Efeitos da pandemia e da seca preocupam produtores de leite

Instabilidade do setor se reflete nas variações de preço, agravadas durante a crise da Covid-19

Helen Appelt
Redação Beta
6 min readMay 28, 2020

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Setor de laticínios fica instável. (Foto: Pixabay/Albany Colley)

Componente ideal para um bom café da manhã e cada vez mais presente na mesa das famílias, o leite faz parte da alimentação básica da população. O produto, que já sofria com as variações no preço, que dependem da safra e entressafra, tem sofrido maiores impactos durante a pandemia do coronavírus.

De acordo com o Centro de Pesquisas Econômicas da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Cepea), campus da Universidade de São Paulo (USP) em Piracicaba, a chegada do novo coronavírus aumentou a demanda e o preço dos produtos lácteos no país. Segundo o presidente do Sindilat-RS, Rodrigo Rizzo, entre o final de fevereiro e o início de março, a população começou a estocar mais alimentos, e o leite UHT (Ultra High Temperature) foi um dos principais itens, uma vez que seu prazo de validade permite estoque mesmo que a curto prazo.

Apesar desse estoque nas residências, Rodrigo cita a redução de um dos maiores consumidores de leite e derivados: o setor de hotelaria. “No momento que tivemos todas as redes de hotelaria fechadas, foi rompido o ciclo de café da manhã, o que fez com que sobrasse leite e queijo”, comenta. O mesmo serve para cafeterias e lancherias, que utilizam esse tipo de matéria-prima em seus cardápios.

O preço referência como um agravante

Embora a população seja impactada com a variação do preço do produto, os produtores também sofrem impactos econômicos. Segundo Rodrigo, o preço pago ao produtor de leite varia de acordo com o mercado de oferta e procura, além das variações sazonais, em que no período de safra a produção de leite aumenta e na entressafra diminui. Esse conjunto de situações é analisado pela Universidade de Passo Fundo (UPF), repassado para o Conselho Paritário Produtores/Indústrias de Leite do Estado do Rio Grande do Sul (Conseleite), que determina o preço referência que a indústria deve pagar ao produtor.

O fato de não haver um pagamento com valor determinado agrava a situação. O preço referência não é um valor fixo que a indústria paga pela matéria-prima. Permite uma flexibilidade entre os valores, servindo apenas como um preço de base. Além disso, o pagamento não ocorre de forma rápida, tendo uma variação de 30 a 45 dias. “Não poder planejar seus gastos é muito preocupante”, observa o produtor Ricardo Bley, de Rolante (RS).

Dados do Cepea mostram que o preço médio pago aos produtores de leite no Rio Grande do Sul teve uma grande queda entre junho de 2019 e abril deste ano, sendo abril o melhor resultado.

Dados do CEPEA mostram queda no preço do leite repassado aos produtores. (Foto: Pixabay/Jerzy Gorecki. Ilustração: Helen Appelt)

Agora, durante a pandemia, essas variações de valores sofrem ainda mais transformações. “Nós estamos com um eletrocardiograma durante a pandemia, pois nunca ocorreu uma variação tão importante desses referenciais que envolvem a precificação do produto”, comenta Rodrigo. Segundo o presidente, nem mesmo na greve dos caminhoneiros houve variações tão distintas de um mês para outro. Em março, o preço do leite estava mais elevado devido à entressafra, momento em que a produção é menor e o clima de seca ainda persiste no Estado.

Para os produtores, este é um momento que agrava a produção, uma vez que os custos já eram elevados para manter a alimentação dos animais, que têm como complemento o milho e a soja, produtos que também tiveram seus preços elevados devido à taxa cambial. Além disso, a pastagem fica comprometida por conta da falta de chuva necessária para manter a qualidade. Para o produtor de leite e coordenador da Comissão de Leites e Derivados da Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul (Farsul), Leonel Rodrigues, o mercado é um predador, pois os produtores são dependentes da indústria, que é dependente do mercado.

Segundo Leonel, o problema é que a indústria precisa comprar sua matéria-prima para que possa oferecer um produto de qualidade no mercado e ter uma boa margem, mas não é o que acontece. “Quando a indústria não consegue o lucro necessário em cima do produto ela repassa esse custo ao produtor”, comenta. O coordenador aponta que, dessa forma, os produtores acabam trabalhando com o mesmo preço que trabalhavam há cinco anos.

Além do baixo pagamento da indústria e o alto custo para manter uma boa alimentação para os animais, Leonel aponta ainda que os produtores precisaram abater parte do gado. Por conta da seca, torna-se difícil manter animais que não produzem leite e, sem esses animais, alguns produtores perdem a função. “Somos uma indústria a céu aberto, infelizmente, à mercê do clima, perdendo capital e trabalhando com marchas negativas”, lamenta.

O médico veterinário Átila Soares trabalha há 18 anos com indústria bovino leiteira, gerenciando uma fazenda no município de Salvador do Sul, com média de produção diária de 8 mil litros de leite. “O produtor sempre é o elo menor. Por exemplo, no mercado, em janeiro, um litro de leite saiu de R$ 2,69 para R$ 3,04, enquanto os produtores receberam uma média de R$ 1,60”, explica. Átila conta que precisou reorganizar seus plantios e a alimentação dos animais. “Ainda assim a qualidade do leite produzido é muito boa, trabalhamos com 50% do rebanho com vacas de raça jersey, que proporcionam grande quantidade de proteínas e gorduras, e vacas holandesas, que são especialistas em volumes”, conta.

O produtor de leite de São Lourenço do Sul Miguel Spech teme que a pandemia piore a situação de produtores. “Aqui é um município com grande demanda na produção de leite, mas se a pandemia baixar o poder de compra do consumidor, nossa situação só tende a piorar”, comenta.

Derivados lácteos

Para o secretário executivo do Sindilat, Darlan Palharini, o setor de lácteos está sofrendo oscilações distintas durante a pandemia. “A produção de queijo sofreu retração entre março e abril, pois as indústrias acabaram apenas formando estoque. O setor de gorduras lácteas também teve redução nessa fase de pandemia, pois “deixa os preços instáveis”, comenta o secretário. Dados do IBGE apontam que o consumo de leite e seus derivados sofreu variações, mas não de forma significativa, tanto em nível nacional quanto estadual.

Dados do IBGE, apontam pequena variação no setor de laticínios mesmo com crise no campo. (Foto: Pixabay/Alex Klen. Ilustração: Helen Appelt)

A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), vinculada ao Ministério da Agricultura, realizou uma pesquisa entre os dias 23 de abril e 3 de maio, com 5.105 consumidores do país, registrando como o consumidor se comportou em relação ao consumo de lácteos na pandemia. Os estados de maior representatividade na pesquisa foram Minas Gerais, São Paulo, Rio Grande do Sul, Paraná, Distrito Federal, Rio de Janeiro e Goiás.

Os resultados apontam que a maioria dos entrevistados manteve o consumo habitual dos produtos, variando apenas o tipo de leite e derivados. Outro fator que pode ter interferido no consumo de lácteos, em época de pandemia, é o público que realiza as compras, pois com a necessidade de prevenção, as faixas etárias dos responsáveis pelas compras de mantimentos também mudou. Por exemplo, houve a redução do número de mulheres e homens acima de 55 anos que realizavam as compras, e aumentou o número de jovens com menos de 25 anos.

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