OPINIÃO: Descontrole da criminalidade exige a certeza da punição

Carolina Zeni
Redação Beta
Published in
5 min readSep 4, 2018

É domingo. Faz sol na rua e as temperaturas são amenas: é um dia perfeito para passear com a família. Seria, até que, às 15h30, acontece. Mãe, pai e filha — a pequenina de apenas 4 anos — vivem o terror em um sequestro relâmpago. Essa não é a primeira vez e nem vai ser a última em que criminosos vão agir. Ufa. A vida, desta vez, foi poupada. Entretanto, o prejuízo ultrapassa os R$ 3 mil. O bandido levou celulares, relógios — um, inclusive, presente de casamento — e uma pequena quantia em dinheiro.

O caso aconteceu em Novo Hamburgo há cerca de um mês. O motorista, um administrador de empresas, de 43 anos, parou o veículo em frente a uma agência bancária. Quando desceu do carro e se preparava para tirar a filha da cadeirinha foi abordado por um criminoso armado, que ordenou que a vítima entrasse no carro. “Ele disse que a gente daria uma volta”, conta. O assaltante sentou no banco de trás, ao lado da filha do casal, e ficou apontando a pistola para o administrador. A menina permaneceu quieta, mas apavorada. Cerca de 30 minutos se passaram, até que o bandido pediu para ser deixado na passarela Limoeiro, ao lado do antigo Gigante do Vale, em São Leopoldo.

Passado o susto, o que fica agora é o trauma. Até porque a família permaneceu o caminho todo sob ameaças. “Minha filha acordou na mesma noite com pesadelo, perguntando da arma dele. Eu disse que não era nada, que a arma era de brinquedo. Na escola dela tivemos que consultar um psicólogo”, relata o pai.

Além do medo, a família se sente desamparada no que diz respeito à segurança pública. A crítica mais séria feita pelo homem é quanto ao seu direito de ir e vir que, segundo ele, não existe há tempos. “Como cidadão, pago imposto, minhas contas e tudo isso para não ter o direito de estar em paz. Sabe-se lá o que poderia ter acontecido com a gente. Vivemos a violência todos os dias”, desabafa.

Apesar dos relatos de violência, a Secretaria de Segurança Pública do Estado (SSP) ainda tem o que comemorar. No Estado, em comparação com ano passado, os indicadores da criminalidade nos sete primeiros meses de 2018 mostram que houve, na maioria das cidades, queda dos crimes contra a vida, como latrocínio e homicídio doloso. No País onde a impunidade reina e a realidade do “prende e solta” oferece privilégios ao criminoso, quem paga a conta é a sociedade. Há, portanto, um imbróglio (nem tão) implícito a ser discutido: a crise carcerária — do País e do Estado.

Indicadores da criminalidade nos sete primeiros meses deste ano em comparação ao mesmo período do ano passado mostram que houve queda dos crimes contra a vida, como o homicídio doloso e latrocínio (Fonte: Secretaria de Segurança Pública do RS-2018)

A segurança pública vem sendo negligenciada há tempos e todo o sistema enfrenta uma crise. Discussões sobre causas e formas de redução da criminalidade não chegam a um consenso. Do contrário, o caos da superlotação nos presídios não estaria instalado. Os números comprovam. No ano passado, por exemplo, a população carcerária do Rio Grande do Sul registrou o maior número de apenados: 37 mil.

Os números também impressionam no cenário nacional. No início do mês passado, a presidente do Conselho Nacional da Justiça (CNJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, apresentou a nova versão do Banco Nacional de Monitoramento de Presos (BNMP 2.0), ferramenta que mapeia a população carcerária brasileira. De acordo com os dados parciais, existem atualmente no país mais de 600 mil presos. Desses, cerca de 40% são presos provisórios e 27% respondem por roubo.

Tais índices são ainda mais preocupantes hoje, tendo em vista que durante muitos anos o sistema penitenciário foi “deixado de lado” pelos governantes e as casas prisionais, à época já sem estrutura, foram apenas se “sucateando” e virando locais sem a menor dignidade, onde organizações criminosas cada vez se fortalecem mais. A falta de vagas e o descaso com o sistema penitenciário levam juízes e desembargadores a concederem ordens de habeas corpus. O titular da Vara de Execuções Criminais (VEC) do 1º Juizado de Novo Hamburgo, Carlos Fernando Noschang, observa que isso acontece com base no entendimento da ocorrência de aviltamento da condição humana. À vista do caos no qual vive a segurança pública, as leis penal e processual penal necessitam de alterações e de recrudescimento.

Titular da 3ª Delegacia de Polícia Regional Metropolitana, delegado Rosalino Seara, observa que a impunidade contribui essencialmente para o aumento no registro de casos de violência. É preciso endurecer as punições. O bandido precisa responder por seus crimes. Das medidas destacadas por Rosalino, a principal delas seria a mudança do código penal. Presídios lotados, condições desumanas e penas demasiadamente brandas impossibilitam avanços propostos pelas instituições coercitivas — Polícias, Ministério Público, Poder Judiciário e, claro, o Sistema Carcerário.

O promotor de justiça do Ministério Público de Estância Velha, Bruno Carpes, que estuda o tema, exemplifica que, no Estado da Califórnia, nos EUA, o tempo mínimo de prisão por roubo (sem a utilização de arma de fogo) é de 8 anos. No Brasil, por sua vez, um juiz pode determinar ao condenado iniciar o cumprimento da pena já no regime semiaberto. O sistema prisional é uma porta giratória. Os presídios lotados se resumem em basicamente o criminoso fazer novas vítimas e voltar pra cadeia inúmeras vezes. Acerca disso, Carpes define o sistema de execução penal brasileiro como uma “piada”.

Neste caso, a “piada” não tem graça. Vítimas como a família hamburguense que viveu momentos de terror no sequestro relâmpago estão nas mãos dos criminosos todos os dias. Ainda que indicadores de crimes contra a vida apresentem (aparente) queda, a população permanece amedrontada em suas casas cercadas. Todos apressamos o passo para evitar o que nos aguarda na próxima esquina. Ao mesmo tempo, com o sistema truncado da nossa (falta de) segurança, o criminoso acaba convicto de que pode continuar cometendo crimes, pois nada vai acontecer.

Estudos empíricos feitos nos EUA, segundo o promotor Bruno Carpes, indicam que a prisão sempre vai ter duas finalidades: a dissuasão (individual) e a incapacitação (daquele que toma o crime como meio de vida). Carpes sustenta que todos os países que melhoraram o combate ao crime, melhoraram a observação dos direitos humanos tanto das vítimas como dos presos, aumentando o tempo efetivo de pena e a certeza de punição.

Ou seja: o sistema carcerário precisa de reformulações na mesma proporção em que o criminoso precisa ser incapacitado. Do contrário, muitos domingos de sol ainda serão arruinados pela criminalidade.

--

--