educação, uma parte desse valor possibilitaria pelo menos o pagamento dos professores.

Outro ponto é que o governo tem optado como política para sair da crise o regime de recuperação fiscal, que para a economista não é a saída para os problemas do estado pois tem diversas contrapartidas, uma série de determinações e punições. Pois, apesar de o governo acessar esse valor, financiar, ter mais tempo para pagar essa dívida, terá que cumprir as contrapartidas, como não poder fazer concursos, não repor salário dos trabalhadores, entre outras.

Atualmente, segundo dados do IBGE, o RS é a 5º maior economia do país e para a economista ações de redução da sonegação, dos benefícios fiscais, aumentos na arrecadação, atração de investimentos, fomentar empregos, etc, criariam um círculo virtuoso e condições de pagar o piso nacional do magistério para os professores do estado.

A não reposição salarial de acordo com a inflação que é o poder de compra também é um fator preocupante, são 23,29% de defasagem. somando a política de parcelamento interfere diretamente na economia local dos municípios do interior do Estado.

“Quando se está parcelando e não se faz a recomposição do poder de compra, tu diminui a renda das pessoas, e desaquece a economia local. A educação no estado é bem descentralizada porque está no município. Os professores estão atuando no local, então é o mercadinho que deixou de vender, é a professora que está tendo que comprar fiado. É esse processo também que tá por trás de uma prática como essa.”

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