Sempre nas redes, mas nem sempre sociáveis

A espontaneidade de políticos como Nelson Marchezan Júnior (PSDB) e Manuela D’Ávila (PCdoB) no Facebook e no Twitter alimenta polêmicas e abre debate sobre a conduta de representantes públicos no ambiente digital

Anderson Guerreiro
Redação Beta
7 min readDec 14, 2017

--

Prefeito de Porto Alegre, Nelson Marchezan Júnior. (Foto: Joel Vargas/PMPA)

Com uma narrativa beirando a inocência, o prefeito de Porto Alegre, Nelson Marchezan Júnior (PSDB), postou um vídeo em sua página no Facebook às 21h33 do dia 16 de novembro de 2017. Ele contava como os porto-alegrenses poderiam resolver o problema da falta de bateria no celular enquanto aguardam ônibus em uma parada. O prefeito estava em Paris, segunda parada de uma agenda de 10 dias na Europa que incluiu, ainda, Barcelona e Lisboa. Na pauta, a busca por investimentos estrangeiros em Porto Alegre.

Naquele noite de quinta-feira, Marchezan participou de uma reunião da Câmara de Comércio França-Brasil, entidade criada há mais de 100 anos com o objetivo de promover as relações comerciais entre os dois países. Na saída, Marchezan percebeu que a bateria de seu celular estava acabando e que uma entrada USB em uma parada de ônibus ao lado do Arco do Triunfo o salvaria. Fazendo jus aos hábitos da contemporaneidade digital, de compartilhar todo e qualquer momento positivo que se tenha, o prefeito gravou um vídeo de um minuto e 32 segundos narrando a experiência de poder carregar um celular, à noite, em um ponto de ônibus de Paris.

A reação das redes foi instantânea. Até 10 de dezembro, o vídeo tinha 570 mil visualizações, cerca de um terço da população de Porto Alegre. Os comentários praticamente instauraram uma guerra virtual entre apoiadores do prefeito e aqueles que tentavam abrir os olhos de Marchezan para um problema primordial: a segurança nas ruas de Porto Alegre e, por consequência, nas paradas de ônibus. “Isso seria maravilhoso! Mas se não temos segurança para usar um celular na rua, imagina carregar”, escreveu uma mulher. Outra disse que “se o Sartori não resolver o problema da segurança fica complicado colocar carregadores em parada de transporte coletivo”. Outros faziam questão de evidenciar as diferenças culturais entre Brasil e França, na linha de “ótima ideia, mas é uma pena porque Porto Alegre não tem uma cultura para isso”.

A rápida e polêmica repercussão deste vídeo levanta o questionamento sobre a preparação de políticos para estarem nos meios digitais sem qualquer filtro de suas assessorias. O vídeo foi postado pelo próprio Marchezan em sua página, que tem 227 mil curtidas. No dia 25, já de volta a Porto Alegre, o prefeito afirmou, em entrevista ao jornalista André Machado, na Rádio Bandeirantes, que só queria compartilhar um momento da viagem com os seguidores da sua página e que quem não quisesse ver era só parar de seguir. “Eu faria aquele vídeo de novo. Quem não quer me seguir dê adeus à minha página, não me olhe, não me siga”, bradou o prefeito ao vivo.

Olhando para o cenário da comunicação através das redes digitais atualmente, seria este o comportamento adequado para um político? Na visão de Lucas Rohan, professor de Jornalismo da Universidade da Região da Campanha (Urcamp) e pesquisador de redes sociais, o ideal é que haja exatamente uma transparência e que o político das redes seja o político real. “Acredito que, adotando essa postura, o político está se submetendo ao julgamento do público de maneira crua e direta. Na minha opinião, a palavra final sobre o que vai ou não ser postado nas redes de um político deve ser do próprio político. Não concordo com vetos da assessoria, mas admito que há necessidade de orientações”, acredita. Rohan pesquisou, em seu mestrado na Universidade Nova de Lisboa, como políticos propagam sua mensagem através do Twitter. Uma das suas bases foi a Pesquisa Midialogue | Político Digital 2016, que fez uma análise sobre a influência de parlamentares federais nas redes sociais.

A jornalista Flávia Lima Moreira atua na área política há mais de 10 anos. Especialista em Marketing Político Digital, ela vê na sintonia entre assessoria e assessorado uma forma de disseminar conteúdos que possam ser melhor aproveitados por quem está na rede. “A assessoria tem o papel de orientar e alertar para determinados riscos. Alguns políticos aceitam. Outros, não”, frisa.

O IPTU nas redes

Eram 16h32 da quarta-feira 27 de setembro de 2017. O prefeito Nelson Marchezan Júnior, através de seu perfil no Twitter, respondeu a uma interação que falava sobre o IPTU municipal. Por duas horas, foram 36 tweets respondendo ou endossando pessoas que falavam sobre o projeto de revisão da planta do imposto, que estava sendo discutido naquele momento pelos vereadores e seria rejeitado na madrugada do dia seguinte. Foram 25 votos contra, 10 a favor a uma abstenção.

Manuela ataca

Em 17 de novembro, o PCdoB lançou oficialmente a pré-candidatura da deputada estadual gaúcha Manuela D’Ávila à presidência da República. Desde então, ela intensificou os roteiros por vários estados e sua atuação de enfrentamento nas redes sociais, principalmente no Twitter. Com 118 mil seguidores, a parlamentar sempre interagiu com quem a segue, mas a tática de marcar posição através de interações com adversários a coloca em um novo campo no meio digital. Manuela tem 36 anos e, assim como Marchezan, alimenta suas próprias redes sociais, com auxílio da assessoria.

Em 6 de dezembro, uma troca de tweets envolveu a deputada e um dos líderes nacionais do Movimento Brasil Livre (MBL), Kim Kataguiri. Ainda repercutindo a participação da pré-candidata no Canal Livre, da TV Bandeirantes, no dia 3, o perfil do Ilisp, site vinculado às ideias liberais, postou parte da entrevista em que o foco era o tamanho do Estado, chegando-se às privatizações. Kim retuitou. Manuela respondeu. E se seguiu uma conversa pautada por ironias, de ambos os lados, em que um acusava o outro de não ter estudado História. Na tarde de 4 de dezembro, um dia após o Canal Livre, Manuela resolveu responder um tweet irônico de Jair Bolsonaro (PSC) em que atribuía à deputada uma frase sobre ética não dita por ela no programa.

Rohan acredita que o confronto direto em redes sociais pode não ser o melhor caminho para o enfrentamento a discursos extremistas. Com exceções, ele prega que os propulsores dos discursos de ódio nas redes sejam ignorados o máximo possível. A jornalista Flavia Moreira acredita que a estratégia da atuação da pré-candidata Manuela D’ávila está focada em mostrar as diferenças e ocupar um espaço que ninguém estaria ocupando. “Ninguém tem feito este embate direto com o MBL e com o Bolsonaro, e alguém precisa fazer. Alguém precisa reunir os apoiadores de uma política mais progressista e, neste momento, a Manuela é a única que pode fazer isso”, ressalta.

Numa linha de pensamento diferente, Flavia acredita que no confronto é possível mostrar a fragilidade dos argumentos de quem prega discursos extremistas. Ela afirma, no entanto, que a deputada Manuela sempre confrontou, nas redes, pessoas com opiniões contrárias às suas, principalmente quando se chegava a ataques pessoais. E que, portanto, a forma como a parlamentar tem agido no Twitter não faz dela um personagem de momento com vistas à campanha presidencial.

Redes sociais em 2018

Marchezan não disputará as eleições de 2018. Manuela, sim. Independentemente dos candidatos, a importância das redes sociais no próximo pleito é dada como certa. O temor que se instala neste momento, a oito meses do início da campanha, é principalmente sobre a atuação dos perfis falsos na disseminação de conteúdos que visarão basicamente atacar candidatos adversários. “Acredito que a campanha de 2018 será quase totalmente baseada em debates virtuais a partir de conteúdo (verídico ou falso) compartilhado nas redes sociais. O político que ‘melhor’ manejar isso será beneficiado. E aqui, ressalto, o ‘melhor’ não significa corretamente, mas sim eficiente do ponto de vista de resultados eleitorais”, comenta Lucas Rohan.

O mundo digital poderia contribuir efetivamente com a busca de soluções para os problemas da sociedade e, durante uma campanha eleitoral, ser mais um mecanismo a favor da sociedade e do amplo debate, sem fronteiras físicas. Flavia Moreira entende que a participação das redes sociais nas eleições ainda estará muito aquém do que papel que elas realmente poderiam desempenhar. “Vai ser uma guerra de versões, de fake news, de posts falsos e da tentativa de derrubar posts. Vai ser preciso muita inteligência e estratégia para se diferenciar nas redes sociais. Quem não tiver relevância e não dialogar sobre o que precisa ser dialogado, vai ficar perdido”, pensa ela.

Políticos que disputarão as eleições de 2018 já começaram a fechar contratos e parcerias com jornalistas e agências para que gerenciem seus conteúdos na internet. Sabem da importância de ocupar — e bem — este espaço que, cada vez mais, atinge o cidadão.

--

--